Capítulo 2

Ashley

     Após o final das outras aulas caminhei até o ateliê em que trabalho há quase dois anos como assistente da senhora Jones, e essa é a melhor parte do meu dia. Descobri cedo minha paixão pela expressão da arte através da criação de peças, e desde então sonho em trabalhar como estilista um dia. Espero me tornar tão boa como a minha chefe. Ela é um pouco fria, mas não é uma pessoa ruim e já me deu bons conselhos que irei levar por toda a vida.

     O ateliê está visivelmente movimentado quando entro nele. No fim do mês haverá uma grande festa de estreia de alguma série que já está dando o que falar no mundo todo, e a Sra. Castello trabalha com alguns dos artistas que estarão presentes no evento, por isso essa correria será o estado normal do ateliê até o próximo mês.

     "Boa sorte com o dragão." Meu colega de trabalho, Renan, se aproxima com uma pilha gigante de rolos de tecidos nos braços. Seu resmungo, irreconhecível para mim, saiu em português mas ainda soou como um palavrão. Com o cenho franzido eu o ajudo pegando alguns dos rolos. "O que?" Meu amigo não responde e continua andando enquanto sigo atrás dele.

     "Tive o azar de cutucar a onça com vara curta."

     "O que você fez ?"

     "Eu diria se soubesse. Aquela mulher é louca de pedra, não sei como você consegue passar horas seguidas com ela sem cometer uma assassinato." Renan solta um bufo. Eu passo fico naquela sala por menos de dez minutos e quero enfiar os alfinetes nos meus olhos.

     Eu não sou boa em fazer amigos e Renan foi uma das poucas pessoas que se aproximaram de mim e conseguiram ir além da fachada sociável. Graças a minha família que está quase sempre sob os holofotes, saber atuar e socializar é uma obrigação para mim, isso só não quer dizer que eu seja boa nisso além da coisa toda de fingimento. Como uma tempestade alegre, Renan me deixou confortável o suficiente para que eu fosse sincera. Seja eu mesma.

     Nós dois assistimos enquanto uma garota sai chorando do espaço da senhora Castello e essa é a desnecessária confirmação do que Renan disse.

     Suspiro.

     Lá vou eu, enfrentar o dragão de saia.

*Joseph*

     Hoje é um dia diferente. Senti isso desde que acordei e até o momento tudo indica que não será de um jeito bom, considerando onde e com quem irei jantar hoje à noite. Dirijo pelas ruas de Nova Iorque admirando a cidade em que morei nos últimos sete anos. Me mudar para esta cidade foi uma das melhores decisões que já tomei, apesar de ter sido impulsionado a tomar essa decisão, por um acontecimento devastador. Sinto muita falta da minha família, e as vezes me pego pensando se seria um ideia tão ruim voltar para minha cidade natal. Esses lapsos não duram muito tempo. A melhor parte de morar em uma cidade grande é que ninguém se mete demais na vida dos outros (bem diferente da cidade pequena em que cresci), aqui, a menos que seja uma grande estrela ou algo assim, você não passa de uma pequena e insignificante formiga dentro de um enorme formigueiro.

     Paro em atrás de um carro, quando o semáforo fica vermelho. Batuco os dedos no volante, impaciente com trânsito desta cidade. De repente escuto uma voz doce de criança.

     "Papai, vamos logo!"

     Olho para a calçada e vejo um homem com duas crianças, uma menina e um menino, em frente à uma escola.

     "Calma princesinha, nós já estamos indo."

     O homem pega em uma mão de cada criança e os leva em direção à entrada do edifício.

     Aquele sentimento ruim surge inevitávelmente. Inveja. Poderia ser eu ali, levando meu filho à escola. Infelizmente aprendi muito cedo que avida não é justa, quando você menos espera ela passa por uma reviravolta e nem sempre é para melhorar. Se me perguntarem se sou parecido com quem eu era há dez anos atrás, diria que nem chego perto. Aquele rapaz sonhador e cheio de vida está morto há muito tempo, só o que resta agora é um homem frio e infeliz, mesmo que seja difícil assumir isso. Muitas pessoas já disseram querer ter a vida que tenho, para eles ela é perfeita, e para todos eu dei a mesma resposta :

     A vida perfeita não é aquela vivida através da ostentação ou do dinheiro, mas é aquela vivida repleta de amor, sabedoria e bondade, ao lado de pessoas que te fazem bem. Dinheiro e poder não compram amor ou felicidade. Como um sábio dissera uma vez " Somente quando for cortada a última árvore, pescado o último peixe, poluído o último rio, que as pessoas vão perceber que não podem comer dinheiro."

     Saio dos meus devaneios com a buzina de algum carro atrás de mim. Percebo que o semáforo está verde e volto a dirigir para a empresa.

     Já acomodado no meu escritório, escuto batidas baixas na porta e permito a entrada de quem imagino ser a minha secretária, visto que não fui informado sobre a chegada de alguém. A jovem mulher entra e fecha porta atrás de si.

     "Senhor Crawford, vim passar seus compromissos do dia."

     "Claro, sente-se e comece."

     A Byeol fala todos meus compromissos para o dia com sua voz delicada e formal. Em vários anos ela foi a primeira secretária que trabalhou comigo e não tentou ir para minha camae conseguiu acompanhar oritmo agitado da minha rotina. Depois de terminar o que fazia, a garota se retira com um pedido de licença e retorna para sua mesa.

