O despertador nunca me pareceu tão inconveniente, pela primeira vez em muito tempo consegui dormir a noite toda, talvez pela exaustão de passar o dia limpando toda sujeira acumulada em décadas, ainda podia sentir os pulsos doloridos, e não havia terminado o trabalho, acabei limpando apenas os comodos que usaria com frequência e mantendo os outros fechados até me decidir, os móveis estavam em bom estado, não eram exatamente agradáveis aos olhos mas teriam que servir pelo menos até eu conseguir um emprego, o único lugar que eu realmente teria que investir tempo e dinheiro o mais rápido possível era a cozinha, embora a água fosse encanada, tinha um gosto estranho de metal que me fazia torcer o nariz, a geladeira era pequena e desligava sozinha, o encanamento da pia tinha vazamentos que inundavam o chão, o fogão estava funcional mas não tinha certeza que deveria arriscar um incêndio usando uma coisa tão velha, a cozinha definitivamente precisava de uma reforma completa, graças a Deus eu aprendi alguma coisa sobre reformas durante o meu tempo de faculdade, poderia realizar a maior parte do trabalho sozinha e economizaria um bom dinheiro, além do mais era um excelente passatempo.
A água extremamente fria do chuveiro me fez acordar imediatamente, fiz uma nota mental de me lembrar de comprar um chuveiro novo hoje, vesti a primeira roupa que encontrei na mala, não era exatamente a última moda mas teria que dar, James sempre criticava a minha forma de vestir, nada de saias curtas, decotes ou jeans colado, segundo ele essas eram roupas de putas e não de uma mulher de família, antes que me desse conta todo o meu guarda roupa havia sido esvaziado e apenas algumas poucas peças sobreviveram a censura, até as minhas lingeries que eram minha paixão acabaram sendo substituídas por calcinhas de algodão brancas e sem muitos atrativos, outra nota mental, comprar lingerie eu podia me dar a esse pequeno luxo.
Desci as escadas e agarrei as chaves do carro no aparador próximo a porta, iria tomar café na lanchonete da Maggie como havíamos combinado, o dia estava claro, ainda gelado mas agradável, o movimento a essa hora era baixo, algumas senhoras cuidando de seus jardins, crianças caminhando para a escola, parecia um universo completamente diferente, sem os barulhos as multidões ou o trânsito infernal das grandes cidades. Estacionei em frente a lanchonete e entrei sendo acompanhada por olhos curiosos e uma Maggie muito agradável e sorridente correu ao meu encontro como se tivesse visto a coisa mais incrível de toda sua vida.
- Que bom que você veio, confesso que não estava acreditando que você iria aparecer.
- Eu mantenho minha palavra, e eu preciso comer não é.
Minha tentativa de ser engraçada não pareceu dar muito certo, mas já era um começo, nos sentamos na mesma mesa de ontem e mais uma vez Maggie falava sem parar, ficava contente em apenas ouvir e pelo fato de ela não me perguntar sobre a minha vida.
- Maggie, eu queria saber se você sabe onde estão contratando garçonetes?
- Você está querendo um emprego Mel? Devia ter me falado antes, a outra garçonete que trabalhava comigo se casou e foi morar em outra cidade então temos uma vaga aberta, o salário é bom, e ainda tem as gorjetas, o horário é um pouco confuso mas dá pra se acostumar, tenho certeza que você vai se sair muito bem, precisamos falar com o Mick pra ele te arrumar um uniforme.
Me guiando pela mão até o balcão, onde um homem que eu entendi ser o Mick estava.
- Mick essa é a Melissa e ela vai trabalhar aqui.
O homem me analisava de cima a baixo, deu um suspiro cansado.
- Você têm experiência como garçonete Melissa?
- Sim senhor, eu servia mesas e anotava pedidos em bares alguns anos atrás.
- Bom, Maggie te explicou tudo não é, quando você pode começar?
- Bom eu tenho algumas coisas da mudança pra organizar mas posso começar em 3 dias se o senhor quiser.
- Bem a tempo para o final de semana, isso é ótimo, e me chame de Mick.
