Marcos— Talvez eu tenha descoberto a forma de você se vingar de Fabiana — digo durante o jantar.Alice me olha empolgada e meus pais dão aquele olhar reprovador.— Ela quer trabalho. Pensei em ela ser sua assistente pessoal. O que acha?— Humm... — ela bate palmas sorrindo. — Adorei. Pode mandar começar amanhã.— Ela também que alojamento para ela e o filho...— Dá um quarto. Quero essa coisinha perto para atormentá-la dia e noite.Dou de ombros. Alice não sabe o quanto está facilitando as coisas para mim.— Vocês vão se arrepender. Escreva o que digo — nosso pai fala com seriedade. — Eu não criei meus filhos para serem cruéis. Sei que vocês têm coração gentis.— Pai, eu só vou mostrar para ela que não pode destruir a vida de alguém e sair ilesa.— E ainda vai dar o que ela quer, alojamento e emprego — completo a fala da minha irmã.Nossos pais apenas balançam a cabeça negativamente. Para não irritá-los apenas voltamos a falar sobre Fabiana depois que eles vão para casa.— Pensei em
FabianaFomos instalados em um quarto de hospedes. Marcos informou que colocaria uma cama de solteiro para o Will e que poderíamos deixar o lugar com a nossa cara.Meu pequeno adorou o espaço novo. Ficou pulando de um lado para o outro. Dormimos cedo, depois de jantarmos sozinhos na cozinha onde muitas vezes parei para dar oi a Dona Aurora. Apesar de me sentir estranha nessa situação, confesso que foi a melhor noite de sono que tive em anos. Sem os gritos histéricos de Carla sobre odiar ser pobre, sem os resmungos dos meus pais e a avós por noticias dos meus irmãos, sem o velho Bento e suas ordens. Sem contar que uma cama confortável faz toda diferença.Na manhã seguinte, assim como combinado, deixei Will com Carmelita e voltei para a fazenda. Hora de começar o trabalho.Encontrei Alice na sala. Ela usa um pijama de seda lilás. Continua linda e com o rosto de boneca que sempre teve.— Bom dia! — cumprimento.— Bem na hora. Sirva o meu café. — Ela não devolve o cumprimento, apenas orde
Dona AuroraNão gosto de ver meu filho assim. Ele está arrasado desde que a menina Fabiana terminou o namoro e fomos embora antes mesmo deles terminarem o ano na escola.E agora tem meu marido com essa dor lombar que o impede de trabalhar. Sei que agora não precisamos, mas ele fica irritadiço por não poder fazer o que gosta, que é cuidar dos animais. Os médicos já avisaram que ele não vai mais poder trabalhar pegando pesado, não podemos arriscar que piore.O vejo triste de um lado por isso, e do outro vejo meu filho destruído por não conseguir perdoar. O único momento em que ambos sorriem feito palhaços é quando o menino Will está entre nós. O pequeno virou a paixão do meu marido, que adora passar o tempo brincando com o menino.Eles eram tão jovens quando tudo aconteceu. Agora estamos bem, e é doloroso ver meus filhos com essa tal vingança.— Está pensando em que, mãe? — Alice pergunta. Estamos todos reunidos no almoço de domingo.— Em perdão.— Ah nem vem — ela resmunga.— Filha, vo
FabianaEm algum momento nos últimos segundos tudo desandou. Eu estava servindo Alice, ela começou a questionar o passado, sem me deixar explicar, estava fora de si, quando dei conta já estava com o rosto ardendo pelo tapa e ouvindo meu filho gritar e vir correndo.— Não pode bater na mamãe. — Ele chora e bate com o cavalinho de pelúcia em Alice, que não sabia como agir.— Calma, garoto. — Marcos pegou ele no colo, que continuava esperneando.— Não gosto dela. Não gosto desse cavalinho feio. — Ele joga o brinquedo nos pés de Alice. Os olhos dela se enchem de lágrimas.— É melhor vir comigo, Fabiana.Meio atordoada com o que acabou de acontecer, sigo Marcos para fora da casa, parando na varanda.— Me dá o meu filho. — Estendo os braços, me segurando para não chorar e deixar meu pequeno mais estressado.Estou tão cansada dele presenciando cenas assim, tão cansada de ver meu filho vir em minha defesa quando eu é que deveria protegê-lo. Achei que sair da casa do velho Bento mudaria nossas
