A respiração descompassada parecia atrapalhar meus movimentos, o pensamento de ser pega antes de terminar a mala me causava arrepios, o que ele faria se me encontrasse agora esvaziando as gavetas no meio do dia, essa era minha única chance de fugir, sabia que se ele me encontrasse eu estaria morta, os hematomas ainda nem haviam desaparecido desde a última vez, as costelas doíam a cada respiração, um lembrete claro de que não tinha outra opção, ficar não era uma opção, dando uma última olhada no quarto fechei a mala e segui rumo a saída rapidamente, James só retornaria de viagem amanhã de manhã o que me daria algumas boas horas de vantagem, optei por descer pelo elevador já que seria vista pelas câmeras mesmo que fosse pelas escadas, os segundos pareciam horas e o cruzar o saguão nunca foi tão difícil, graças a Deus havia um táxi do lado de fora, entrei o mais rápido que eu pude, dando o antigo endereço dos meus pais, foi uma boa ideia ter mantido esse lugar em segredo, era um apartamento pequeno no subúrbio, uma herança de família que minha mãe mantinha apenas por apego sentimental, se minha mãe soubesse que no futuro ele seria usado pela filha fugindo do namorado maluco, duvido muito, não ficaria muito tempo apenas o necessário para pegar o dinheiro que juntei durante meses e guardei no cofre, não era muito mas teria que ser o suficiente, afinal se tentasse movimentar a conta principal o banco emitiria um alerta direto para James e os cartões poderiam ser rastreados, no cofre apenas algumas lembranças de família e os 25 mil dólares, fechei me despedindo e segui pelos fundos, lá o velho carro que eu havia comprado a alguns dias estava estacionado em um beco, tive que pagar um bom dinheiro na lata velha para evitar registrar a documentação no meu nome, joguei a mala no banco de trás e segui caminho rumo a liberdade, com o medo e a adrenalina como companheiros, olhando pelo retrovisor as luzes da cidade ficavam cada vez mais distantes e com elas uma parte de mim, uma parte que eu queria que morresse.
Acordei assustada olhando ao redor, a escuridão da noite ainda se mostrava presente, o carro estava gelado, mas era melhor do que me arriscar a ser pega em alguma câmera de segurança em um motel na beira da estrada, além do mais era apenas uma noite e não era tão ruim, me agitei afastando a sonolência e decidi seguir viagem, não conseguiria dormir mais, nem sequer me lembro da última noite em que consegui dormir bem, é estranho pensar que quando vivemos uma situação ruim diariamente nos acostumamos com ela, no começo são as pequenas coisas, as palavras os gestos sutis e acabamos não dando importância, e quando acaba estamos em um carro fugindo para o outro lado do país no meio da noite.
O dia amanhece com uma manhã gelada e o trânsito ao longo da rodovia aumenta consideravelmente, preciso permanecer nela por mais um par de horas, e depois seguir por rotas secundárias até a pequena cidade no interior do país, a casa onde ficaria havia pertencido a família do meu pai, logo não estava diretamente ligada a mim o que tornaria mais difícil de rastrear minha localização, o medo de ser pega ainda estava presente, mas a cada quilometro que ficava para trás outro sentimento se fazia ainda mais presente, esperança, a idéia de fugir de tudo e viver uma vida tranquila e solitária era o que me mantinha dia após dia, vez ou outra algumas lembranças de um tempo feliz retornavam mas eu as mantinha bem guardadas no fundo da minha mente, aprendi a duras penas que a vida real é cruel e que a solidão e a liberdade é o melhor que podemos desejar.Estar sozinha me dava mais tempo pra pensar na situação e me manter alerta e fiel ao plano, relembrando cada momento dos últimos meses e tentando ter certeza de não ter deixado nenhum vestígio, James me procuraria por algum tempo, isso era certo, mas é provável que desistisse depois alguns meses, talvez até se interessasse por outra mulher, uma das muitas amantes que teve ao longo do nosso relacionamento, e pensar que fui tão cega por tanto tempo, todos os sinais estavam lá na minha frente o tempo todo, mas eu não queria ver, estava fragilizada pela perda repentina de meus pais e James se mostrou um homem gentil e um ombro amigo no momento difícil, bem diferente do namorado possessivo e violento que se mostrou depois de alguns meses, a tristeza me traz um gosto amargo a boca, se eu não fosse tão estúpida não teria me colocado nessa situação, sempre assistia esse tipo de relação nos filmes e nos programas da tv, mas nunca pensei viver isso, acho que nenhuma das mulheres da tv esperavam também, me custou