04. O anúncio, parte 2

Kendra

Quando Michelle decidiu que deveria ir embora já estava tão aliviada que não poderia nem me erguer do lugar, demorei uns bons minutos encarando os livros espalhados pela sala, os móveis cheios de poeira, os porta-retratos que agora têm fotos recortadas.

Acho que foi pior cortar as fotos do que tacar fogo, pois a cada vez que as vejo sei que está faltando um pedaço delas. As vezes decisões feitas por impulso te levam a um rio de merda, e sempre fico na borda dele quando minha irmã decidi que é o seu dia de me infernizar.

Agradeci quando Kitty me mandou novamente o convite para uma festinha de mulheres, mas ao chegar lá fui tão bombardeada por perguntas que sequer consegui pensar em outra coisa fora virar um copo de bebida um atrás do outro.

Amo rum e qualquer outra bebida que o leve dentro, e hoje estou assim, me afundando no que pode me dar, mas nem tudo pode ser um mar de: me entregue a próxima dose.

Em algum momento elas começaram a conversar sobre um site rolando, um que é muito melhor do que os dito cujo de pornografia, estes que perdem a glória na boca de algumas delas enquanto meus olhos se reviram ao pensar em tudo que as atrizes pornôs sofrem durante a produção, no pós e em toda a vida.

Não entendo quem consegue consumir sem ter um troço.

— É tipo fazer a sua feira sentadinha na cadeira da mesa da sua cozinha, você desliza o mouse, escolhe um gostoso do seu gosto e pronto, o aluga — esclarece Amantis, uma das surtadas que permanece em meu círculo de amizade após a faculdade, pela sua fala é claro que já usou do serviço algumas vezes, ter a garantia dela é como ouro.

— Não sabia que os garotos de programa tinham informatizado o trabalho — comentou Júlia. Amantis parece alguém informada demais sobre como os rapazes trabalham e me pergunto se é assim que passa as suas noites quando não pede por um encontro.

Me paro porque não quero saber da vida romântica de ninguém, a minha já é muito problemática. Além disso ela tem um pivetinho lindo como filho, não pode tirar todas as noites para foder.

— Não é um site exclusivamente para isso, claro, você tem algumas opções para as cadelas no cio como você, mas pode alugá-los para todos os tipos de compromissos, desde uma saída até a praia, até um marido falso — informa Amantis. Olho para Kitty que não consegue conter a risada, apenas evita mostrá-la no seu todo por tampar a boca com a mão.

Eu que não tinha muita coisa a dizer voltei a focar na bebida, pois não tenho interesse neste tipo de questão. Prefiro gastar o meu dinheiro comprando comida, porque aí tenho certeza de que a felicidade é garantida. Entre um copo e outro, uma música após a outra continuamos a beber.

Me lembro de pouquíssimas coisas de quando cheguei em casa, de que senti uma necessidade grandiosa de escrever e foi o que fiz. Evidentemente, depois de colocar metade das minhas tripas para fora, contudo, antes de apagar tinha um sorriso no rosto.

***

Ergo-me de mal jeito caindo pela lateral da cama após puxar os lençóis comigo. Minha cabeça lateja sem parar. Tenho certeza de que o meu cabelo está um ninho e me verifico por um momento no espelho sei que posso matar um com o susto, porém, o som da campainha volta a soar de modo ruidoso, me lembrando de que foi o motivo para que caísse da cama, desabando do meu sonho embriagado.

Ajusto a barra da camisa e verifico o quarto procurando por meus shorts, mas não o encontro. Vou matar Kitty por estar vindo a minha casa tão cedo depois de ter deixado que me enchesse de álcool, é como um crime. Que amiga faz uma coisa dessas? Caminho meia cambaleante e abro a porta em um rompante.

— Que porra Kitty, depois de toda aquela merda deveria me deixar dormir. — Abro meus olhos com um tiquinho mais de força me questiono o motivo dela não me xingar de volta por não me empurrar para abrir seu caminho para dentro da minha casa e depois de ver que a pessoa na minha frente não é a minha amiga perco todo o controle, dando dois passos para trás para pensar para onde devo correr primeiro.

— Ah, sinto muito, cheguei cedo? Nosso contrato começa hoje. — O quê?

Sem nem pensar bato a porta na cara do estranho, com força, ouvindo o travar da tranca com certa felicidade, me agoniando em seguida por perceber que provavelmente agi como uma doida na frente de alguém que se perdeu.

O som da campainha toca novamente e me apresso em enfiar os dedos em meu cabelo para fazer com que os fios se mostrem como algo diferente de um ninho de pássaros, ao passo que peço para que a pessoa suma, porque não sei se tenho o mínimo de capacidade de olhar em sua cara sem morrer de vergonha.

Insistentemente o som não cessa e temendo que os vizinhos reclamem do barulho abro a porta. Por que diabos alguém tinha que cometer esse erro logo na minha porta?

Me amaldiçoo no momento em que escancaro a porta, pois um sorriso matador está plantado no rosto do sujeito, como se pudesse comprar a minha sanidade com apenas isso, e céus, o álcool deve estar me deixando doida, porque é claro que tem alguma coisa se revirando dentro de mim ao seguir o contorno de sua boca para analisar o sorriso que mostra.

É como se toda a sua face tivesse um encanto que me leva do céu para o precipício.

— Sinto muito, estou procurando por Kendra Michel Kyork — fala meu nome inteiro somente para que saiba que está aqui por mim, porque é óbvio por sua expressão que me reconheceu de algum lugar, mas de onde? E por que alguém viria à minha casa? Não dou o endereço a qualquer um, odeio perder minhas ideias devido a interrupções desnecessárias. — O endereço que informaram é este.

— Sou eu — asseguro, como se não estivesse escrito na sua cara que sabe muito bem que está no local certo. — O que tem para me entregar? Não vejo nada nas suas mãos, nem parece com um entregador. — Que tipo de entregador seria ele quando se veste desse modo, como se quisesse mostrar que pode chamar a atenção do mundo inteiro.

Não deveria ficar olhando, é ainda mais constrangedor do que bater a porta na sua cara.

Porém, não consigo evitar, estou olhando cada traço de seu rosto pensando em como os descreveria, como diria que seus olhos são como dois frutos maduros que te fazer salivar, como seus lábios aparentam ser macios como uma sobremesa deliciosa, como os fios do cabelo parecem ter sido iluminados pelo sol.

Eu deveria ter parado, mas antes que consiga eu vejo...

Um sorriso destruidor de corações se posta em sua face ao ajustar sua posição para erguer a mão para mim como se pudesse iluminar meu dia com um único toque, com um sorriso um pouco torto que é perfeitamente imperfeito.

— Sou o seu pacote senhorita Kyork. — Por um momento muito breve me vi fechando a porta na sua cara de novo, mas contive o impulso somente porque ainda estava presa demais no sorriso do bastardo que está tirando a minha sanidade logo cedo.

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