PRÓLOGO

WESTWOOD_ LOS ANGELES, 2015

TENTH

AVÊNUE NORTH,

17:35 pm_

   Se eu soubesse que as coisas acabariam assim, eu provavelmente teria tomado mais cuidado.

Mas era tarde demais.

Você tem os seus sentidos, mas você não os usa da maneira adequada quando as coisas se tratam de sobreviver.

Esse era o pequeno detalhe sobre a vida: você não sabia exatamente o que tinha, ou valorizava, até que você perdia. Tudo que eu registrei e compilei no exato momento em que caí no banco macio de couro do velho Fiat, era apenas uma prévia do que eu  havia sentido que aconteceria. Um dejavú estranho que você jura não se passar apenas de uma falha neurológica. Cenas antigas mas já registradas de um velho filme que você aposentou na prateleira empoeirada da estante mas que vem à tona quando você ouve uma música. O mau agouro de semanas e mais semanas acumulado nas paredes de suas pálpebras, saturados em todas as vezes que você fecha os olhos para ignorar o silêncio permutativo que se agrega em seu interior, corroendo seus ossos até o último suspiro.

Tudo estava bem ali, vindo à tona de uma só vez diante de meus olhos, por trás deles, inundando todos os meus sentidos e invertendo todos os meus eixos corretos, numa única enxurrada dinâmica direta de reconhecimento.

Porque eu conhecia aquele rosto.

Eu não sabia como, e nem entendia bem o porquê, mas mesmo distraída com o copo de cappuccino quente numa mão,e a pilha de papeis de pesquisa para a faculdade em outra, quando meus olhos ocasionalmente pararam naquele par de olhos violeta me encarando do outro lado do estacionamento, eu soube que aquele não era apenas mais um garoto bonito com rosto de top model perdido entre os americanos apressados que corriam de um lado para o outro na Tenth Avênue North.

E mais o menos desse momento em diante, tudo aconteceu rápido demais, um flash extenuante e embaralhado difícil de ser digerido, posto em palavras ou mesmo em memórias. O copo de cappuccino caiu em algum lugar dentro do interior simples do carro, manchando de marrom os papeis que se empilharam ao redor dele, dançando pelo assoalho atapetado de canetas coloridas perdidas enquanto meus braços e pernas se concentravam em dar ré no velho Fiat e sumir de vista o quanto antes, dando lugar a parte primitiva de meu cérebro que rapidamente assumiu o controle, concentrando cada fibra de meu ser em viver.

Mas então, as velhas e sábias palavras de vovó Hilda nunca pareceram tão claras em minha mente, borbulhando palpavelmente como se ela estivesse berrando comigo do banco do carona, e não se revirando no túmulo há mais de sete anos: "Se você ficar, ele te pega, se você correr, ele te alcança".

Eu havia sido imprudente.

Eu havia assinado minha própria sentença. E era isso que ela me diria agora se já não tivesse partido desta para melhor. Ou pior, dependendo do ponto de vista de quem conhecia o que havia do outro lado do rio da morte para meros mortais.

E em algum momento já esperado por meu subconsciente, o carro derrapou da via, capotando, e fui içada contra o senso da gravidade, conhecendo o outro lado dinâmico da física que o os cientistas deste mundo ainda não foram capazes de descobrir. E eles também ainda não conheceram essa dor, de sentir o mundo todo explodindo dentro dos ouvidos enquanto tudo que você conhece se esfarela ao seu redor, retumbando de volta a seu coração em alos de desespero que lhe alertam sobre a veracidade inevitável e incontestável do que se sucederá a seguir. O gosto do cappuccino se impregnou em minha língua, misturado ao gosto acre de sangue, sal e umidade enquanto eu era jogada para fora do carro, o terror se fundindo com a explosão interna de adrenalina rebobinando meu cérebro enquanto minha única verdade me acometia.

Estou morrendo.

Foi o único pensamento coerente que me ocorreu quando meu corpo frágil foi brutalmente arremessado contra algo rígido, minha mente se dissolvendo nela mesma, rolando para o infinito e sendo sugada para o nada além deste mundo.

Foi o único pensamento coerente que me ocorreu quando meu corpo frágil foi brutalmente arremessado contra algo rígido, minha mente se dissolvendo nela mesma, rolando para o infinito e sendo

sugada para o nada além deste mundo.

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