Ela me puxava para perto, tocava minha mão, ria comigo, me fazia perguntas simples, íntimas. E eu respondia. Aos poucos, sentia minhas amarras afrouxando. O medo que me acompanhava como uma sombra desde que entrei naquela boate começava a se dissolver, se misturar ao calor do álcool e ao som das batidas graves que tomavam conta do meu corpo.Mas ainda assim… às vezes, entre uma conversa e outra, eu lançava um olhar rápido em direção ao trono vazio. Ainda esperava por ele. Mesmo sem querer admitir.Ivana percebeu isso mais de uma vez. E toda vez que isso acontecia, ela apertava minha mão, como quem dissesse: “ele não importa agora”. E talvez, só talvez… naquela noite, ela estivesse certa.Em algum momento, algo mudou. As luzes pareciam mais quentes, os corpos mais próximos, os olhares mais demorados. As pessoas estavam se dissipando da pista principal como fumaça. Não foi imediato. Foi quase imperceptível, como uma mudança de estação. Como quando o ar fica mais denso antes da tempesta
O corredor era um labirinto de vozes roucas e gemidos abafados. A cada passo, eu me sentia menos sóbria, não pela tequila, mas pelo peso do desejo ao meu redor. As paredes vibravam com o som do prazer cru, real, escorrendo das salas como se transbordassem.Haviam várias portas, e algumas estavam abertas o suficiente para que eu visse flashes daquilo que acontecia ali dentro. Em uma delas, um homem estava de joelhos diante de uma mulher sentada numa poltrona de couro, as pernas abertas e o olhar vidrado no teto, os dedos cravando nos braços do móvel. Em outra, dois corpos se contorciam sobre almofadas vermelhas no chão, como se estivessem lutando, mas os sons que faziam não eram de dor. Mais adiante, uma mulher com os olhos vendados era guiada por dois homens que tocavam seu corpo como se fosse uma oferenda.Eu via tudo. Hipnotizada. Incrédula. Fascinada.Minha respiração ficou pesada. O calor entre minhas pernas era incômodo, palpável. Eu estava molhada, minha buceta pulsava, mas,
O homem recuou no mesmo instante, constrangido, como se tivesse sido atingido por uma rajada de vento gelado. Eu me virei, assustada… e lá estava ele. Tristan. Seus olhos ardiam como fogo azul, intensos, sombrios, seus punhos fechados ao lado do corpo, o maxilar travado. Era impossível não sentir o campo magnético que emanava dele.— Ninguém toca em você. — Ele disse, com os dentes quase cerrados. A raiva borbulhou dentro de mim. Eu não era dele. Ele não tinha esse direito.— Quem você pensa que é? — comecei, mas minha voz morreu no ar.Porque ele me puxou. Mas, não de maneira brusca — mas com uma certeza que fez minhas pernas perderem o chão. Seu corpo se colou ao meu, minhas costas contra seu peito, enquanto a música seguia, lenta e cheia de promessas. O calor que emanava dele era quase insuportável. Suas mãos pousaram em minha cintura, guiando-me no ritmo da dança. Era como se meu corpo tivesse sido feito para se encaixar ali. E por mais que eu quisesse lutar, me afastar, gr
E foi nesse momento que algo dentro de mim se rompeu. Me lembrei de Tristan ainda adolescente, tão jovem, ferido, assustado, sonhando em um dia ir embora daquele ferro-velho. Lembrei de como ele tremia internamente quando ouvia os passos do pai, de como ficava horas olhando para o céu como se esperasse uma resposta. Aquele garoto sem perspectiva, que cheirava a graxa e poeira, agora vivia ali. Em meio ao luxo, à arte, à paz. Eu engoli em seco, engolindo também as lágrimas que ameaçavam cair.— Você está bem? — Ivana perguntou, se sentando ao meu lado.Assenti rapidamente, disfarçando.— Só… só é tudo muito bonito. — sorri, tentando me recompor.Ela assentiu em silêncio, como se entendesse muito mais do que eu dizia.De volta à casa, passamos por outro corredor — e meu coração apertou. Era o mesmo por onde entrei na primeira vez, quando Tristan me confrontou, furioso. A memória voltou como um golpe: os olhos dele, as palavras duras, o cheiro dele… o medo e o desejo misturados n
