Capítulo 3

Ashley

     Já é tarde quando finalmente chego em casa, e preciso correr para me arrumar. Mary, a governanta, resmunga quando passo correndo por ela no corredor. No meu quarto, me apresso em um banho e visto um azul claro que vovó me deu de presente. A saia dele é esvoaçante, enquanto o corpete é justo. As mangas são longas e bufantes, delicadas com a transparência do tecido. A peça é linda e delicada. O vovô disse que pareço uma boneca com ele.

     Uma tiara com diamantes enfeitam minha cabeça, assim como meu querido colar de girassol no pescoço. Não me lembro quem me deu ou quando ganhei esta peça, mas sei que a possuo há muito tempo e raramente a tiro. Nos pés tenho um salto baixo branco e pretendo deixar meu cabelo solto. Em meu rosto há somente um pouco de rímel e gloss de banana.

     Termino de me arrumar e observo meu reflexo no espelho atentamente. Vovô, vovó, Bella, Thony e Alexa falam que sou muito bonita, mas não consigo concordar, acho minha beleza comum demais para ser tão maravilhosa. Meu cabelo é de um loiro claro natural, meus olhos são verdes, minha pele é clara com um fundo ligeiramente bronzeado e meus traços são delicados e simples. Como eu disse, muito comum.

Quando termino, alguém b**e na porta. Os três toque ritmados anunciam quem está prestes a entrar por ela. Ele cruza a soleira calmamente, seu olhar gelado e o sorriso falsamente acolhedor imediatamente enviando um arrepio ruim pelo meu corpo. Já presenciei pessoas caírem aos seus pés com esse falso charme de bom homem mais vezes do que posso contar. Nunca posso deixar de me perguntar como elas não percebem a rigidez fria em todo seu corpo. Como o sorriso as vezes se congela simulando uma fotografia viva. Ou pior, como seus olhos são mortos e vazios. Sem calor. Sem brilho. Sem vestígios de sentimentos

     Mas eu sabia melhor.

     "Olá Ashley." Sem me virar, observo cada mínimo movimento seu através do espelho. Nenhum esforço meu é capaz de fazer meu corpo relaxar.

     "Oi pai." O nome é amargo na minha boca. Algo no meu peito me lembra constantemente que talvez ele não mereça esse título. "Correção: Definitivamente não merece", Donna disse uma vez, quando me descontrolei e falei mais do que deveria sobre nossa dinâmica familiar, embora ainda não fosse sequer um terço de tudo.

     Mais uma vez eu tento ler suas expressões e tentar identificar o que vem a seguir, e falho miseravelmente, como sempre.

     Ele se aproxima e segura em meus ombros, encontrando meus olhos através do espelho.

     "Você sabe que o homem que virá esta noite é alguém muito importante, certo ?"

     "Sim." Respondo, ainda em alerta e tentando entender aonde ele quer chegar.

     "Essa noite, preciso convencer esse homem de que é uma boa ideia trabalhar comigo. E acredito que você possa ajudar."

     Brian faz uma pausa deixando o silencio se estender até que eu responda.

     "Como ?"

     "Você poder ser mais... agradável, com ele. Deixe-o a vontade. Entende o que quero dizer ?"

     Não.

     Ele intensifica seu questionamento arqueando as sobrancelhas.

     "Acho... que sim." Mentira. Ou talvez não. Ainda não tenho certeza se quero entender o que pode acontecer, mas talvez eu não tenha opção.

     "Ótimo."

     Como sempre, o pequeno sorriso que se abre em seu rosto não é nada além de calculado para fazer as pessoas acreditarem na sua fachada de bom homem. Eu, no entanto, já estava acostumada demais para cair nisso.

     Através do espelho e vejo-o retirar algo do bolso da calça, uma caixa pequena.

     "Quero que use isso, esta noite."

     Com suas mãos atras do meu corpo, eu não consegui ver o que havia na pequena caixa até que ele pegasse minha mão e colocasse o delicado colar de ouro branco com pingente de diamente nela.

     "Mas eu já tenho um colar."

     "Eu acho", suas mãos voltam para meus ombros com muito mais força do que antes, "que esse lindo colar ficará melhor em você. Concorda ?"

     Uma ameaça disfarçada. Mais uma vez.

     Minha respiração para.

     Um olhar sombrio cruza o seu rosto por um segundo, e é difícil não me encolher.

     Respiro fundo e respondo:

     "Acho que sim." Forço um pequeno sorriso que ele devolve através do espelho. Vivo nesse jogo contínuo a tanto tempo que é quase natural fazer pequenos movimentos para evitar consequências.

