Laura
As ruas da favela da Rocinha estavam quietas, me fazendo crer que havia um motivo especial para não haver ninguém transitando pelo bairro; um que ainda era desconhecido por mim. Por um segundo, senti vontade de perguntar sobre isso para Emily, mas, ao vê-la nervosa, percebi que aquele não era o melhor momento.Talvez houvesse um segredo envolvendo aquela parte da favela que ela não quisesse me dizer ou até fosse proibido ser dito por aí. A chance era grande, o que me fazia crer que, quem sabe, uma boa parte das pessoas que moravam ali não fossem empregados e capangas de Valentim? Isso responderia tudo, e até me deixava em um misto de preocupação e receio.Se essa teoria estivesse certa, onde todo mundo estava naquele momento para as ruas estarem desertas? Talvez Valentim estivesse em alguma luta por território, e isso o levara a pegar todas as pessoas que conseguiu para ganhar, fosse como fosse.Por algum motivo que eu não era capaz de saberValentimAlguns poucos minutos podiam ser extremamente cansativos e estressantes quando se queria estar em casa, cuidando de qualquer vida alheia como se fosse a sua. Era engraçado pensar dessa forma, mas, por mais estranho que isso soasse, era exatamente isso que passava pela minha cabeça enquanto observava uma paisagem que tanto já havia me agradado, mas que agora parecia servir apenas para me irritar.E isso só me deixava ainda mais perplexo com tudo que vinha acontecendo nos últimos dias, principalmente como cada mudança estava afetando minha mente, de um jeito que eu não tinha ideia se seria a capaz de reverter um dia — e, enquanto uma parte de mim temia que a resposta para essa pergunta fosse um belo não, a outra desejava firmemente que não mudasse mesmo.Algo que só me fazia questionar:Que porra haviam feito comigo?Eu não era assim. Suspirei, cruzando minhas mãos sobre minha cabeça curvada. Meu escritório estava vazio,
ValentimQuando finalmente me aproximei da porta e a empurrei, o som agudo me causou um sobressalto, fazendo-me sacar a arma que guardava na cintura, pronto para encarar o que quer que estivesse ali. No entanto, a princípio, não vi nada. Era só um lugar baldio, velho e sujo; com pequenos raios de sol atravessando o teto e iluminando a única coisa — no centro — que parecia estar limpo: uma caixa de papelão com um bilhete por cima.Olhando em volta para tentar descobrir se havia alguém ali, comecei a andar a passos lentos até a caixa, sem nunca deixar minha guarda baixa. E, quando cheguei lá, peguei o papel sem entender nada do que estava escrito nele, uma vez que as palavras se resumiam a um, "vai pro inferno, desgraçado" e outros palavrões que nem ouso comentar.— Mas que porra é essa? — esbravejei, sem entender nada do que acontecia naquele lugar fedendo a mofo. E foi nesse momento, enquanto estava de costas para a porta, que meus ouvidos captaram uma mov
LauraJá fazia mais de três horas desde o momento que me despedi de Emily e ela não havia aparecido ainda. Por algum motivo que eu não sabia, sua demora me causava pavor. Será que tinha acontecido algo no caminho? Ou será que Lopes havia se negado a me encontrar tão veemente que ela não teve coragem de voltar e me encarar? Eram tantas perguntas, com tantas possibilidades de respostas distintas que começava a me deixar louca.Embora não quisesse pensar nisso e confiar na minha recente "amizade" com Emily, uma parte de mim não estava satisfeita com isso. Pelo contrário, essa parte em específico só sabia duvidar e duvidar, me fazendo crer que, mesmo eu tendo admitido que estava próxima o suficiente da mulher, eu ainda tinha um pé atrás — algo que eu não fazia ideia de como mudar, mesmo com o passar do tempo.Suspirei, me jogando no sofá confortável. Por um segundo, me senti só diante de todo aquele luxo pertencente ao dono do morro, algo que fez minha mente v