Sem me dar tempo de responder Maggie me arrastou para os fundos enquanto Mick gritava alguma coisa sobre pedidos esperando, conseguir o emprego foi relativamente mais fácil do que eu imaginei, acredito que por causa de Maggie e seu temperamento muito entusiasmado, ela me deu as chaves de um armário, me mostrou o pequeno banheiro para os funcionários que ficava nos fundos ao lado do escritório, e me deu os horários da antiga garçonete Sherry ou Shelly, não tinha muita certeza, consegui sair uma hora depois com uma sacola cheia de sanduíches e um monte de informações, dirigi até o mercado para comprar um chuveiro e com sorte um filtro de água, também fui até uma loja de materiais de construção comprar o que iria precisar pra começar a reforma da cozinha, todas as pessoas pareciam tão gentis, era como estar naqueles comerciais de margarina da televisão, estava indo de volta ao carro tentando equilibrar todas as sacolas quando mãos fortes as tiraram dos meus braços.
- Pensei mesmo ter te visto senhora.
- Obrigada xerife.
- Me chame de Logan
O homem parecia cada vez melhor, carregando as sacolas até o meu carro, colocou as compras no banco de trás e até abriu a porta do motorista, tomei meu lugar atrás do volante.
- Obrigado pela ajuda Logan.
- Disponha senhora.
Deu um sorriso que parecia ser costumeiro e seguiu de volta a calçada, dei a partida pensando em como as pessoas desse lugar eram incrivelmente solicitas, e se a maioria fosse tão atraente como o xerife me sentiria desconfortável, ao contrário de Maggie eu não tinha nada de estonteante, o cabelo preto e liso caindo até o meio das costas, os olhos castanhos e sardas que insistiam em manchar a minha pele desde a infância, não era feia longe disso, mas não era p que se podia chamar de rainha da beleza, de qualquer forma era inútil pensar nisso agora, tudo que eu devia focar era tocar a minha vida em paz e bem longe de James.
O dia passou voando, comecei a fazer planos para a reforma da cozinha, era espaçosa e bem iluminada, também era uma grande vantagem que a estrutura estava boa, tive algum trabalho desmontando os armários, a madeira antiga pesava horrores, teria que pagar alguém pra vir olhar a rede de instalação elétrica, era antiga e precisava ser vista antes que eu começasse a mexer nas paredes, acabei encarando o porão em vez de continuar procrastinando o problema, não era tão ruim quanto eu esperava, era espaçoso e uma única lâmpada iluminava o centro, descobri maquinas de lavar e secar que por um milagre pareciam funcionar perfeitamente, no mais haviam algumas prateleiras vazias e um bom material de construção civil que me iria ser útil, duas pequenas entradas ajudavam na circulação de ar e não havia mofo aparente, ou ratos, apenas alguns insetos e teias de
Depois de algumas horas, consegui contar toda a história mantendo o máximo de dignidade que consegui, era a primeira vez que falava com alguém sobre tudo tão abertamente, o xerife apenas me deixava continuar falando sem me interromper, apenas me trazia água ou café quando as lágrimas insistiam em cair, o senhor ao meu lado, mantinha uma mão na minha me passando solidariedade, e me oferecia o lenço vez ou outra.Poder contar tudo me fez sentir impotente no começo, culpa, vergonha e decepção eram tudo que eu carregava nos ombros por muito tempo, me senti vulnerável outra vez mas não como havia sido com James, não havia nada de ameaçador nestes homens, comecei contando sobre como conheci James, sobre a morte de meus pais, e segui a história desde o abuso psicológico até a última agressão física, cujas marcas ainda estavam evide
Acordo assustada na escuridão do quarto, a respiração descompassada e o suor escorrendo no meu rosto indicam meu descontrole, outra noite e outro pesadelo, na verdade era o mesmo de sempre, as noites se tornaram longas e torturantes revivendo um dos piores momentos da minha vida, a cada noite eu acabava dormindo menos, os pesadelos insistiam e eu não conseguia voltar a dormir não importa o quanto exausta eu estivesse.O pesadelo começava sempre no mesmo lugar, na sala de jantar onde eu levei os pratos de risoto para a mesa e James havia acabado de chegar do trabalho, dava pra dizer que teve um dia difícil e nesses dias que eram praticamente rotineiros a minha melhor opção era ficar calada e passar despercebida, servi o jantar em silêncio, tudo que consegui preparar foi um risoto, passei o dia me sentindo enjoada e cansada, aquela altura minha situação estava insustentável, não agu
