Valentim
Não eram nem oito horas direito e eu já me encontrava no galpão, conversando com Marcelo sobre os próximos passos que teríamos que dar para crescer minha influência no morro. Não era um assunto fácil, uma vez que parecia haver mais pessoas interessadas em roubar essa posição de mim do que ser meu aliado, algo que me frustrava até certo ponto, eu era obrigado a admitir.Balancei minha cabeça, negando a ideia que o meu amigo havia acabado de sugerir. Ele sugeria que eu adiantasse a minha ida até a boate mais famosa da Rocinha gerida por Fábio antes de sexta-feira, que era a data que eu havia combinado com ele pela primeira vez. Isso não me agradava muito, principalmente depois do incidente onde eu acabei vendo que minha irmã e Emily haviam levado Laura até aquela boate sem minha permissão.Querendo ou não, isso tinha violado meus planos. E se alguém importante a tivesse visto ali? O que eu diria uma vez que o boato sobre sua estadia na minha casa jáValentim— Ainda bem que sabe disso — Marcelo falou depois de um tempo, em um tom que não consegui decifrar e só serviu para me tirar dos meus pensamentos incessantes.Após isso, ficamos em silêncio por alguns minutos, imersos em pensamentos conflitantes. Admito que gostaria de falar alguma coisa naquele momento que me livrasse do gosto amargo que nossa conversa deixou na minha boca, mas não parecia haver nada que fosse capaz de fazê-lo. E o pior disso tudo era saber que, mesmo eu tendo noção que o final que esperava qualquer envolvimento que tivesse com Laura, isso não seria suficiente para me fazer abandonar a ideia de tê-la para mim.Eu a queria — até já a considerava minha — e a teria de qualquer forma, por mais estranho que isso soasse.Quando decidi finalmente dizer isso para meu amigo, a porta da sala onde nós dois nos encontrávamos abriu de repente, causando em mim um sobressalto. Olhei com raiva para o indivíduo que havia entrado ali, e m
LauraO dia estava quente, tão quente que eu me mantinha nadando na piscina como se nada ali me incomodasse; o que, de certa forma, não era verdade. Tudo estava me incomodando naqueles dias, de um jeito que eu não era capaz de pôr em palavras. Talvez isso tenha sido por causa do encontro e da decisão que eu havia tomado ontem? Era bem provável, uma vez que isso poderia muito bem influenciar as atitudes que eu tomaria nos próximos dias, muito mais do que eu gostaria de admitir.Soltei um suspiro, nadando para a borda da piscina. O sol quente batia em meu rosto, me fazendo cogitar a ideia de me trancar no meu quarto pelos próximos dois dias. Não era uma má ideia — e não seria a primeira vez que eu faria isso —, mas, mesmo assim, parecia um pouco errado. Demoraria um pouquinho ainda para eu decidir se iria ou não por esse caminho, eu sabia, e essa demora só seria mais um motivo para me enlouquecer.Bufei, saindo da água e nada feliz com minha última constataç
LauraAs ruas da favela da Rocinha estavam quietas, me fazendo crer que havia um motivo especial para não haver ninguém transitando pelo bairro; um que ainda era desconhecido por mim. Por um segundo, senti vontade de perguntar sobre isso para Emily, mas, ao vê-la nervosa, percebi que aquele não era o melhor momento.Talvez houvesse um segredo envolvendo aquela parte da favela que ela não quisesse me dizer ou até fosse proibido ser dito por aí. A chance era grande, o que me fazia crer que, quem sabe, uma boa parte das pessoas que moravam ali não fossem empregados e capangas de Valentim? Isso responderia tudo, e até me deixava em um misto de preocupação e receio.Se essa teoria estivesse certa, onde todo mundo estava naquele momento para as ruas estarem desertas? Talvez Valentim estivesse em alguma luta por território, e isso o levara a pegar todas as pessoas que conseguiu para ganhar, fosse como fosse.Por algum motivo que eu não era capaz de saber
