Capítulo 2

Ashley

     Após o final das outras aulas caminhei até o ateliê em que trabalho há quase dois anos como uma das assistentes da senhora Jones, e essa é a melhor parte do meu dia. Descobri cedo minha paixão pela expressão da arte através da criação de peças, e desde então sonho em trabalhar como estilista um dia.

     O ateliê está visivelmente movimentado quando entro nele. No fim do mês haverá uma grande festa de estreia de alguma série que já está dando o que falar em Hollywood, e a Sra. Castello trabalha com alguns dos artistas que estarão presentes no evento, por isso essa correria será o estado normal do ateliê até o próximo mês.

     "Boa sorte com o dragão." Meu colega de trabalho, Renan, se aproxima com uma pilha gigante de rolos de tecidos nos braços. Seu resmungo, irreconhecível para mim, saiu em português mas ainda soou como um palavrão. Com o cenho franzido eu o ajudo pegando alguns dos rolos. "O que?" Meu amigo não responde e continua andando enquanto sigo atrás dele.

     "Tive o azar de cutucar a onça com vara curta."

     "O que você fez?"

     "Eu diria se soubesse. Aquela mulher é louca de pedra, não sei como você consegue passar horas seguidas com ela sem cometer uma asassinato." Renan solta um bufo. “Eu passo fico naquela sala por menos de dez minutos e quero enfiar os alfinetes nos meus olhos.”

     Eu não sou boa em fazer amigos e Renan foi uma das poucas pessoas que se aproximaram de mim e conseguiram ir além da fachada sociável. Graças a minha família que está quase sempre sob os holofotes, saber atuar e socializar é uma obrigação para mim, isso só não quer dizer que eu seja boa nisso além da coisa toda de fingimento. Como uma tempestade alegre, Renan me deixou confortável o suficiente para que eu fosse sincera. Seja eu mesma.

    Minha família não sabe sobre meu trabalho. Minha mãe não se importa, particularmente, já o meu pai exige que meus irmãos e eu devemos nos dedicar inteiramente aos estudos. Estou surpresa que ele ainda não tenha descoberto, minha chefe e toda a equipe são discretos mas o nome Campbell não é exatamente desconhecido pela cidade. Talvez seja porque não são tão pública quanto meus irmãos. Por enquanto, Brian tem acreditado nas minhas muitas aulas particulares, atividades extracurriculares e grupos de estudos, quase todos falsos.

     Renan e eu assistimos enquanto uma garota sai chorando do espaço da senhora Castello e essa é a desnecessária confirmação do que Renan disse.

     Suspiro.

     Lá vou eu, enfrentar o dragão de saia.

Joseph

    Dirijo pelas ruas de Nova Iorque admirando a cidade em que morei nos últimos sete anos, sua a agitação é tão irritante quanto instigante. A melhor parte é que dificilmente alguém se mete demais na vida dos outros, bem diferente da cidade pequena em que cresci. Aqui, a menos que seja uma grande estrela ou algo assim, você não passa de uma pequena e insignificante formiga dentro de um enorme formigueiro.

    Paro em atrás de um carro, quando o semáforo fica vermelho. Batuco os dedos no volante, impaciente com trânsito desta cidade.

    Hoje é um dia diferente. Senti isso desde que acordei e até o momento tudo indica que não será de um jeito bom, considerando onde e com quem irei jantar hoje à noite. Suspiro, já sentindo minha paciência no limite.

    Há anos trabalho sou advogado em uma empresa de advocacia, meu avô era um dos principais sócios da empresa e quando ele morreu, como seu único descendente, herdei sua parte na diretoria. Hoje tenho um compromisso importante com um dos outros sócios, um dos que me dá mais arrepios.

    De repente escuto uma voz doce de criança. "Papai, vamos logo!"

    Olho para a calçada e vejo um homem com duas crianças, uma menina e um menino, em frente à uma escola. "Calma princesinha, nós já estamos indo." O homem pega em uma mão de cada criança e os leva pela entrada do edifício.

    Aquele sentimento ruim surge inevitavelmente. Inveja. Poderia ser eu ali, levando meu filho à escola. Infelizmente aprendi da pior forma que avida não é justa e nem sempre as reviravoltas são para melhor.

    Saio dos meus devaneios com a buzina de algum carro atrás de mim. Percebo que o semáforo está verde e volto a dirigir para a empresa.

🌻 🌻 🌻

    Já acomodado no meu escritório, escuto batidas baixas na porta e permito a entrada da minha secretária. "Senhor Crawford, vim passar seus compromissos do dia."

    "Claro, sente-se e comece."

    A Byeol fala todos meus compromissos para o dia com sua voz delicada e formal. Em vários anos ela foi a primeira secretária que trabalhou comigo e não tentou ir para minha cama. E conseguiu acompanhar o ritmo agitado da minha rotina. Depois de terminar o que fazia, a garota se retira com um pedido de licença e retorna para sua mesa.

    Ser diretor de operações de uma empresa de advocacia não era meu sonho de profissão quando criança, nem de longe, mas a prendi a gostar do meu trabalho, as condições são boas e o salário é melhor ainda. Eu comecei de baixo aqui na H&M, apesar de ter um avô no topo, com o tempo, e algumas promoções, cheguei onde estou agora. COO – Diretor de Operações – de uma empresa multimilionária renomada. Possivelmente o auge da minha vida profissional. Ou não. Com a aposentadoria do senhor Hempton, a posição de CEO na empresa ficará vaga e ele deixou claro mais de uma vez que me indicará como um candidato ao posto para o conselho. Esse sim, pode ser o auge da minha carreira.

