Naquela primeira semana de junho, Kalie estava radiante. Sua mãe havia melhorado bastante desde o último diagnóstico médico, que apontava uma doença cerebrovascular. Essa condição afetava os vasos sanguíneos do cérebro, podendo causar danos em sua estrutura e funcionamento. Kalie e seu pai dedicavam-se a marcar cada momento bom da vida de sua mãe e a relembrá-la quando ela começava a esquecer. Após passarem o sábado juntos no parque em família, Kalie sentia-se realizada.
No domingo de manhã, ela partiu para o apartamento de sua amiga em Manhattan. O dia de primavera prometia ser proveitoso. Após um passeio de barco pelo sul da ilha, elas retornaram à noite e aproveitaram o tempo no terraço do apartamento, desfrutando de petiscos e conversando sobre o futuro. Enquanto Rani capturava momentos com sua câmera, Kalie caminhava de um lado para o outro, sorrindo. O vento suave balançava seus cabelos, criando uma atmosfera tranquila e serena. Naquele momento aparentemente comum entre amigas, Kalie nem imaginava que, a partir daquele instante, o destino começava a escrever uma nova página em sua história. Uma história da qual ela nem sequer podia imaginar viver.
Naquele meio de junho, época em que se esperava temperaturas quentes entre 17 °C e 28 °C na cidade de Chicago, as pessoas estavam enfrentando um dos verões mais quentes daquele ano, com os termômetros chegando a marcar 30 °C. No entanto, Kalie chegou ao aeroporto O’Hare irradiante de entusiasmo. Era sua primeira vez naquela cidade e ela estava ansiosa para explorar cada canto. Ao ligar para Rani, descobriu que sua amiga já estava lá, aguardando-a do lado de fora. Após obter algumas informações, dirigiu-se ao portão principal e atravessou a porta de vidro. Lá fora, o sol estava escaldante, mas sua amiga a acenou de dentro do carro.
Quando as duas amigas pegaram a estrada, Kalie não pôde evitar perguntar:
— Você conseguiu? Rani continuou olhando para a estrada, com as mãos no volante, mas respondeu:
— Sim, conheci alguém que mostrou interesse, mas você precisa falar com ela pessoalmente. Kalie sorriu, tentando conter o nervosismo, e respondeu:
— Certo. Rani então acrescentou:
— Mas antes, faremos duas paradas. Preciso pegar alguns doces, encomenda da minha avó. Depois, vamos buscar algumas coisas que comprei para você. À noite, encontraremos essa galerista.
As duas seguiram felizes, mas Kalie sabia que por trás daquelas risadas havia uma pitada de nervosismo. Ela precisava apresentar suas obras para alguém do meio artístico, alguém que poderia promovê-las e ajudá-la a ganhar prestígio no mercado. Após saírem do Cafecito Cubano com uma caixa de doces variados, dirigiram-se à butique Space 19. Após estacionar, entraram na loja e não demoraram muito. Ao pegarem os pacotes, retornaram ao carro e colocaram tudo no banco traseiro do SUV preto. Rani entrou imediatamente, enquanto Kalie fechava a porta traseira e se aproximava para acompanhá-la. No entanto, antes de entrar no carro, seus olhos cruzaram-se com os de um homem do outro lado da rua. Parecia que ele a reconhecia, mas Kalie rapidamente entrou no carro e seguiram viagem.
Naquele momento em que os olhos acinzentados de Mattia se encontraram com os de Kalie do outro lado da rua, ele paralisou instantaneamente. Seus pensamentos se tornaram inertes. Jamais imaginara encontrar aquela mulher algum dia, aquela que marcou sua vida e permaneceu presa em seus pensamentos durante aqueles dois longos anos. Porém, ao sair de seu transe, ele disse imediatamente para seu primo Pietro:
— Siga aquele carro. Acabei de ver a mulher que procurava. Pietro, confuso, perguntou:
— Que carro?
No entanto, quando ele olhou novamente, o carro havia desaparecido na avenida. Após o desaparecimento repentino do veículo, Mattia sentiu um impulso urgente de segui-lo, na esperança de recuperá-lo. No entanto, seus esforços foram em vão, pois o carro havia sumido completamente. Sentindo-se indignado e frustrado com a situação, Mattia decidiu retornar à Butique Space 19, de onde tinha observado o carro partir.
Ao chegar lá, procurou pela vendedora em busca de informações sobre o veículo ou seu condutor, mas tudo o que ela pôde fornecer foi o nome da pessoa que encomendara as roupas: 'Rani Devis'.
Essa falta de resposta apenas aumentou a insatisfação de Mattia. Acostumado a ter todas as suas vontades satisfeitas e a ser admirado por todos ao seu redor, ele se viu confrontado com uma situação em que não conseguia alcançar o que desejava. Essa sensação de impotência e desamparo o mergulhou em dias de péssimo humor, incapaz de aceitar o desfecho da situação.