     Com sua ajuda, e com um aperto no coração, tiro meu colar de girassol e o troco pelo de diamente.

     "Perfeito." O murmuro de Brian arranca meu olhar do colar para sua forma no espelho. O pequeno sorriso que encontro deveria ser encorajador mas nada mais é do que frio. Eu devolvo com um pequeno sorriso praticado.

     Atuar é o que fazemos de melhor.

Joseph

     Eu amo a minha mãe e pela educação que ela me deu - por medo dela também, diga-se de passagem) tento ser educado e minimamente sociável. Muitas vezes, porém, tenho empecilhos que tornam essa tarefa muito mais difícil. Como agora, por exemplo, nesse jantar tedioso onde Brian Campbell se concentra em me bajular discretamente e me convencer a aceitar sua proposta de sociedade, enquanto sua esposa e sua filha mais velha me observam como um falcão. Giulia ao menos tenta ser discreta mas ainda quase posso ver cifrões de dinheiro reluzindo em seus olhos, ao contrário da filha que não parece ligar se algum de nós já notou, na verdade isso parece deixá-la ainda mais ousada.

    Beatrice é bonita e muito sensual, ela poderia ser uma boa companhia no fim da noite se o meu foco principal não fosse este contrato, que pode ditar o futuro da minha carreira. Tudo pelo que lutei pode valer a pena mais do que nunca, ou ir ladeira à baixo.

     Quando Brian desvia a conversa para a empresa vejo uma possível brecha para adiantar as coisas e sair o quanto antes daqui. No momento oportuno, pergunto:

     "Sr. Campbell, se importa de irmos ao seu escritório para conversarmos melhor?"

     "Apenas Brian, por favor, não estamos na empresa, esse tipo de formalidade é desnecessária." Ele cruza as pernas e se recosta, adotando uma postura relaxada embora ainda demonstre bastante segurança. "O jantar está quase pronto, depois poderemos ir ao meu escritório e conversaremos melhor." O seu sorriso agradável é tão falso que me pergunto como as pessoas podem acreditar nessa fachada. Talvez o fato de já ter vivido em uma teia de mentiras me ajude a enxergar por trás desse teatro.

     A questão aqui é que Brian sabe que preciso dele um pouco mais do que ele precisa de mim, e embora ambos estejamos decididos em busca desse acordo, ele vai segurar isso em volta do meu pescoço o quanto puder. Ele diverte a si mesmo com esse espetáculo.

     Meu celular vibra em meu bolso e peço licença para ir ao banheiro. É minha irmã, Amélia, na ligação ela informa estar vindo para Los Angeles em algumas semanas e pede indicação de alguma imobiliária. A oferta de ficar na minha casa até encontrar um bom lugar  é prontamente recusada por ela, sob o pretexto de que irá ficar muito tempo aqui e quer ter seu próprio espaço. Suas palavras são diretas e um pouco frias, como se estivesse conversando com um estranho. Ela tem sido assim nos últimos anos e, mesmo tentando não demostrar, me dói ver minha irmãzinha assim. Ela sempre foi tão meiga e doce e, mas muita coisa mudou há alguns anos atrás, graças aquele verme que neste momento espero estar queimando no inferno.

     Após nos despedirmos, envio para Amélia o nome e contato telefônico da imobiliária de uma conhecida por mensagem. Respirando fundo, reúno coragem e toda paciência que não tenho para sair de banheiro. Infelizmente o banheiro ficava no centro da casa e não havia como fugir pela janela. 

     No meu primeiro passo para o corredor um pequeno corpo se choca contra o meu com força e quase iria ao chão sem o meu reflexo de segurá-la pelos braços. 

     A garota loira de nariz arrebitado é vagamente familiar. Ela não parece ter mais de dezoito ou dezenove anos, talvez vinte. Seus olhos verdes salpicados de mel ao redor da íris são hipnotizantes e apostos que seriam ainda mais sob a iluminação do sol. 

     "Ei, você deveria olhar por onde anda." Digo.

     O vinco entre suas sobrancelhas não faz nada para afetar sua aparência, talvez até a deixe mais adorável.

     "Desculpe, estava com pressa." É só quando ela se afasta que me dou conta de tê-la segurado mais do que deveria.

     A garota vestia um vestido que poderia até ser inocente, se não fosse por aquele decote que evidenciava a curva de seus seios. Ele não era muito alta, mesmo de salto que não chegava ao meu queixo. Meus olhos voltam para cima rapidamente e o rubor suave nas suas bochechas me diz que a minha análise não foi tão discreta quanto imaginei.