LauraSuspirei, atraindo ainda mais a atenção de Lopes para mim. Não sei exatamente o que ele pensou quando viu meu semblante ficar triste e incomodado, pois, assim que esses sentimentos passaram por meus olhos avelãs, ele caminhou até mim e fez algo que eu jamais esperaria vir dele: me deu um abraço acalentador. Lopes não era uma pessoa de contato físico, muito menos que falava muito. Então, ter esse tipo de atitude vindo dele só me deixava ainda mais confusa, tanto que poderia muito bem ser transformada facilmente em desconfiança, só bastando minha cabeça voltar ao lugar para começar a pensar nessas besteiras — não tão — improváveis assim.— O que vocês dois estão fazendo? — a voz alterada ecoou atrás de nós, me fazendo quase empurrar Lopes para longe ao perceber de quem se tratava.Meu amigo me encarou um tanto quanto ofendido, e eu tentei me desculpar com um olhar de súplica. Não sabia o que tinha de errado comigo.— Estávamos apenas
ValentimEu sei que algumas coisas nunca eram fáceis ou explicáveis, desde pequeno sempre mantive essa mentalidade para não acabar frustrado e decepcionado com certos resultados negativos que poderiam acontecer bem diante dos meus olhos, no entanto, sempre havia algumas coisas que passavam dos limites e soavam inaceitáveis, e esse era o caso do que eu sentia e via naquele momento — e, não, não era algo só ruim.Aquele sentimento era uma mistura de emoções inexplicáveis que tanto eu quanto Laura não conseguíamos lidar; isso era óbvio tanto no olhar dela quanto no meu, mesmo assim não deixava de ser perturbador. O que diabos isso estava fazendo comigo!? Por que meu coração insistia em bater mais rápido quando ela estava tão próxima a mim? Seria apenas a tesão que eu sentia ou havia um motivo a mais?Perguntas e mais perguntas que eu não tinha a resposta; ou, se tinha, evitava a todo custo respondê-las. Era certo que eu não queria encarar os significados de
ValentimMeu banho nunca fora tão rápido após eu conquistar a glória que conquistei. Por algum motivo desconhecido por mim, eu me sentia novamente um menino, muito animado para ganhar um presente após obedecer sua exigente mãe. E isso soava tão engraçado ao meus ouvidos que não consegui evitar soltar um riso, mesmo que abafado pelo som da água do choveiro.Laura não era minha mãe, não era nada de mim além de minha inimiga mortal. Mas alguma coisa me fazia querer obedecer ela e ver até onde isso poderia me levar. Mesmo que fosse muito bizarro pôr em palavras, isso já estava se tornando um costume que eu tinha certeza que iria abolir da minha vida assim que conseguisse ela na minha cama, bem deitadinha do meu lado — embora a mesma parte que gostava de obedecê-la quisesse continuar com isso sempre um pouquinho mais. Será que eu curtia essas coisas estranhas e não sabia? Estava começando a considerar esse fato.Suspirei, desligando o chuveiro e me se
LauraDois longos dias haviam se passado. Os mais parados e sem emoções desde o momento que entrei nesta casa pela primeira vez? Talvez. Não tinha como negar que não havia muito a ser contado sobre esses dias além do segundo sumiço repentino de Lopes. Sim, ele havia desaparecido mais uma vez e eu não sabia se era coisa do Valentim ou se ele estava sendo proibido de vir até a casa principal para me visitar depois de termos sido pegos conversando do lado de fora, em uma cena que poderia ser facilmente mal interpretada.Ah, e por falar naquele dia…Sem conseguir evitar, minha mente vagou pelos acontecimentos posteriores ao meu último encontro com Lopes, indo diretamente para a parte que estava roubando meu sono nos últimos dias, não por ser um problema difícil de resolver, mas, sim, pelo teor indecente que as coisas haviam tomado naquela noite, em meu quarto, na minha cama.Fora por pouco. Eu quase me deixei levar pela química existente entre nós doi
Laura— Eu ainda não estou entendendo — falei depois de um tempo, com a testa franzida. Isabel suspirou, junto de Emily, parecendo pedir em silêncio por paciência para conseguir lidar comigo.— Sério, Laura? Quando você tira para ser sonsa, mesmo que inconscientemente, você se torna um purgante — Isabel resmungou, cruzando os braços com uma expressão descontente em seu rosto.— Nesse ponto eu tenho que concordar — Emily falou, sorrindo de lado. Me senti, por um momento, pega bem no meio de um complô feito exclusivamente para me ferrar.— Vocês estão tentando refrescar minha memória ou o quê? — questionei, perdendo o resto de paciência que possuía. Elas riram, como se meu pequeno ataque de raiva não importasse, algo que provavelmente era verdade.E isso só me fazia querer xingá-las.Mas que filhas da…— Não nos culpe, afinal, você não está colaborando muito aqui — Emily pediu, sorrindo. Senti uma vontade grande de retruca