Meses se passaram desde a cerimônia de nomeação, e embora a paz tenha se mantido na superfície, em meu coração crescia uma inquietação constante. Era como uma brisa gelada que soprava entre os ossos mesmo sob o sol, sussurrando que a calmaria era apenas a respiração funda antes da tempestade. Naquela noite, a tempestade finalmente veio. Acordei com os uivos da vigília de guerra e o som grave dos sinos de alerta ecoando pela floresta. As crianças, que dormiam tranquilas ao meu lado, se remexeram com um leve choramingo, e meu coração se apertou. Caelum já não estava ao meu lado. Havia sentido o perigo antes mesmo de mim, como sempre. Seu instinto de Rei e de pai era afiado. Ele deixara apenas um bilhete breve em cima da cadeira: *“Proteja nossos filhos. Confie em Lis. Estarei na linha de frente.”* Levantei-me de um salto, o corpo reagindo como se a guerra fizesse parte de sua essência. Auren e Lira ainda dormiam, inocentes demais para entender o que se aproximava. Peguei os dois no
A mansão surgiu entre as árvores como um farol depois da tempestade. Cada pedra de suas paredes parecia familiar e acolhedora. Meu corpo doía, minha alma latejava, e meu coração clamava por um único nome. Caelum. Respirei fundo, forçando as pernas a continuarem. A batalha havia terminado — por ora — mas a adrenalina ainda corria sob minha pele como um rio bravo. As roupas rasgadas, as mãos manchadas de sangue, os cabelos colados na testa... tudo em mim exalava desgaste e exaustão. Mas dentro da mansão, havia algo que me mantinha de pé. Algo que era mais forte do que qualquer feitiço ou lâmina: ele. As portas se abriram antes que eu as tocasse. Dois guerreiros me olharam com alívio e reverência, abrindo passagem. O calor do interior me envolveu, o cheiro de madeira, ervas e terra me arrancando um suspiro. E então, ali, no pé da escadaria principal, ele estava. Caelum. Nossos olhos se encontraram. O tempo congelou. Eu o vi, inteiro. Os cabelos presos no alto da nuca, a camisa man
A luz da manhã filtrava-se pelas cortinas pesadas, dançando suave sobre os lençóis amassados e meu corpo ainda aquecido pelo sono. Pisquei lentamente, sentindo o peso da noite anterior desfazer-se como névoa. Meus braços se esticaram até o lado vazio da cama, encontrando apenas o calor remanescente do corpo de Caelum. Ele não estava ali. Sentei-me devagar, o lençol deslizando pela minha pele, deixando à mostra a curva dos meus ombros nus. O silêncio na mansão era tranquilo, mas meu coração apertou com uma súbita necessidade. Eu precisava vê-lo. Tocá-lo. Tê-lo por perto. Levantei, vestindo apenas uma das camisas largas de Caelum, que caía solta pelo meu corpo como um manto de lembranças. Caminhei pelos corredores com os pés descalços, guiada pelo instinto e pelo fio invisível que sempre me levava até ele. Encontrei-o na sacada, de costas para mim, observando os jardins cobertos pelo orvalho. A luz do sol acariciava seus ombros largos, e seu cabelo preso de forma desalinhada denunc
Os ventos haviam mudado. O ar carregava um presságio. Algo ancestral e selvagem corria pelos campos, sussurrando nos ouvidos dos sensíveis, despertando em cada coração o instinto de luta. A guerra já não era apenas uma ameaça distante — ela se erguia sobre o horizonte, iminente e implacável. No coração da Floresta Norte, as bandeiras do Clã Eclipse tremulavam sob o céu de chumbo. A notícia do novo ataque e da tentativa de sequestro dos gêmeos reais espalhara-se como fogo em palha seca. Os mensageiros tinham partido em todas as direções, carregando o chamado de Caelum aos clãs aliados. E eles responderam. Ao leste, as águias do Clã Stormwing desceram dos céus, suas montarias aladas cortando o ar com gritos que pareciam trovões. Seus guerreiros, liderados por Elan, um alfa de olhos dourados e armadura reluzente, firmaram acampamento nos arredores do território do Eclipse. Foram os primeiros a chegar — antigos aliados do tempo em que o pai de Caelum ainda reinava. Ao sul, os Guerre