Mais uma noite de pesadelos, graças a Deus Logan não parece ter ouvido toda a minha comoção no quarto, isso levantaria mais perguntas, e eu não tinha as respostas, pelo menos não queria aceitar que tinha, não sou burra vejo que têm algo errado, já até fiz uma pesquisa rápida sobre isso na internet, mas de aceitar que existe um problema até realmente ter que encara-lo é um grande passo.O dia amanheceu frio, o inverno chegaria forte e denso em algumas semanas, das escadas podia sentir o cheiro de panquecas vindo da cozinha, ao entrar no cômodo, Logan estava com uma camisa branca de mangas longas, e um jeans que parecia ter sido feito sob medida, estava de costas fazendo alguma coisa no balcão, Logan era um bom amigo, se fazia presente todos os dias, sendo útil como pudesse, me acompanhando em tudo e nunca fazendo perguntas, mas toda essa paciência tinha limite, m
Não sei como tinha deixado Logan me convencer a fazer isso, agora me olhando na frente do espelho o desespero se fazia mais claro, é claro que ele havia se aproveitado da situação para me fazer aceitar o convite pra jantar na casa dos seus pais, e tudo que precisou fazer foi abrir um sorriso maroto, maldito coração mole. O vestido que eu estava usando era de mangas longas mas não me impedia de sentir frio, mas era melhor do que usar jeans e parecia mais apropriado para a situação, até gastei algum tempo enrolando o cabelo e pondo alguma maquiagem no rosto, que era uma coisa que eu não fazia a muito tempo, James sempre reclamava se eu usasse alguma coisa além de cremes hidratantes para o cuidado da pele, mas eu até gostei do resultado, nada muito marcante apenas um blush pra dar um aspecto mais saudável para a pele pálida, rímel e delineador e um batom do tom dos meus l&aac
Conforme o tempo vai passando tendemos a nos esquecer de coisas que consideramos sem importância, um bom dia, os cuidados diários das pessoas que amamos, estamos tão acostumados a ter todos por perto que ne m cogitamos viver em um mundo sem eles, olhando para a árvore de natal no meio da lanchonete me lembro de como costumávamos montar a árvore e manter todos juntos no natal, ainda tenho algumas semanas antes do natal, mas dessa vez estarei sozinha, e olhar a árvore me deixa com um gosto ruim na boca, como se em outra vida eu pudesse fazer as coisas diferentes. - Você está melancólica hoje Mel. - Desculpe Maggie, é só a árvore de natal me fazendo lembrar de algumas coisas. - Eu entendo você, vai ser o seu primeiro natal na cidade, se quiser pode passar na casa dos meus pais comigo. - Não se preocupe comigo eu vou ficar bem. - Claro eu sei que o xerife vai cuidar disso. - Nós somos amigos, isso não é nada demais. - Sim dá pra pe
Logan não fez muitas perguntas sobre o acontecido no shopping, eu agradeci por isso aliviada por não ter que contar um momento tão constrangedor, de qualquer forma eu nem saberia o que falar. Mas conforme os dias iam seguindo, ele me tratava de uma maneira diferente, o que me fazia sentir ainda pior, a presença que antes era tão descontraída agora pisava em ovos ao meu redor.A situação estava insuportável, eu só queria que tudo voltasse ao normal, Logan estava deitado no sofá fazendo alguma coisa no celular enquanto minha irritação crescia, ele parecia não levar em conta como eu me sentia com isso.- Logan.- Sim querida.- Quero que você volte ao normal agora.- Do que está falando?- Não se faça de bobo Logan, você sabe bem do que eu estou falando.O homem se sentou imediatamente assumindo uma postura s
Estava a dias convivendo com a ansiedade e me arrependendo amargamente por ter aceitado esse encontro, mesmo com meus sentimentos aos poucos ficando mais claros, me imaginar nesse tipo de situação me deixava desconfortável, e isso era tão diferente de como era antes de tudo isso, me lembro que quando James me convidou para um primeiro encontro eu fiquei tão feliz por poder ter alguém que entendesse o meu momento e ainda estivesse interessado em mim, eu passei horas me arrumando e cuidando para que estivesse perfeita, e James me pareceu muito contente com o resultado, me levou a um bom restaurante no centro, não tinha ideia de como ele conseguiu uma mesa tão em cima da hora, no geral os restaurantes como aquele pediam meses de antecedência nas reservas, estava lotado mas era um clima romântico, ele havia até me dado um buquê de rosas, me lembro de pensar que ele era exatamente o tipo de homem com quem eu deveria me casar, agora eram só lembranças amargas. Eu sabia que Logan e