muito conseguir entender que não havia outra forma de escapar, um preço alto demais, que eu não estava disposta a continuar pagando.Mais algumas horas e meu estômago me tirou dos pensamentos melancólicos, procurei um estacionamento a beira da estrada, tomando cuidado com câmeras e evitando os lugares mais movimentados, comi um pouco da refeição que havia trazido do apartamento, estava fria mas foi o suficiente por hora, resolvi descer do carro e caminhar alguns minutos para aliviar o incomodo nas pernas causado pelas horas exaustivas ao volante, o relógio marcava meio dia, a essa altura James devia estar como louco a minha procura, esse pensamento trouxe um sorriso de satisfação aos meus lábios, e me sentia uma adolescente fugindo de casa, mas eu não pretendia retornar, nunca, com a ajuda de alguns amigos consegui mudar de nome e adotar o sobrenome de meus avós maternos, foi muita sorte que James nunca se interessou pela história da minha família, isso me permitiu manter esses pequenos detalhes em segredo, e agora eles salvariam a minha vida.De volta ao carro era hora de seguir viagem, uma olhada no mapa e constatei que não estava nem na metade do caminho embora tivesse me afastado o suficiente para me sentir mais segura, parece que seria mais uma noite gelada dormindo no carro, meus músculos também estavam tensos por conta da situação, e tudo que eu queria agora era um banho e uma cama confortável, apenas mais algumas horas, só preciso aguentar mais algumas horas, tinha uma fotografia da casa no painel do carro onde havia o endereço, era uma casa grande, em uma propriedade afastada do centro da pequena cidade, o que me daria privacidade e segurança, não tive muito tempo para pesquisar sobre a cidade, mas sabia que era uma cidade pacata, só esperava conseguir algum emprego o mais rápido possível, o dinheiro não duraria muito, e eu precisava me manter, consegui me visualizar trabalhando em um restaurante como garçonete, servindo mesas e anotando pedidos, como eu fazia no tempo da faculdade, não pagava muito mas com as gorjetas conseguiria me manter, uma onda de entusiasmo tomou conta de mim e liguei o rádio do carro ouvindo uma estação qualquer tocando uma música do AC/DC, era uma das minhas bandas preferidas desde criança, mas já tinha algum tempo que não escutava, no começo porque James não gostava, ele dizia que não era adequado para uma mulher ouvir esse tipo de coisa, e aos poucos fui deixando de ouvir para evitar atritos desnecessários, depois acabei perdendo o interesse, as coisas já não faziam tanto sentido como antes. A música termina e outra banda que eu não conheço começa a tocar, o som é agradável e aprecio este momento de descontração, é como se eu pudesse respirar novamente depois de ter passado muito tempo prendendo a respiração.As nuvens começavam a se acumular no céu o que indicava uma chuva forte para as próximas horas, a idéia de estar na estrada durante uma tempestade me deixava apavorada, o barulho da chuva sempre me acalmava, mas não estar dentro de uma casa com paredes e um teto não era a situação ideal, um olhar para o visor indicava que o tanque de combustível ainda estava na metade, talvez se eu conseguisse me afastar por mais 200 quilometros antes da chuva poderia alugar um quarto em motel barato, poderia pagar em dinheiro, e com um pouco de sorte evitar as câmeras, me parecia mais plausível do que passar outra noite gelada no carro e durante uma tempestade, só precisaria estar longe o suficiente.A chuva começou fraca, mas as nuvens escuras seguidas de raios e trovões indicavam que seria uma tempestade que poderia durar a noite toda, havia pego uma estrada secundária alguns quilometros atrás, e agora olhava o motel tentando decidir se entrava ou não, mais um trovão e minha decisão estava tomada, amarrei o cabelo em um coque e coloquei um boné escuro, junto com a jaqueta masculina e larga evitaria um possível reconhecimento, agarrei apenas a mochila e pus algumas peças de roupa dentro antes de sair do carro, levando na cintura uma pistola que era do meu pai por segurança, tranquei o carro e segui até a recepção, havia apenas uma câmera do lado de fora, apenas precisei abaixar a cabeça e tinha certeza que não tinha como ter sido pega, o lado de dentro do lugar estava tão ruim quanto parecia do lado de fora, um papel de parede antigo e desgastado mostrava a decadência do lugar, no balcão um homem de meia idade com óculos lendo um jornal e bebendo o que me pareceu ser cerveja nem notou minha presença.- Com licença.O homem tirou os olhos do jornal e me encarou não muito contente.- Eu quero um quarto.