Eu tentei não parecer deslocada quando entrei naquele shopping. Sabia exatamente onde estava — já tinha vindo ali antes, várias vezes, na verdade. Stevan adorava me mimar com coisas caras, restaurantes finos, vitrines que brilhavam mais do que a minha vontade de estar ali com ele. Mas eu nunca me senti confortável com esse tipo de coisa. Depois que percebi que todos aqueles presentes tinham segundas intenções — uma forma disfarçada de posse —, cortei qualquer vínculo que tivesse cheiro de luxo em nome de alguém. Inclusive com ele.Mesmo assim, eu estava ali de novo. Andando entre vitrines iluminadas, paredes de vidro, manequins impecáveis, gente apressada e perfume caro no ar. Meu estômago revirava. Talvez fosse nervosismo. Ou só saudade de uma vida que nunca me pertenceu, mas que por um tempo tentei convencer a mim mesma que era minha.E então a vi. Ivana.Ela me viu antes que eu pudesse fingir estar olhando outra coisa. O rosto dela se iluminou com um sorriso espontâneo, tão genu
— Não acho que seu amigo gostaria de me ver lá — respondi, baixando o tom. — Já estamos há uma semana nos esbarrando, e ele nem sequer aparece. Eu sei que ele está em casa, Ivana. Ele só não suporta me ver.Ela não tentou negar. Seus olhos baixaram um pouco. Parecia triste também.— Eu sinto muito por isso — ela disse, sincera. — Eu prometo que ele é um bom homem. Não que isso importe agora…Ficamos em silêncio por alguns segundos. Ela foi experimentar o vestido. Depois, mais três lojas, mais algumas risadas contidas. E bolsas. Muitas bolsas. Apesar de tudo, o encontro não foi um desastre. Pelo contrário. Foi… tranquilo. E isso me assustou.Porque Ivana não era o que eu imaginei. Não era aquela figura inalcançável, perfeita, que eu tanto temi. Ela era só uma mulher. Uma mulher sozinha, doce, tentando ser feliz. E, talvez, tentando ter uma amiga. Quando estávamos indo embora, me despedi com um sorriso cansado.— Então é isso, Ivana. Foi bom te encontrar. Obrigada pelo convite. M
Havia algo diferente no meu reflexo. Uma mulher que ainda existia por trás das dores, das mentiras, das perdas. Alguém que queria… mais. Ou talvez só quisesse sobreviver.Saí em silêncio.*O clube Para o Seu Prazer.com era tão elegante por fora quanto provocante por dentro. A fachada discreta escondia o que se passava lá dentro como um segredo sussurrado. Não havia fila. Só um segurança alto com olhos atentos.— Catarina Monteiro? — ele perguntou, consultando uma lista.Assenti, surpresa.Ele me entregou uma máscara preta de cetim, delicada e refinada, com fitas para amarrar atrás da cabeça.— Pode entrar. Bem-vinda.Vesti a máscara ali mesmo, com dedos trêmulos. Era como atravessar um limiar invisível. Como vestir uma nova pele. Um novo papel.O corredor de entrada era escuro, iluminado apenas por luzes vermelhas e douradas que dançavam pelas paredes. O som da música suave ia crescendo aos poucos, até que as portas se abriram.E então… eu entrei em outro mundo.O salão p
Ela me puxava para perto, tocava minha mão, ria comigo, me fazia perguntas simples, íntimas. E eu respondia. Aos poucos, sentia minhas amarras afrouxando. O medo que me acompanhava como uma sombra desde que entrei naquela boate começava a se dissolver, se misturar ao calor do álcool e ao som das batidas graves que tomavam conta do meu corpo.Mas ainda assim… às vezes, entre uma conversa e outra, eu lançava um olhar rápido em direção ao trono vazio. Ainda esperava por ele. Mesmo sem querer admitir.Ivana percebeu isso mais de uma vez. E toda vez que isso acontecia, ela apertava minha mão, como quem dissesse: “ele não importa agora”. E talvez, só talvez… naquela noite, ela estivesse certa.Em algum momento, algo mudou. As luzes pareciam mais quentes, os corpos mais próximos, os olhares mais demorados. As pessoas estavam se dissipando da pista principal como fumaça. Não foi imediato. Foi quase imperceptível, como uma mudança de estação. Como quando o ar fica mais denso antes da tempesta