vana passou boa parte do dia envolvida demais em reuniões com os fornecedores, cuidando dos detalhes da montagem da exposição. Era fácil entender por que Tristan confiava nela. Ela sabia exatamente como se mover — com firmeza, com graça, com charme. Não me incluiu nos compromissos, e eu não reclamei. Melhor assim. Passei horas caminhando pela propriedade, explorando a casa, os jardins, o píer de madeira que levava até o mar calmo. Me alojei no quarto de hóspedes mais afastado, com varanda voltada para o lado oposto da praia.Lá de cima, podia ver a movimentação de pessoas chegando com obras cobertas por tecidos de linho cru, grandes molduras sendo desembarcadas, empilhadas com cuidado. A ilha estava sendo preparada para algo íntimo, sofisticado — uma exposição privada que, em qualquer outra circunstância, me deixaria impressionada. Mas eu conhecia Tristan. Sabia que cada tela ali carregava partes do que ele não dizia. E sabia, também, que a maioria das pessoas naquela ilha não fazia
O sol batia forte logo cedo, escorrendo como ouro líquido entre as folhas dos coqueiros que cercavam a pequena praia da ilha. Eu podia ouvir o som preguiçoso das ondas quebrando com suavidade na areia clara, misturado às risadas abafadas de Ivana, que já reclamava do calor desde que descemos pela trilha de pedras que levava até o mar.— Como vocês conseguem viver com esse sol? — ela resmungou, ajeitando o enorme chapéu de aba larga na cabeça e os óculos escuros tortos no rosto. — Eu vou evaporar até meio-dia, juro.Eu ri, jogando o corpo na espreguiçadeira de madeira com a toalha por cima.— Isso porque ainda nem é verão de verdade. Se eu te levar pra Ipanema em janeiro, você desmaia só de respirar.Ela bufou, revirando os olhos com drama.Estava linda, como sempre. Usava um maiô branco de gola alta, elegante demais para aquele cenário, como se tivesse sido desenhado pra um editorial e não pra um mergulho. Mesmo assim, parecia desconfortável — não com o corpo, mas com o sol. Ru
Os olhos dele encontraram os meus. Tão perto agora.E havia algo neles. Dor. Desejo. Raiva.Uma fome que ele parecia tentar sufocar a cada segundo.— Você quer me odiar — sussurrei.— Eu odeio você — ele respondeu, sem piscar. — E é por isso que ainda quero tanto.O mundo parou. O som do mar desapareceu.Só havia nós dois. E o que restou de nós.Ele não me tocou além da pele que precisava de proteção. Mas tudo em seu toque era perigoso. E eu sabia que não era só ele lutando ali. Era eu também. Era o passado. Era o amor, o medo, e todos os pecados que cometemos.Quando ele terminou, se afastou sem dizer mais nada. Voltou a colocar os óculos, como se fosse uma armadura. E antes de se afastar, disse apenas:— Cuidado com o sol, Catarina. Ele queima sem avisar. E então se foi.Me deixando com o cheiro dele, o gosto do quase, e o corpo em chamas.*A casa ainda cheirava a vinho e verniz fresco.A noite tinha sido um sucesso. A exposição foi íntima, mas intensa — artistas, cura
Ele se afastou um pouco. Os olhos ardiam. A respiração estava pesada.— Eu soube… — ele disse, quase num sussurro. — Eu soube que tinha matado tudo que a gente era.— E mesmo assim voltou. Pra quê?— Pra ver se ainda havia cinzas.— E o que achou?Ele me olhou como se quisesse me devorar.— Cinzas não. Fogo.Não houve beijo. Não houve toque além do necessário. Mas quando ele se afastou, deixando só o silêncio e o cheiro dele comigo…Eu sabia.Nós ainda éramos um incêndio. Só estávamos fingindo que não ardiam.*Acordei com o barulho do vento. Um assovio leve, constante, que batia nas janelas do quarto como se quisesse me lembrar de que as horas estavam passando — e que eu ainda não tinha ideia do que fazer com tudo o que estava sentindo.O céu estava cinza. Uma névoa úmida cobria a varanda da casa, e as folhas das palmeiras dançavam sob a brisa fria. Abracei os próprios braços por reflexo, sentindo o contraste do clima com o calor da noite passada. Eu não tinha dormido direi