MarcosParecia uma ótima ideia enquanto eu estava dirigindo com um Will animado com o passeio. Parecia uma ótima ideia enquanto circulava com ele pelo povoado e assinava os papéis de adoção que paguei para ter. Parecia uma boa ideia... Mas não era. Eu vi isso no olhar de Fabiana. Eu vi a mágoa e quis voltar no tempo e desfazer o que agora vejo que foi uma loucura.Felizmente consegui ampará-la antes que caísse no chão com o filho nos braços.— Mamãe...O menino me olha com lágrimas nos olhos quando o coloco no chão e mantenho Fabiana em meus braços.— Ela dormiu, pequeno. Estava cansada.— Dormiu? — ele não parece acreditar muito.— Sim. Vamos colocá-la na cama, o que acha?— Tá bom.Sigo devagar em direção as escadas. Fabiana em meus braços e Will segurando a barra da minha camisa.Em nenhum momento penso em levá-la ao próprio quarto. A coloco na minha cama, onde o garotinho sobe e deita com ele, alisando seu cabelo. Essa cena me faz ver o que busquei todos esses anos. A minha famíli
AliceFabiana era minha melhor amiga. O meu maior amor. O que eu sentia por ela — e ainda sinto — é inexplicável, como se fossemos almas gêmeas.Mas agora mal consigo olhar para ela. Sempre que a vejo ou sequer ouço seu nome, lembro do som da sua voz dizendo aquelas coisas sobre mim no rádio, me lembro da decepção no rosto dos meus pais. Mil vezes preferiria que ela nunca tivesse me ajudado com Edvaldo, se aquele seria o desfecho.Dói ter visto minha família quase desmoronar. Mas o que mais dói é a sensação de traição da pessoa que se ama. Frequentemente tenho pesadelos com a sua voz. Ela me quebrou. Tirou de mim a capacidade de confiar, minguou meus sorrisos. Me tornei uma casca, assim como meu irmão.Ela é uma bruxa... Então por que essa dor em meio peito toda vez que faço uma pequena vingança? Quando ordeno que massageie os pés da pessoa que ela mais odiava... Por que o tapa em seu rosto doeu como uma facada em meu peito?Os cacos do meu coração se espatifaram ali. E foram lançados
Fabiana— Vim buscar o meu filho — informo quando um empregado me atende na porta da casa principal da fazenda dos pais dos Castro.— Oi, criança! — a mãe de Marcos entra na sala com um sorriso gentil. — Entre. Estamos lanchando. Vem comer com a gente.— Eu espero aqui.— Que bobagem. Vem. — Ela segura meu braço e vai me puxando para cozinha.Não resisto. Tenho medo de forçar e acabar machucando a senhora.Quando entramos na cozinha, vejo Will sentadinho em uma cadeira infantil. Tem tanta comida na mesa a sua frente que até me assusto.— Mamãe! — chama sorrindo com a boca suja de chocolate.Obedecendo a senhora Castro, me sento à mesa e provo do bolo de chocolate.— Meu marido estava aqui com nossos amigos, mas saíram correndo pra comprar um cavalinho pra esse pequeno.— Um cavalinho de verdade. — Meu filho bate palmas.Franzo o rosto, sem entender. Não é possível que estejam falando de cavalo de verdade.— Outro pelúcia?A senhora sorri.— Não. Um potro pra crescer junto com meu neti
FabianaNem preciso dizer o quanto desmoronei quando Dona Aurora disse: “A partir de hoje, você é minha filha.”Senti verdade em suas palavras. Quando vi já tinha contado toda merda que vivi, inclusive o dia em que procurei ajuda na polícia ao ser agredida e riram de mim. Pense em uma senhora brava que queria ter uma conversinha com o pessoal da delegacia. Mas eu achei melhor não. Chega de confusão.Depois de algumas horas, o senhor Castro chegou com um cavalinho preto e foi uma festa. Por ser um homem de poucas palavras, ele apenas acenou com seu chapéu de palha para mim. Digamos que ele é assim com todos, exceto com o pequeno neto tagarela. Estou vendo meu filho com expressão séria escutar toda a explicação sobre como cuidar do animal e como ele vai crescer.— Fabiana! — olho na direção da voz conhecida e vejo Alice.Automaticamente me lembro de vê-la chorar. Será que ela está bem? Para não gerar conflito e Will presenciar outra cena, nem questiono. Trato de agir como a serviçal d