    No entanto, não é apenas ele quem decidirá. Haverá uma votação no concelho e todos os membros decidirão o novo CEO. Essa votação em questão está acirrada. Estamos concorrendo ao cargo eu e outro membro do concelho, Daniel O’Connor. A maioria dos membros do concelho são senhores mais velhos, muitos deles amigos próximos de Brian, Daniel e do senhor Hempton. Por isso, apesar do apoio do senhor H. ser favorável para mim, ele não é decisivo. Na verdade, até alguns dias atrás eu tinha certeza de que não tinha chance contra O’Connor e seu rebanho de bodes velhos. Mas então o Campbell propôs que poderíamos chegar a um acordo de benefício mútuo, esta noite após um jantar com sua família.

    Ainda não consegui descobrir a necessidade da presença de todo o clã, já que ninguém além do Brian está envolvido com a empresa. De uma coisa eu tenho certeza: Brian Campbell não dá ponto sem nó. Passei os últimos dias tentando imaginar o que ele poderia propor e oque ele poderia quere de mim. Porque é disso que se trata. Brian e a família Campbell podem vender facilmente a foto de família perfeita para os outros, mas eu sempre tive uma sensação sobre eles. Agora eles querem algo e acham que podem conseguir através de mim.

    O restante do dia foi estressante e cansativo, tive várias reuniões, muitas delas repletas de velhos insuportáveis e ambiciosos que já deveriam estar aposentados em algum asilo.

    Ao final do dia no meu escritório, levanto da cadeira e me aproximo da enorme parede de vidro. O pôr do sol adere ao céu, normalmente azul, uma tonalidade alaranjada com toques de coral. Muitos prédios já começam a ser iluminados. A cidade que nunca dorme, afinal.

    Escuto a porta se abrir e permaneço com meus olhos fixos na paisagem, já sabendo de quem se trata. Desisti de avisar para aquele ser humano a bater na porta antes de entrar.

    "Vim te desejar boa sorte e ser o seu consolo antes de entrar no ninho das cobras mas acho que você está em ótima companhia." Pelo reflexo da janela, vejo-o lançar um olhar para um copo e a garrafa de whisky sobre minha mesa.

    "A única forma de conseguir me consolar seira dizer que você iria comigo." Oliver abre a boca para responder. "E realmente ir." E fecha novamente.

    "Sou um bom amigo mas nem tanto."

    Reviro os olhos e me jogo na minha cadeira com um suspiro. "Muita coisa está em jogo aqui."

    Com uma expressão relaxada, Oliver senta em uma cadeira do outro lado da minha mesa.

    "Como você consegue ficar de bom humor mesmo depois de todas aquelas reuniões?"

    Oliver dá de ombros. "Não vale à pena ficar me estressando, pode afetar meu trabalho e dar rugas." Reviro os olhos. "Você está pronto para enfrentar a cova do dragão?" Sua cara forma uma careta.

    "Não... Mas não há para onde correr, preciso ir."

     "Boa sorte."

     "Em outras situações eu dispensaria essas palavras, mas desta vez vou precisar delas."

     "Aquela família não cheira boa coisa." Assinto em concordância. "Em algum momento a fachada vai cair e eu pretendo assistir de camarote." Dá um sorrisinho idiota.

    A família Campbell, uma das famílias mais ricas e poderosas de Nova York, tem uma ótima fama de família perfeita, mas ainda me cheira mal. Brian e Giulia Campbell sempre foram bastante simpáticos e cordiais comigo e qualquer pessoa que os vi conversar, mas sempre tive a sensação de assistir um teatro em primeira mão. Oliver também os conheceu e tem a mesma impressão.

    Arrumo minhas coisas e vamos para o elevador em meio a conversas, principalmente por parte do Oliver. Aperto o botão da garagem, no subsolo.

    "Fiquei sabendo que o Nicholas está vindo para Los Angeles, poderíamos sair juntos."

    Meu irmão, Nicholas, e Oliver são farinha do mesmo saco – como minha mãe diz. Esses dois quando se juntam são terríveis, não passam sequer uma hora sem me tirar a paciência. Uma noitada com eles, as vezes chega a ser sinônimo de crise de enxaqueca.

    "Tanto faz, sei que se eu não aceitar vocês dois irão encher minha paciência até que mude de ideia."

    "Não faríamos isso se você não agisse como um velho ranzinza, que vive reclamando de tudo e se afogando no trabalho."

    "Eu não reclamo de tudo e não sou velho."

    Ele ergue as sobrancelhas. "Me diga antão, meu jovem, qual foi a última vez que você realmente se divertiu ?"

     Abri a boca para responder, mas ele me interrompeu antes que o fizesse.

     "Sexo e se embebedar sozinho não conta."

     Permaneço em silêncio buscando em minhas memórias.

     "Viu só, você nem se lembra." Não respondo, apenas reviro os olhos e sua mão aperta meu ombro. "Joseph, você é meu amigo, a figura mais próxima de um irmão que eu tenho, é por isso que te digo: não passe o resto de sua vida definhando enquanto se afunda no trabalho. A vida é muito curta para perder tempo assim, por isso que deve aproveitá-la."

     "Eu não..."

     "Você é cabeça dura demais para assumir que estou dizendo a verdade, mas lá no fundo, sabe que é."

     O elevador apita e dou por finalizada essa conversa fiada.

Continue lendo no Buenovela
Digitalize o código para baixar o App

Capítulos relacionados

Último capítulo

Digitalize o código para ler no App