Assim, o episódio não só resultou na perda material do carro, mas também abalou a confiança e a sensação de controle que Mattia tinha sobre sua vida. O confronto com a limitação de seu poder e influência deixou-o em um estado de descontentamento e incerteza, algo completamente novo para alguém tão acostumado a ter tudo sob controle.
Nos últimos dois anos, Mattia tinha vivido imerso em responsabilidades e com poucas oportunidades para se divertir. Após a perda de seu pai, ele mergulhou completamente nos negócios familiares, o que o deixou sobrecarregado e cada vez mais parecido com o progenitor, adquirindo traços de arrogância e autoritarismo. No entanto, um evento específico mudou o rumo de sua vida, levando-o a repensar suas prioridades e a reformular sua abordagem nos negócios. Sua viagem recente a um país estrangeiro teve como objetivo negociar com um empresário indiano, marcando o início de uma mudança significativa em sua trajetória.
Algumas semanas após seu retorno, enquanto Mattia relaxava em seu ambiente familiar, foi interrompido por Antony, seu tio, que o informou sobre a chegada das mercadorias que ele tanto aguardava. Imediatamente, ele se dirigiu ao pátio para verificar pessoalmente as mercadorias, acompanhado por Antony. A presença de seguranças ao redor de sua casa evidenciava a importância e o valor das transações que estavam prestes a ocorrer. Após a verificação das mercadorias, elas foram levadas para um galpão adjacente à casa, onde passariam por uma avaliação detalhada antes de serem preparadas para um leilão programado para a semana seguinte. Consciente do valor significativo desses negócios, Mattia optou por manter em sigilo cinco peças raras, alimentando assim a curiosidade e o interesse dos potenciais compradores. No entanto, a proximidade do leilão foi marcada por uma reviravolta inesperada. Pietro, seu primo, recebeu uma ligação que o deixou indignado, levando-o a comunicar o problema direta
No dia seguinte, Pietro enviou alguém para espionar a família Rochetti. Enquanto isso, Kalie passou o resto da noite no hospital com o pai. Quando ele finalmente recebeu alta, todos seguiram para casa, pois sua mãe estava aos cuidados da vizinha. Aruna, apesar de jovem, tinha uma aparência envelhecida devido à sua saúde debilitada, e Kalie sabia que a mãe não duraria muito. Dois dias depois, enquanto preparava o café da manhã, Kalie olhou para o pai e perguntou com curiosidade: — Não vai me dizer o que realmente aconteceu? Eu estava esperando que o senhor me contasse por vontade própria. Raji olhou para ela incrédulo, como se não entendesse a pergunta, mas Kalie persistiu: — Desculpa, pai, mas eu ouvi a sua conversa com os policiais. Há quanto tempo anda envolvido nesse tipo de coisa? Raji, envergonhado, baixou a cabeça enquanto Kalie continuava: — Por que está mentindo? Se fosse dentro da lei, o Radesh não teria sido sequestrado. Você sabe que esses homens podem vir atrás de nós.
Mais de uma semana depois, quando Kalie e Rani regressaram, receberam a devastadora notícia de que Aruna estava no hospital em estado grave. Sem perder tempo, elas seguiram imediatamente para lá. Raji estava ao lado dela no quarto quando as amigas chegaram, e a atmosfera era carregada de tristeza e preocupação. Quando Kalie entrou no quarto, aproximou-se do pai com angústia evidente em seu rosto. — Como ela está? Perguntou, buscando alguma esperança nos olhos de seu pai. Raji olhou para a filha com ternura, mas sua expressão refletia a dor que estava sentindo. — Mal. Nem sei se passará desta noite. Sua voz estava embargada, carregada de emoção. Foi um momento extremamente triste para aquela família, enquanto Kalie segurava a mão do pai em um gesto de solidariedade. Nesse instante, um enfermeiro entrou na sala, interrompendo o momento de intimidade. — Senhor Rochetti, o doutor Miguel quer vê-lo. Me acompanhe, por favor. O profissional fez a sua solicitação com seriedade, indicando
Com passos deliberadamente calmos, Kalie subiu as escadas do prédio, sentindo o vento frio da noite acariciar seu rosto. Ao atravessar a porta de vidro e entrar no elevador, ela deixou escapar um suspiro, sentindo-se grata pela amizade de Rani e pelo conforto que sua presença sempre trazia. Enquanto o elevador subia lentamente até o terceiro andar, Kalie ponderava sobre como iniciar a conversa tão necessária com seu pai. Cada dia que passava parecia afastá-los ainda mais, transformando-o em um estranho aos seus olhos. Determinada a mudar essa situação, ela planejava cuidadosamente suas palavras. Assim que a porta do elevador se abriu no terceiro andar, Kalie respirou fundo e entrou em casa. Ela observou os cantos familiares da casa, mas seu pai não estava à vista. Sentindo uma mistura de frustração e determinação, dirigiu-se à cozinha e colocou o jantar na mesa. Foi então que seus olhos captaram um bilhete pregado na porta da geladeira, contendo as palavras escritas a mão: "Me espere
