MarcosAlice já saiu. Disse que ia passar na casa de uma amiga para irem juntas a escola. Meus pais também já foram trabalhar. Eu vou depois da aula.Estou saindo quando vejo meus pais entrando na casa. Isso é estranho. Nesse momento, eles já deviam estar trabalhando.— Por que voltaram? — ao me aproximar vejo que minha mãe está com os olhos vermelhos de quem chorou e meu pai parece ter envelhecido dez anos. — O que aconteceu?— Nos demitiram sem nenhuma justificativa e disseram que nem vão pagar nada, nem mesmo os dias trabalhados desse mês. — Meu pai responde.— Por minha causa? Por eu...— Não sabemos. — Ele me interrompe. — Mas você também foi demitido. Mandaram avisar para não colocar os pés na fazenda e devemos desocupar essa casa imediatamente.Estou nervoso pra cacete, encurralado, sem saber como consertar isso. Não pensei que fosse acontecer tão rápido, nem tive tempo de pensar em possíveis saídas.— Isso não pode estar acontecendo. — Minha mão vai parar no cabelo, apertando
Cinco anos depois.MarcosHoje faz cinco anos que saímos da fazenda Raio de Lua como escorias, depois da mentiras de Fabiana e de muitos nos virarem a face. Ainda tentamos nos reerguer e procuramos ir para a escola e procurar emprego nas fazendas vizinhas, mas ninguém tinha nada a oferecer, era uma época ruim mesmo, e na escola Alice não aguantava mais as fofocas e os olhares, mesmo que suas verdadeiras amigas ainda estivessem com ela. No época não vi mais Fabiana. Alguns diziam que ela voltou para a cidade grande. Aquela traidora. Nunca pedimos para ele se meter nos problemas da nossa família, mas ela foi lá e deu uma de santa, para depois nos apunhalar pelas costas.Por causa de tudo que estava acontecendo e pelo fato de estarem nos ameaçando despejar todo dia, consegui contato com meu padrinho e ele deu a ideia de saímos do país. Conhecia uma pessoa que precisava de trabalhadores em uma fazenda de café na California. E ele fornecia a passagem e alojamento. Entraríamos como iligais,
FabianaHoje faz cinco anos que os Castro se foram. Não tive contato com eles, apenas uma carta que mandei para Alice pelas mãos do padrinho do Marcos. Nela contei tudo e pedi perdão. Nunca tive respostas.Minha vida se tornou um verdadeiro inferno. Meus pais perderam tudo e vieram para a fazenda, onde passo o dia todo ouvindo que sou o motivo pela desgraça da família. Não terminei o último ano, muito menos fiz faculdade. Na escola passei a ser escoria. Algumas meninas até mesmo me bateram. Tive que desistir. Não conseguia estudar. Quando pensei em ir embora, estudar e trabalhar em algum lugar fui impedida pelos meus pais, que me obrigaram a trabalhar na fazenda para pagar meu teto e minha comida. Muitas vezes tentei fugir e recomeçar, mas sempre era arrastada de volta, só para ficar pela casa ouvindo o quanto sou imprestável.E agora isso. Eles querem que eu me case com um cara asqueroso. Um velho de quase sessenta anos que passa as noites bêbado em um bordel.Querem que eu me case c
Marcos— Não acredito! Vamos mesmo voltar? — minha irmã pula de um lado para o outro.— Pode acreditar. Está tudo acertado. Comprei a fazenda que fica ao lado da dos Medeiros e comprei a dos Medeiros.Meus pais me olham confusos e minha irmã se adianta perguntando:— Como assim comprou a deles? Eles venderam fácil assim?Dou de ombros.— Na verdade, eu nem pensei em comprar. Meu advogado que acabou descobrindo que eles queriam vender. Os filhos herdeiros que venderam. Estava no nome deles mesmo.Por um momento me perguntei por que eles venderiam, se Fabiana tinha recebido a herança pela qual nos trocou, mas afastei esses pensamentos. Não é problema meu.— Eles reconheceram você? — Dona Aurora pergunta.— Não tive contato. Foi tudo através do meu advogado.— Maravilha! Eu quero ir logo. E quero ficar com o quarto que era dela.— Filha!— O que, mãe? Eu nunca vou esquecer o que aquela garota fez comigo. Por causa dele não consegui me relacionar e confiar em ninguém. Não importa quantos
