02

Valéria parou em frente ao quarto dos gêmeos, suspirando. Leon estava no banho, então ela aproveitaria aquele momento para conversar com Rudá. Bateu na porta, ouvindo a liberação para entrar.

“Hey... Podemos conversar?” Perguntou com um sorriso, recebendo um aceno afirmativo. “O que está fazendo?”

“Escrevendo.” Ele respondeu com os olhos cravados na tela do computador. “O que foi, mamãe?”

“Bom, eu vim pegar seu celular e iPod. Como castigo pelo que aconteceu hoje, eu e seu pai decidimos que vocês vão passar duas semanas sem internet.” Explicou a mulher, vendo o filho passar os itens para ela, feliz.

“Você quer o computador também?”

“Não, querido. O Leon vai continuar com a natação, a Susi com a ginástica e você pode continuar escrevendo, só não vai poder postar por enquanto.” Ela explicou, vendo-o assentir de forma distraída. “Rudá, eu queria conversar sobre o que você disse hoje, mais cedo...”

“Pode falar.” Ele tirou os olhos do computador, encarando a mãe.

Valéria tentou falar várias vezes, mas tudo ficava entalado na garganta. Ela apenas estendeu a mão e acariciou o rosto do filho, sorrindo emocionada.

“Você é especial, meu amor, tão especial... Você é capaz de tudo, assim como o Leon, a Susi e o Kaio.”

“Não sou, mamãe, e sei disso.” O menino deu de ombros, tentando não se emocionar. “Eu sei que eu sou diferente.”

“Mas você não pode desistir por causa disso, Rudá. Não é por você ter uma diferença, uma dificuldade, que você não pode fazer as coisas! Se você quiser ser ginasta, nadador ou dançarino, você pode! Se você quiser ser um professor, você pode! Se você quiser ser músico, você pode! Se é o que você quer, você vai conseguir. E não importa que o mundo todo te diga que não, eu vou estar aqui e vou gritar, mais alto do que todos, que você pode!” Valéria garantiu, algumas lágrimas escorrendo.

“Não chora, mamãe, por favor.” Rudá ficou com os olhos marejados também.

“Vem aqui, meu anjo.” A mãe o deitou em seu colo, acariciando seu cabelo. “Você é um anjo de luz, você é luz!

Sabe o que o seu nome significa, filho?”

“Sol.”

“Sim, sol. O astro rei, aquele que fornece luz. Rudá, você pode iluminar a vida de tantas pessoas, meu amor, tantas... Você tem um dom lindo para escrever, um dom que veio de Deus, eu tenho certeza. Você tem o coração bom, puro, repleto de amor. Você tem garra, determinação, vontade... Quando a médica te diagnosticou com paralisia cerebral, aos dois anos, ela nos disse que você nunca iria andar ou falar. Eu e seu pai não desistimos, e você também não. Você tem se dedicado na fisioterapia desde então, e hoje já consegue andar com o apoio apenas de uma bengala.

Você se esforça na escola, e conseguiu acompanhar seus irmãos e amigos. Você dá tudo de si na fonoaudióloga, e sua pronuncia é quase perfeita.”

“Eu sei de tudo isso, mãe... Mas eu queria poder ser normal, como os meus amigos, os meus irmãos. Queria correr, pular, ser livre.” Ele disse, sofrido.

“Você sabe que se eu pudesse, Rudá, eu faria isso acontecer.” Valéria estava chorando, como sempre acontecia em momentos como aquele. “Se eu tivesse podido segurar vocês três na minha barriga por mais algumas semanas, eu faria, nem que para isso eu desse a minha vida.”

“Não fala isso, por favor.” Pediu o menino, chateado.

Após os três nascerem respirando bem, com os pulmões bem formados para o tempo de gestação e sem complicações, todos respiraram aliviados. Porém, com menos de uma semana de vida, Rudá começou a apresentar insuficiência respiratória e teve uma parada, poucas horas depois.

Como resultado da anóxia (falta de oxigênio), o garoto sofreu uma paralisia cerebral que ficou entre leve e moderada, que afetou principalmente a fala e a coordenação motora. A princípio acreditaram que ele tinha dificuldade no desenvolvimento cognitivo, mas conforme foram vencendo as barreiras da comunicação, perceberam que essa parte pouco havia sido afetada.

Porém, Rudá era um garoto de 15 anos preso em um corpo que não atendia a todos os seus desejos e necessidades. Não podia correr, não podia pular, não podia sair por aí sozinho. Tinha que ter sempre alguém por perto, para auxiliá-lo se necessário, e isso acabava com sua liberdade.