ValentimAlguns poucos minutos podiam ser extremamente cansativos e estressantes quando se queria estar em casa, cuidando de qualquer vida alheia como se fosse a sua. Era engraçado pensar dessa forma, mas, por mais estranho que isso soasse, era exatamente isso que passava pela minha cabeça enquanto observava uma paisagem que tanto já havia me agradado, mas que agora parecia servir apenas para me irritar.E isso só me deixava ainda mais perplexo com tudo que vinha acontecendo nos últimos dias, principalmente como cada mudança estava afetando minha mente, de um jeito que eu não tinha ideia se seria a capaz de reverter um dia — e, enquanto uma parte de mim temia que a resposta para essa pergunta fosse um belo não, a outra desejava firmemente que não mudasse mesmo.Algo que só me fazia questionar:Que porra haviam feito comigo?Eu não era assim. Suspirei, cruzando minhas mãos sobre minha cabeça curvada. Meu escritório estava vazio,
ValentimQuando finalmente me aproximei da porta e a empurrei, o som agudo me causou um sobressalto, fazendo-me sacar a arma que guardava na cintura, pronto para encarar o que quer que estivesse ali. No entanto, a princípio, não vi nada. Era só um lugar baldio, velho e sujo; com pequenos raios de sol atravessando o teto e iluminando a única coisa — no centro — que parecia estar limpo: uma caixa de papelão com um bilhete por cima.Olhando em volta para tentar descobrir se havia alguém ali, comecei a andar a passos lentos até a caixa, sem nunca deixar minha guarda baixa. E, quando cheguei lá, peguei o papel sem entender nada do que estava escrito nele, uma vez que as palavras se resumiam a um, "vai pro inferno, desgraçado" e outros palavrões que nem ouso comentar.— Mas que porra é essa? — esbravejei, sem entender nada do que acontecia naquele lugar fedendo a mofo. E foi nesse momento, enquanto estava de costas para a porta, que meus ouvidos captaram uma mov
LauraJá fazia mais de três horas desde o momento que me despedi de Emily e ela não havia aparecido ainda. Por algum motivo que eu não sabia, sua demora me causava pavor. Será que tinha acontecido algo no caminho? Ou será que Lopes havia se negado a me encontrar tão veemente que ela não teve coragem de voltar e me encarar? Eram tantas perguntas, com tantas possibilidades de respostas distintas que começava a me deixar louca.Embora não quisesse pensar nisso e confiar na minha recente "amizade" com Emily, uma parte de mim não estava satisfeita com isso. Pelo contrário, essa parte em específico só sabia duvidar e duvidar, me fazendo crer que, mesmo eu tendo admitido que estava próxima o suficiente da mulher, eu ainda tinha um pé atrás — algo que eu não fazia ideia de como mudar, mesmo com o passar do tempo.Suspirei, me jogando no sofá confortável. Por um segundo, me senti só diante de todo aquele luxo pertencente ao dono do morro, algo que fez minha mente v
LauraSuspirei, atraindo ainda mais a atenção de Lopes para mim. Não sei exatamente o que ele pensou quando viu meu semblante ficar triste e incomodado, pois, assim que esses sentimentos passaram por meus olhos avelãs, ele caminhou até mim e fez algo que eu jamais esperaria vir dele: me deu um abraço acalentador. Lopes não era uma pessoa de contato físico, muito menos que falava muito. Então, ter esse tipo de atitude vindo dele só me deixava ainda mais confusa, tanto que poderia muito bem ser transformada facilmente em desconfiança, só bastando minha cabeça voltar ao lugar para começar a pensar nessas besteiras — não tão — improváveis assim.— O que vocês dois estão fazendo? — a voz alterada ecoou atrás de nós, me fazendo quase empurrar Lopes para longe ao perceber de quem se tratava.Meu amigo me encarou um tanto quanto ofendido, e eu tentei me desculpar com um olhar de súplica. Não sabia o que tinha de errado comigo.— Estávamos apenas
ValentimEu sei que algumas coisas nunca eram fáceis ou explicáveis, desde pequeno sempre mantive essa mentalidade para não acabar frustrado e decepcionado com certos resultados negativos que poderiam acontecer bem diante dos meus olhos, no entanto, sempre havia algumas coisas que passavam dos limites e soavam inaceitáveis, e esse era o caso do que eu sentia e via naquele momento — e, não, não era algo só ruim.Aquele sentimento era uma mistura de emoções inexplicáveis que tanto eu quanto Laura não conseguíamos lidar; isso era óbvio tanto no olhar dela quanto no meu, mesmo assim não deixava de ser perturbador. O que diabos isso estava fazendo comigo!? Por que meu coração insistia em bater mais rápido quando ela estava tão próxima a mim? Seria apenas a tesão que eu sentia ou havia um motivo a mais?Perguntas e mais perguntas que eu não tinha a resposta; ou, se tinha, evitava a todo custo respondê-las. Era certo que eu não queria encarar os significados de