O corredor era um labirinto de vozes roucas e gemidos abafados. A cada passo, eu me sentia menos sóbria, não pela tequila, mas pelo peso do desejo ao meu redor. As paredes vibravam com o som do prazer cru, real, escorrendo das salas como se transbordassem.Haviam várias portas, e algumas estavam abertas o suficiente para que eu visse flashes daquilo que acontecia ali dentro. Em uma delas, um homem estava de joelhos diante de uma mulher sentada numa poltrona de couro, as pernas abertas e o olhar vidrado no teto, os dedos cravando nos braços do móvel. Em outra, dois corpos se contorciam sobre almofadas vermelhas no chão, como se estivessem lutando, mas os sons que faziam não eram de dor. Mais adiante, uma mulher com os olhos vendados era guiada por dois homens que tocavam seu corpo como se fosse uma oferenda.Eu via tudo. Hipnotizada. Incrédula. Fascinada.Minha respiração ficou pesada. O calor entre minhas pernas era incômodo, palpável. Eu estava molhada, minha buceta pulsava, mas,
O homem recuou no mesmo instante, constrangido, como se tivesse sido atingido por uma rajada de vento gelado. Eu me virei, assustada… e lá estava ele. Tristan. Seus olhos ardiam como fogo azul, intensos, sombrios, seus punhos fechados ao lado do corpo, o maxilar travado. Era impossível não sentir o campo magnético que emanava dele.— Ninguém toca em você. — Ele disse, com os dentes quase cerrados. A raiva borbulhou dentro de mim. Eu não era dele. Ele não tinha esse direito.— Quem você pensa que é? — comecei, mas minha voz morreu no ar.Porque ele me puxou. Mas, não de maneira brusca — mas com uma certeza que fez minhas pernas perderem o chão. Seu corpo se colou ao meu, minhas costas contra seu peito, enquanto a música seguia, lenta e cheia de promessas. O calor que emanava dele era quase insuportável. Suas mãos pousaram em minha cintura, guiando-me no ritmo da dança. Era como se meu corpo tivesse sido feito para se encaixar ali. E por mais que eu quisesse lutar, me afastar, gr
E foi nesse momento que algo dentro de mim se rompeu. Me lembrei de Tristan ainda adolescente, tão jovem, ferido, assustado, sonhando em um dia ir embora daquele ferro-velho. Lembrei de como ele tremia internamente quando ouvia os passos do pai, de como ficava horas olhando para o céu como se esperasse uma resposta. Aquele garoto sem perspectiva, que cheirava a graxa e poeira, agora vivia ali. Em meio ao luxo, à arte, à paz. Eu engoli em seco, engolindo também as lágrimas que ameaçavam cair.— Você está bem? — Ivana perguntou, se sentando ao meu lado.Assenti rapidamente, disfarçando.— Só… só é tudo muito bonito. — sorri, tentando me recompor.Ela assentiu em silêncio, como se entendesse muito mais do que eu dizia.De volta à casa, passamos por outro corredor — e meu coração apertou. Era o mesmo por onde entrei na primeira vez, quando Tristan me confrontou, furioso. A memória voltou como um golpe: os olhos dele, as palavras duras, o cheiro dele… o medo e o desejo misturados n
vana passou boa parte do dia envolvida demais em reuniões com os fornecedores, cuidando dos detalhes da montagem da exposição. Era fácil entender por que Tristan confiava nela. Ela sabia exatamente como se mover — com firmeza, com graça, com charme. Não me incluiu nos compromissos, e eu não reclamei. Melhor assim. Passei horas caminhando pela propriedade, explorando a casa, os jardins, o píer de madeira que levava até o mar calmo. Me alojei no quarto de hóspedes mais afastado, com varanda voltada para o lado oposto da praia.Lá de cima, podia ver a movimentação de pessoas chegando com obras cobertas por tecidos de linho cru, grandes molduras sendo desembarcadas, empilhadas com cuidado. A ilha estava sendo preparada para algo íntimo, sofisticado — uma exposição privada que, em qualquer outra circunstância, me deixaria impressionada. Mas eu conhecia Tristan. Sabia que cada tela ali carregava partes do que ele não dizia. E sabia, também, que a maioria das pessoas naquela ilha não fazia