Quando ele, os irmãos e os amigos iam aprontar suas pegadinhas, ele se sentia um peso morto. Não podia fazer muita coisa para ajudar, só ficava presente e ria com eles, dava algumas sugestões... No máximo, como naquele dia, podia servir como um peso, de verdade.

Sabia que Susi e Leon se sentiam péssimos com sua condição, e isso o entristecia. Especialmente o gêmeo, com quem tinha dividido absolutamente tudo durante o tempo em que ficaram na barriga da mãe, se chateava em vê-lo assim. Às vezes achava que os dois se culpavam por ter a saúde perfeita e ele não, e isso era doloroso.

Odiava sentir a pena das pessoas, preferia que elas o olhassem com desprezo ou estranhamento. Não queria se sentir um pobre coitado, porque não era um.

Encontrou nas palavras um alento, um caminho de luz. Susi começou a fazer ginástica aos seis anos, e Leon foi para a natação na mesma época. Valéria e Dom até tentaram colocá-lo para nadar também, em uma turma especial, mas aquilo não era para ele. Ele gostava das palavras, assim como sua mãe. Amava ler todas as matérias e colunas que ela escrevia, e assim que conseguiu uma brecha em um computador, fez o mesmo. Vendo que ele levava jeito, os pais o incentivaram e até compraram um teclado adaptado, que facilitava a digitação para o rapaz.

Mas, algumas vezes, nem isso lhe parecia o bastante.

A porta foi aberta devagar, e Leon e Susi entraram por ela, os dois com os olhos úmidos. Sentaram no chão, aos pés da mãe, e abraçaram o irmão gêmeo.

“Você é incrível, Rudá, de verdade.” Elogiou Susi, lhe dando um beijo no rosto.

“Você ainda vai conquistar o mundo, mano... Só não conseguiu descobrir como ainda.” Prometeu o gêmeo, segurando a mão dele. “Mas nós todos vamos estar do seu lado para te ajudar a descobrir!”

~*~

Elis encarava o teto, entediada. Como castigo, os pais tinham tirado seu celular, televisão e computador. Ela até gostava de ler, mas estava estressada demais para isso.

“É, Eevee... Eu me dei mal.” Suspirou, encarando a cachorrinha já idosa que dormia ao seu lado desde que havia nascido. O animal apenas levantou os olhos para sua dona, logo os fechando e voltando a dormir. “Mas é muito molenga.”

“Sem xingar a sua irmã.” Repreendeu Megan Felicia, entrando no quarto com uma sacola.

“É engraçado vocês falarem isso até hoje, considerando que agora eu trato ela praticamente como minha filha.”

“Coisa de costume, filha... Vocês duas sempre pareceram irmãs; de raças diferentes, mas ainda assim, irmãs.

Você inclusive tentou levar ela na escola, um dia, quando a professora do maternal fez um dia dos irmãos. E quando nós não deixamos, você escondeu ela na sua mochila.” Relembrou a mãe, fazendo a menina rir. “Já faz tanto tempo.”

“É, faz mesmo.” Elis estendeu a mão, acariciando a cabeça do animal. “Me dói pensar que ela já está velhinha.”

“15 anos... Se te conforta, o tio Mariano disse que a raça dela viver uns 16 ou 17, então ainda temos tempo.” Megan Felicia sentou na beira da cama. “Bom, você não merecia isso hoje, mas sei que você tem treino amanhã.”

“Minhas coisas novas chegaram?”

“Sim, bailarina, chegaram.” A mãe lhe passou a sacola, que a menina abriu animada. “Seus novos collants, o tutu que você pediu, a meia-calça, a sapatilha básica e a nova sapatilha de ponta.” Explicou a mãe, sorrindo. “Nem acredito que já é sua terceira.”

“Nem eu acredito em como meu pé cresce rápido.” Elis fez careta, causando risos na mãe. “Mamãe, eu estava pensando... Eu não quero um príncipe de 15 anos.”

“Não tem problema, querida. É uma escolha sua.”

“É, eu sei que a Nita, a Maju e a Susi querem, e que a Luna também achou legal dançar a valsa com um príncipe... Mas eu queria dançar sozinha, talvez uma valsa em forma de ballet. O que acha?”

“Se isso te fizer feliz, Elis, então você deve fazer. Suas amigas vão entender e te apoiar, tenho certeza.” Megan Felicia sorriu para ela. “Bom, agora guarde isso e volte para o seu castigo.”

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