     Ser diretor de operações de uma empresa de advocacia não era meu sonho de profissão quando criança, nem de longe, mas a prendi a gostar do meu trabalho, as condições são boas e o salário é melhor ainda. Eu comecei de baixo aqui na H&M e com o tempo, e muitas promoções, cheguei onde estou agora. COO (Diretor de Operações) de uma empresa multimilionária renomada. Possivelmente o auge da minha vida profissional. Ou não. Com a aposentadoria do senhor Hemptom, a posição de CEO na empresa ficará vaga e ele deixou claro mais de uma vez que me indicará como um candidato ao posto para o conselho. Esse sim, pode ser o auge da minha carreira.

     O restante do dia foi estressante e cansativo, tive várias reuniões, muitas delas repletas de velhos insuportáveis e ambiciosos que já deveriam estar aposentados em algum asilo. Infelizmente tendo minha posição muitas vezes sou obrigado a lidar com pessoas repugnantes, egoístas e fúteis, essa é uma das poucas partes que mais odeio em meu trabalho.

     Levanto da cadeira e me aproximo da enorme parede de vidro. O por do sol adere ao céu, normalmente azul, uma tonalidade alaranjada com toques de coral. Muitos prédios já começam a ser iluminados. A cidade que nunca dorme.

     Escuto a porta se abrir e permaneço com meus olhos fixos na paisagem, já sabendo de quem se trata. Desisti de avisar para aquele ser humano a bater na porta antes de entrar.

     "Vim te desejar boa sorte e ser o seu consolo antes de entrar no ninho das cobras mas acho que voce está em ótima companhia."

     Pelo reflexo da janela, vejo-o lançar um olhar para um copo e a garrafa de whisky sobre minha mesa.

     "A única forma de conseguir me consolar seira dizer que voce iria comigo." Oliver abre a boca para responder. "E realmente ir. "E fecha novamente.

     "Sou um bom amigo mas nem tanto."

     Reviro o solhos e me jogo na minha cadeira com um suspiro.

     "Muita coisa está em jogo aqui."

     Com uma expressão relaxada, Oliver senta em uma cadeira do outro lado da minha mesa.

     "Como você consegue ficar de bom humor mesmo depois de todas aquelas reuniões ?"

     Oliver dá de ombros.

     "Não vale a pena ficar me estressando, pode afetar meu trabalho e dar espinhas." reviro os olhos. "Você está pronto para enfrentar a cova do dragão ?" Sua cara forma uma careta.

     "Não... Mas não há para onde correr, preciso ir."

     Hoje a noite terei um jantar na casa da família Campbell, uma das famílias mais ricas e poderosas de Nova York. Eles tem uma ótima fama de família perfeita, mas ainda me cheira mal. Como se tentassem cobrir cheiro de suor com perfume. Brian e Giulia Campbell sempre foram bastante simpáticos e cordiais comigo e qualquer pessoa que os vi conversar, mas algo me diz que isto não passa de uma máscara. Oliver também os conheceu e tem a mesma impressão.

     "Boa sorte."

     "Em outras situações eu dispensaria essas palavras, mas desta vez vou precisar delas."

     "Aquela família não cheira boa coisa." Assinto em concordância. "Em algum momento a fachada vai cair e eu pretendo assistir de camarote." Dá um sorrisinho idiota.

     Arrumo minhas coisas e vamos para o elevador em meio a conversas, principalmente por parte do Oliver que é um tagarela. Ele e a mamãe quando se juntam para fofocar, não têm piedade de ninguém. Aperto o botão da garagem, no subsolo.

     "Fiquei sabendo que o Nicholas está vindo para Los Angeles, poderíamos sair juntos."

     Meu irmão, Nicholas, tem a personalidade e o senso de humor extrovertidos, assim como o Oliver, acho que é por isso que se dão tão bem. Esses dois quando se juntam são terríveis, não passam sequer uma hora sem me tirar a paciência. O Nicholas e eu somos tão diferentes que ele mais parece ser irmão do Oliver, do que meu. Contudo nós nos entendemos bem, apesar das diferenças.

     "Tanto faz, sei que se eu não aceitar vocês dois irão encher minha paciência até que mude de ideia."

     "Não faríamos isso se você não agisse como um velho ranzinza, que vive reclamando de tudo e se afogando no trabalho."

     "Eu não reclamo de tudo e não sou velho."

     Ele ergue as sobrancelhas.

     "Me diga, qual foi a última vez que você realmente se divertiu ?"

     Abri a boca para responder, mas ele me interrompeu antes que o fizesse.

     "Sexo e se embebedar sozinho não conta."

     Permaneço em silêncio buscando em minhas memórias.

     "Viu só, você nem se lembra." Não respondo, apenas reviro os olhos e sua mão aperta meu ombro. "Joseph, você é meu amigo, a figura mais próxima de um irmão que eu tenho, é por isso que te digo: não passe o resto de sua vida definhando enquanto se afunda no trabalho. A vida é muito curta para perder tempo assim, por isso que deve aproveitá-la."

     "Eu não..."

     "Você é cabeça dura demais para assumir que estou dizendo a verdade, mas lá no fundo, sabe que é."

     O elevador apita e dou por finalizada essa conversa fiada.

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