     "Eu..."

     "Aí estão vocês." Ela não tem tempo de terminar sua fala quando a voz de Brian soa atrás dela no corredor. "Vejo que já conheceu minha filha caçula, Joseph."

     Ele se aproxima e passa o braço ao redor de Ashley, segurando seu ombro oposto. Seria uma pose natural de um pai orgulhoso, exceto pela ligeira tensão que sutilmente tomou o corpo da garota.

     "Na verdade não tivemos a chance ser devidamente apresentados." Sua voz adquiriu um pouco mais de firmeza e formalidade.

     "Nesse caso, querida, esse é o amigo do trabalho que mencionei, Joseph Crawford" Amigo ?! Ele realmente quer jogar assim? "Joseph, essa é minha segunda filha, Ashley."

     "Prazer em conhece-lo, Sr. Campbell."

     Respondo educadamente enquanto aperto sua mão fina e delicada que aquece minha pele de maneira nem um pouco natural.

     "Vim avisa-los que o jantar está sendo servido. Venham, não vamos deixar a comida deliciosa esfriar."

Ashley

     Sentada nesta mesa de jantar, agora, tudo o que eu gostaria é de poder apenas me aconchegar na minha cama e assistir algum programa, como normalmente passo minhas noites para evitar de ficar perto da minha família.

     Os meus pais conversam com o homem em que eu esbarrei mais cedo, quem descobri se chamar Joseph Crawford, enquanto meus irmãos mais novos comem ou mechem em seus celulares e minha irmã mais velha, Beatrice, não se dá ao trabalho de tentar ser discreta ao observa o Sr. Crawford.

     Os momentos que meus pais surepreendentemente tentaram me inserir na conversa ao invés de me ignorar como normalmente fazem foram os mais desconfortáveis. Eles estavam não tão discretamente tentanto incentivar uma troca entre o Sr. Crawford e eu. É claro que minha única alternativa era dançar conforme a música deles. Felizmente o assunto se desviou para a empresa e consegui alguma pausa.

     Em alguns momentos do jantar peguei o Sr. Crawford me olhando discretamente, o que me deixava envergonhada, e tê-lo sentado a minha frente na mesa não ajudou muito. Ele é realmente muito bonito, como Beatrice supôs, e parece consideravelmente jovem em comparação aos outros colegas de trabalho de Brian. Ele também é um dos poucos daqueles homens que não deixa meus cabelos em pé com sensações ruins.

     Não poso negar que observei Joseph um pouco durante o jantar, talvez seja impressão minhas mas as vezes ele parecia querer revirar os olhos para as coisas que meus pais diziam. Em determinado momento me vi reparando atentamente em seus traços. No seu cabelo castanho escuro penteado para trás, um pouco bagunçado, mas muito bonito. Na forma como suas bochechas adquiriram um pouco de cor, de maneira quase imperceptível, devido ao vinho. E, não me orgulho de dizer, mas também não deixei de notar como a camisa escura se agarrava e esticava ao redor dos seus bíceps definidos.

     No fim do jantar, de repente nossos olhares se encontram e se fixam por algum tempo a mais do que seria aceitável. Felizmente todos estão se preparando para a sobremesa e ninguém se dá conta, eu espero pelo menos. Joseph dá um pequeno sorriso, quase inexistente, que logo morre quando sua atenção descem em direção aos meus lábios. Com o lábio inferior preso entre os dentes, e o rosto aquecido pela vergonha, noto seus olhos ficarem mais escuros. Ou talvez seja coisa da minha cabeça. Rapidamente desvio minha atenção para minhas mãos que descansam sobre minhas coxas. Eu não sou totalmente inocente em relação aos homens, principalmente tendo uma amiga tão sem filtro como a Isabella, mas flertar não está na minha lista de especialidades, pensando bem, acho que nunca fiz algo assim.

     Após a sobremesa papai leva o Sr. Crawford até o escritório, Éric e Annabelle vão encontrar seus amigos e ficamos somente eu, mamãe e Beatrice para trás. Giulia entorta um pouco a boca enquanto olha para meu vestido e sua expressão piora quando coloca os olhos no colar em meu pescoço. Ela não comenta, apesar dos seus olhos dizerem tudo que ela pensa. Pra começa ela não gostou da roupa, o que não é novidade, ela nunca gosta de qualquer coisa que eu use. E gostou menos ainda do papai ter me dado um colar. 

     Talvez já prevendo o que pode acontecer, Beatrice me chama para seu quarto e me puxa pelas escadas sem que a mamãe tenha chance de falar algo.

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