Fabiana— Meu Deus, Will! — abraço meu pequeno com força, enquanto vários carros pretos e com vidros escuros passam levantando poeira. — Quase mata a mamãe de susto.— Desculpa, mamãe. — Ele chora. Afinal, o jeito como corri e o puxei com medo que fosse atropelado também o assustou.Estávamos indo até a casa do Gabriel. É seu único amiguinho. O único que os pais não se importam que seja meu filho.— Tudo bem, querido. A mamãe só ficou com medo que se machuque. Não precisa chorar. Vamos animar. Gabriel está esperando para brincarem muito.Limpo o rostinho dele e logo meu filho está correndo novamente, esquecido que quase correu para a rua.Fico atenta. Aqui costumava ser muito parado, mas com as mudanças nos donos das fazendas muita coisa tem acontecido.Nos últimos anos muita coisa aconteceu. Naquele dia em que tentei me matar, um empregado me encontrou e eu acordei no hospital, onde descobri que estava grávida. A partir daquele dia eu parei de lamentar e escolhi lutar para dar ao meu
MarcosPela janela, observo a quantidade de gente circulando no ambiente decorado na frente do casarão.Eu fiquei com o quarto dos avós de Fabiana, enquanto Alice ficou com o quarto dela. Ela mandou trocar tudo. Ali não tem mais nenhum traço das noites em que visitava sorrateiramente a primeira garota que amei.O quarto dos velhos também mandei mudar. Na verdade toda a casa foi redecorada. Qualquer traço que um Medeiros já morou aqui sumiu.Meus pais não quiseram morar aqui, preferiram a outra fazenda. Eles não têm nenhum desejo de vingança, como a Alice. Nem o desejo maldito de ver aquela mulher, como eu.Busco ela com o olhar entre as pessoas que circulam, mas só vejo seus familiares, principalmente Carla que se destaca pelo vestido ousado no clima frio dessa noite.— Chegou a hora, irmão. Já vão nos anunciar.Viro para a porta ao ouvir a voz de Alice.— E nossos pais?— Não vão participar da grande aparição. Só querem acabar logo com isso para reverem os amigos.— Então vamos acaba
MarcosDepois de voltar da cidade, onde deixei o material do exame, estou andando perto do lago e pensando em tudo que mudou na minha vida quando vejo dois garotinhos correndo. Um deles é o filho de Fabiana.— Onde estão as mães de vocês? — pergunto me aproximando.— Não responde, Biel. Mamãe não deixa falar com estranhos. — O filho de Fabiana vai logo se colocando na frente do outro, como se pretendesse proteger.Sorrio da sua ousadia.— Sua mãe também deve ter dito para não correr por ai escondido, não é?Ele me olha desconfiado. Não responde nada. Logo ouço gritos desesperados pelos nomes dos garotos.— É melhor voltarem. As mães de vocês devem estar preocupadas.O pequeno Will segura na mão do amiguinho e corre para longe.Só essa pequena interação aqueceu meu coração, me fazendo desejar ainda mais ser pai desse menino.Quando volto para casa, faço uma investigação sobre o dia a dia do garoto e descubro que ele fica muito tempo na casa de Carmelita, que aquele amiguinho é o Gabrie
FabianaEstou sentada diante da única amiga que me restou. Carmelita.— Pela sua cara você já sabe — ela comenta colocando um copo de café fresquinho na minha frente.— Eles chegaram de madrugada em alvoroço. Sei. Ele está aqui. Ele é o dono de tudo isso.Suspiro. Carla chegou fazendo o maior barulho. Minha sorte é que Will tem um sono tão pesado que às vezes até me assusta. Ele continuou dormindo tranquilamente. Já eu... passei a noite em claro, mesmo depois que eles se calaram.— Parece tensa. Por que? É sua chance de esclarecer as coisas. Sei que isso tudo é uma bagunça, você agora está casada... mas tem um filho juntos.— Ele disse que você é uma sem noção interesseira se acha que vai acreditar que o filho é dele. — Suspiro novamente, lembrando da risada debochada. — Foram essas as palavras da Carla quando chegaram da festa.Carmelita franze o rosto.— Aquela víbora já foi fazer picuinha.— Pois é. Não sei se tenho coragem de encará-lo. Ele sabe sobre Will, mandei carta há anos.—