- São 50 dólares a noite, se não sair até as 08 precisa pagar uma taxa dobrada.Tirei o dinheiro da bolsa, enquanto o homem se levantava para procurar a chave, coloquei a nota no balcão peguei a chave do quarto e segui pelo corredor até o quarto indicado na chave, número 8, o quarto era pequeno, uma cama de casal, uma mesinha de cabeceira, uma tv de tubo, e uma porta que deveria ser o banheiro, tudo estava aparentemente limpo, apesar do cheiro de cigarro remanescente, o papel de parede era o mesmo da recepção, e embora não estivesse descascando, algumas manchas suspeitas indicavam que era tão antigo quanto, me apressei em trancar a porta e fechar as cortinas enquanto ouvia a chuva cair mais forte lá fora, me tranquei no banheiro para um tão merecido banho, a água não estava muito quente mas era melhor do que nada, após o banho a única coisa que queria era me jogar na cama, programei o despertador e adormeci ouvindo a chuva lá fora, e esperando por um dia de sol pela manhã.O barulho do despertador me tirou dos pensamentos conflitantes, a noite foi longa e dormi apenas algumas horas, apesar de cansada o desespero me deixava alerta, a chuva parou algumas horas atrás, e deu lugar para uma manhã gelada mas ensolarada, olhando para o mapa estava cada vez mais perto do meu destino, a cidade de Morton no interior do Wyoming, pelo pouco de informações que tinha sabia que ficava próximo a muitas reservas indígenas incluindo o parque Yellowstone e o mais importante a 3 mil quilometros de Nova York, apenas mais algumas horas e poderia relaxar um pouco, a viagem deveria durar em torno de 30 horas, mas não queria correr o risco de acabar com o carro quebrado no meio do caminho, recolhi tudo e fui deixar as chaves na recepção, agora uma senhora estava ao balcão, e não parecia mais agradável que o homem da noite anterior, entreguei as chaves e segui para o carro o mais rápido possível, evitando a câmera do estacionamento, murmurei uma oração silenciosa e dei partida seguindo viagem rumo a liberdade.A primeira vista a cidade se mostrou maior do que eu imaginava, com ruas movimentadas e uma avenida com algum trânsito, nada demais, crescendo em Nova York nunca estive muito tempo em cidades pequenas, mas parecia ser um lugar agradável, vi algumas lanchonetes e restaurantes o que me deixou animada pensando que não teria dificuldade em achar um emprego, estacionei olhando um mapa da cidade que trazia dentro da bolsa e consegui rapidamente me localizar, a casa ficava alguns bons quilometros afastada da cidade, mas eu precisava comer, saí do carro caminhando pelas calçadas e olhando uma vitrine ou outra, entrei na primeira lanchonete e o cheiro de muffins me deu água na boca, o lugar parecia estar nos anos 70, com toda uma decoração a caráter, mas muito bem conservada, não estava muito cheio, mas optei por uma mesa perto das janelas ao invés de sentar em uma banqueta no balcão, uma garçonete loir
O despertador nunca me pareceu tão inconveniente, pela primeira vez em muito tempo consegui dormir a noite toda, talvez pela exaustão de passar o dia limpando toda sujeira acumulada em décadas, ainda podia sentir os pulsos doloridos, e não havia terminado o trabalho, acabei limpando apenas os comodos que usaria com frequência e mantendo os outros fechados até me decidir, os móveis estavam em bom estado, não eram exatamente agradáveis aos olhos mas teriam que servir pelo menos até eu conseguir um emprego, o único lugar que eu realmente teria que investir tempo e dinheiro o mais rápido possível era a cozinha, embora a água fosse encanada, tinha um gosto estranho de metal que me fazia torcer o nariz, a geladeira era pequena e desligava sozinha, o encanamento da pia tinha vazamentos que inundavam o chão, o fogão estava funcional mas não tinha certeza que deveria arriscar um incêndio usando uma coisa tão velha, a cozinha definitivamente precisava de uma reforma completa, graças a Deus eu
O dia passou voando, comecei a fazer planos para a reforma da cozinha, era espaçosa e bem iluminada, também era uma grande vantagem que a estrutura estava boa, tive algum trabalho desmontando os armários, a madeira antiga pesava horrores, teria que pagar alguém pra vir olhar a rede de instalação elétrica, era antiga e precisava ser vista antes que eu começasse a mexer nas paredes, acabei encarando o porão em vez de continuar procrastinando o problema, não era tão ruim quanto eu esperava, era espaçoso e uma única lâmpada iluminava o centro, descobri maquinas de lavar e secar que por um milagre pareciam funcionar perfeitamente, no mais haviam algumas prateleiras vazias e um bom material de construção civil que me iria ser útil, duas pequenas entradas ajudavam na circulação de ar e não havia mofo aparente, ou ratos, apenas alguns insetos e teias de