O som dos cascos ecoava pela terra úmida como um tambor de guerra que se aproximava mais a cada batida. A névoa matinal ainda rastejava sobre o chão, envolvendo as árvores em véus de silêncio. Mas não havia mais paz. Não havia mais tempo. Eu caminhava com os outros, sentindo o peso da armadura sobre meus ombros, ajustada ao meu corpo pela forja de Freiren e encantada com runas traçadas por Lis. Era negra como obsidiana, com detalhes prateados que cintilavam à luz mortiça. Nas costas, as duas espadas cruzadas pulsavam com a minha magia — lâminas que respondiam à fúria que eu carregava no peito. Ao meu lado, Lis caminhava em silêncio, a capa azul prateada esvoaçando atrás dela. Seu diadema com os símbolos da Lua brilhava sobre a testa, e seus olhos estavam tão atentos quanto os de um predador. Ela carregava seu bastão rúnico em uma das mãos e algumas poções presas ao cinto. Sua magia vibrava no ar, tão viva quanto o fogo de uma estrela. Caelum liderava a linha, imponente em sua arma
O primeiro clarão no céu não veio de raios naturais — mas de magia. Um estrondo ressoou como se o próprio firmamento estivesse rachando. Um feixe de energia púrpura e escarlate desceu da colina onde os inimigos estavam agrupados, cortando o ar como uma lâmina dos deuses. Era o primeiro ataque. E um aviso. — Escudos agora! — gritou Lis. As bruxas ao nosso lado — as aliadas que atenderam ao chamado de Lis — levantaram as mãos em uníssono. Círculos rúnicos surgiram no ar, formando camadas de luz dourada e prateada. Uma cúpula mágica envolveu a linha de frente do nosso exército momentos antes da explosão atingir. O impacto fez a terra tremer. Eu senti a vibração subir pelas minhas botas, ecoar nos ossos, sacudir os galhos ao nosso redor. Mas a barreira resistiu. As bruxas aliadas, lideradas por uma mulher de olhos de âmbar e cabelos trançados com penas lunares, mantinham as mãos erguidas, os olhos brilhando. Cânticos antigos saíam de suas bocas em uníssono, enquanto uma delas sangra
O cheiro de magia corrompida enchia o ar. Denso. Podre. Uma neblina púrpura rastejava pelo campo de batalha como uma serpente viva. Eu a sentia tentar se enroscar nas raízes da minha alma, mas a empurrei de volta com um rugido vindo do meu centro. Meu olhar atravessou o caos até encontrá-lo. Ele. O homem que um dia partilhou comigo o ventre. O mesmo rosto, os mesmos olhos. Mas tão diferentes agora. Eu era lobo. Ele era sombra. Ele me viu também. E sorriu. Aquela curva fria dos lábios, que nunca pertenceu a mim. O sorriso que um irmão não deveria dar ao outro. Ele caminhou entre os corpos, abrindo espaço como se o próprio campo de batalha o temesse. — Caelum. — Sua voz era baixa, mas ressoava nos ossos. — Eu sabia que nos encontraríamos aqui. Parei à sua frente, firme. Os sons da guerra sumiram. Como se o mundo prendesse o fôlego. — Sempre soube que terminaria assim entre nós, irmão. — Ah, você sempre foi bom em prever tragédias, não é? — Ele deu um passo adiante. — Mas nunca
A terra parecia pulsar sob meus pés. O cheiro de magia corrompida se espalhava como veneno, encharcando o ar, pressionando contra minha pele como um peso invisível. Eu sentia Freiren se agitar sob minha carne, inquieta, pronta. Meus dedos apertavam com firmeza os cabos das espadas gêmeas, cada uma pulsando com minha energia, respondendo ao chamado do sangue. À minha frente, o campo se abria em um círculo silencioso. Os sons da guerra haviam se distanciado, como se o mundo entendesse que aquele instante exigia respeito. E ali, no centro de tudo, ele me esperava. O feiticeiro. Alto, magro como um galho seco, com olhos tão negros que pareciam fendas no tecido do mundo. Seu manto esvoaçava sem vento. A presença dele curvava o ar ao redor. Havia algo de impossível em sua forma — como se ele pertencesse a outro tempo, ou a nenhum. — Finalmente — ele disse, a voz ressoando como um sussurro dentro do meu crânio. — A herdeira do sangue antigo. A mãe das luas renascidas. Dei um passo