Naquela manhã, Kalie acordou e percebeu que seu pai já havia saído. Ela se preparou rapidamente e logo estava pronta para pegar carona com sua amiga, Rani. Enquanto seguiam para a universidade, aproveitaram o tempo juntas para conversar.— Minha avó marcou um jantar para sábado à noite e convidou os amigos dela, sabe, toda a família estará lá. E ela nem imagina que vou levar o Jacob. Rani compartilhou animadamente com Kalie.— Rani, você deveria avisar sua avó antes. Kalie respondeu, expressando um pouco de preocupação.— Ah, não se preocupe. Ela conhece a família do Jacob. Só está preocupada porque já passei dos 22 anos e acha que estou ficando velha para se casar. Rani explicou, com um tom de diversão.— Você tem razão. Meu pai também falou sobre isso ontem. Parece que quer me ver casada logo. — Kalie riu com a amiga.Entre risadas e trocas de histórias, Kalie e Rani aproveitaram o trajeto até a universidade. Para elas, esses momentos compartilhados eram um alívio bem-vindo da ro
Desanimado e perplexo diante do que acabara de descobrir, Raji deixou a cafeteria e partiu para sua antiga casa, imerso em pensamentos. Sentindo-se preocupado e desesperado, ele fez alguns telefonemas, tentando conseguir um empréstimo com alguns conhecidos. Ao anoitecer, Raji saiu ao encontro de um amigo indiano para conseguir o dinheiro, porém, sentiu um frio na espinha quando os dois homens bloquearam seu caminho, interrompendo sua tentativa de chegar à estação. As palavras deles ecoaram em seus ouvidos, desencadeando um turbilhão de medo e ansiedade.— Fugindo do nosso encontro, senhor Rochetti? A acusação era pesada, e Raji sentiu-se encurralado.Ele tentou explicar-se, suas palavras tropeçando em sua boca trêmula.— Não, não, eu estava indo falar com um amigo, conseguir o dinheiro para pagar a dívida.Os homens pareciam zombar de suas tentativas de escapar.— Que amigo? O Manu do mercado? Aquele velho trambiqueiro? É desse amigo que você está falando? A incredulidade em suas voze
Raji engoliu em seco, sua mente turva enquanto tentava formular uma resposta. Antes que pudesse articular uma palavra, Mattia prosseguiu, interrompendo-o com um gesto firme. — Ainda não terminei. Disse ele, assumindo uma posição relaxada em uma cadeira próxima. — Qualquer pessoa que se atreva a me prejudicar não costuma sobreviver para contar a história. Mas você, meu caro, está tendo a sorte de uma segunda chance. Estou disposto a propor um acordo. Raji olhou com incredulidade para os dois homens que guardavam a porta, sentindo um calafrio percorrer sua espinha ao ouvir as palavras de Mattia. — Pietro, traga os papéis. Ordenou Mattia, e o jovem obedeceu, entregando o documento para Raji. Ao analisar o conteúdo do papel, Raji sentiu uma mistura de medo e confusão, incapaz de compreender totalmente a situação em que se encontrava. Mattia prosseguiu, seu tom de voz frio e calculista. — Você tem algo que eu quero, senhor Rochetti, e sua dívida será perdoada se assinar esse contrato.
Naquela noite de sábado, cujo ar gélido se infiltrava pelas janelas entreabertas, Kalie e Rani se encontravam em meio aos preparativos para o jantar, mas suas mentes estavam imersas em reflexões sobre o rumo de suas vidas. Enquanto Kalie, com sua inclinação mais conservadora, buscava segurança e consolo em seguir algumas tradições que lhe foram incutidas desde a infância, Rani, por outro lado, abraçava sua liberdade com fervor, negando-se a ser enclausurada por padrões pré-estabelecidos.Para Kalie, a adesão a tradições era uma fonte de estabilidade e conforto. Ela encontrava segurança nas rotinas familiares e nos valores transmitidos ao longo das gerações. Desde pequena, aprendera a valorizar os costumes que moldaram sua identidade e guiaram suas escolhas. Assim, para ela, seguir as tradições não eram uma imposição, mas sim uma escolha consciente de permanecer conectada às raízes que a sustentavam emocionalmente.Por outro lado, Rani via as tradições como grilhões que aprisionavam a