Depois de algumas horas, consegui contar toda a história mantendo o máximo de dignidade que consegui, era a primeira vez que falava com alguém sobre tudo tão abertamente, o xerife apenas me deixava continuar falando sem me interromper, apenas me trazia água ou café quando as lágrimas insistiam em cair, o senhor ao meu lado, mantinha uma mão na minha me passando solidariedade, e me oferecia o lenço vez ou outra.Poder contar tudo me fez sentir impotente no começo, culpa, vergonha e decepção eram tudo que eu carregava nos ombros por muito tempo, me senti vulnerável outra vez mas não como havia sido com James, não havia nada de ameaçador nestes homens, comecei contando sobre como conheci James, sobre a morte de meus pais, e segui a história desde o abuso psicológico até a última agressão física, cujas marcas ainda estavam evide
Acordo assustada na escuridão do quarto, a respiração descompassada e o suor escorrendo no meu rosto indicam meu descontrole, outra noite e outro pesadelo, na verdade era o mesmo de sempre, as noites se tornaram longas e torturantes revivendo um dos piores momentos da minha vida, a cada noite eu acabava dormindo menos, os pesadelos insistiam e eu não conseguia voltar a dormir não importa o quanto exausta eu estivesse.O pesadelo começava sempre no mesmo lugar, na sala de jantar onde eu levei os pratos de risoto para a mesa e James havia acabado de chegar do trabalho, dava pra dizer que teve um dia difícil e nesses dias que eram praticamente rotineiros a minha melhor opção era ficar calada e passar despercebida, servi o jantar em silêncio, tudo que consegui preparar foi um risoto, passei o dia me sentindo enjoada e cansada, aquela altura minha situação estava insustentável, não agu
Mais uma noite de pesadelos, graças a Deus Logan não parece ter ouvido toda a minha comoção no quarto, isso levantaria mais perguntas, e eu não tinha as respostas, pelo menos não queria aceitar que tinha, não sou burra vejo que têm algo errado, já até fiz uma pesquisa rápida sobre isso na internet, mas de aceitar que existe um problema até realmente ter que encara-lo é um grande passo.O dia amanheceu frio, o inverno chegaria forte e denso em algumas semanas, das escadas podia sentir o cheiro de panquecas vindo da cozinha, ao entrar no cômodo, Logan estava com uma camisa branca de mangas longas, e um jeans que parecia ter sido feito sob medida, estava de costas fazendo alguma coisa no balcão, Logan era um bom amigo, se fazia presente todos os dias, sendo útil como pudesse, me acompanhando em tudo e nunca fazendo perguntas, mas toda essa paciência tinha limite, m
Não sei como tinha deixado Logan me convencer a fazer isso, agora me olhando na frente do espelho o desespero se fazia mais claro, é claro que ele havia se aproveitado da situação para me fazer aceitar o convite pra jantar na casa dos seus pais, e tudo que precisou fazer foi abrir um sorriso maroto, maldito coração mole. O vestido que eu estava usando era de mangas longas mas não me impedia de sentir frio, mas era melhor do que usar jeans e parecia mais apropriado para a situação, até gastei algum tempo enrolando o cabelo e pondo alguma maquiagem no rosto, que era uma coisa que eu não fazia a muito tempo, James sempre reclamava se eu usasse alguma coisa além de cremes hidratantes para o cuidado da pele, mas eu até gostei do resultado, nada muito marcante apenas um blush pra dar um aspecto mais saudável para a pele pálida, rímel e delineador e um batom do tom dos meus l&aac
Conforme o tempo vai passando tendemos a nos esquecer de coisas que consideramos sem importância, um bom dia, os cuidados diários das pessoas que amamos, estamos tão acostumados a ter todos por perto que ne m cogitamos viver em um mundo sem eles, olhando para a árvore de natal no meio da lanchonete me lembro de como costumávamos montar a árvore e manter todos juntos no natal, ainda tenho algumas semanas antes do natal, mas dessa vez estarei sozinha, e olhar a árvore me deixa com um gosto ruim na boca, como se em outra vida eu pudesse fazer as coisas diferentes. - Você está melancólica hoje Mel. - Desculpe Maggie, é só a árvore de natal me fazendo lembrar de algumas coisas. - Eu entendo você, vai ser o seu primeiro natal na cidade, se quiser pode passar na casa dos meus pais comigo. - Não se preocupe comigo eu vou ficar bem. - Claro eu sei que o xerife vai cuidar disso. - Nós somos amigos, isso não é nada demais. - Sim dá pra pe