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Aula de educação física/A primeira reunião

- Eles estão sem camisa! Não posso jogar com eles...

- Oh, esperta! Olha ao seu redor, tem outra menina jogando futebol?

- Ah, não! É verdade. – Dei um sorriso e me coloquei na linha da zaga.

Entramos intervalo adentro jogando, eu acabei saindo logo em seguida, pois havia um número considerável de meninos querendo jogar. Juntei meus sapatos, minhas meias e fui até uma torneira que fica perto de um banco para poder lavar meus pés e esperá-los secar sem ter que caminhar muito para não sujá-los novamente.

- Você pensou sobre o grupo cultural?

Veio um dos meninos de outra turma falar comigo.

- Ainda não havia pensado nisso, na verdade, eu já havia até esquecido disso! Mas eu acho que vocês podem criá-lo sem mim. Já estou achando que tenho coisas o suficiente para me preocupar.

- Você pode só participar. Hoje todos nós teremos educação física durante a tarde, podemos usar os períodos que ficaremos sem fazer nada para conversarmos sobre o projeto.

- Até de tarde eu dou uma resposta.

- Certo. Mas pense bem e com carinho no assunto.

“Gente, maluca”!

Voltamos para a sala de aula, agora seriam dois períodos de história, parecia que os ponteiros do relógio estavam grudados, a hora não passava, e assim foi se arrastando até chegar a hora de sair.

- Você irá almoçar aqui?

- Aqui? Não tem onde almoçar aqui!

- Força de expressão. Onde você irá comer?

- Sei lá!

- Vamos lá para casa, minha mãe deixou comida pronta.

- Quem irá junto?

- Iremos só nós duas. Esqueceu que só você mora longe?

- Está bem, vamos então!

Nós duas saímos para almoçar na casa da Grenda. Chegamos e demos de cara com o irmão mais velho dela, Windson, nem nos olhou, passou reto como se nós duas não existíssemos.

- Esqueci-me que ele vem almoçar, justo nesse dia!

- Ele é sempre tão simpático assim com as suas amigas?

- Só com as que ele gosta! Geralmente ele some antes delas entrarem.

- Ah! Ainda bem que ele gostou de mim.

- Vem, vamos comer. Daqui a pouco ele irá trabalhar, nós podemos deitar um pouco antes de sair.

- Você costuma dormir de tarde?

- Você não?

- Não, eu fico assistindo desenho.

- Desenho?

- Sim, é só isso que não tira minha concentração para poder estudar.

- Você pode ficar aqui na sala, se preferir.

- Não, eu posso deitar um pouco.

Estávamos terminando de lavar a louça.

- Estou saindo, feche a janela da sala quando sair.

- Tchau, irmão dela!

Ele sorriu. – Tchau, amiga dela!

- Eu disse, ele gostou mesmo de você!

Nós duas fomos deitar um pouco. Grenda acabou dormindo e eu fiquei lendo até a hora de nos arrumarmos para sair, eu na verdade já estava pronta, só tinha que escovar os dentes. Fomos até a escola tocando as campainhas e saíndo correndo, uma atitude muito madura para duas jovens do ensino médio. Chegamos na escola suadas e rindo do nosso ato de rebeldia.

- O aconteceu com vocês duas? Estavam fugindo da polícia?

Neste exato momento passou uma viatura na frente da escola. Nós duas começamos a rir e nem respondemos para o Clayton, apenas o deixamos parado na entrada do portão da escola. Enxerguei o colega da outra turma e lembrei que não havia dado a resposta para ele sobre o grupo artístico.

- Keisla, você esqueceu-se de me responder.

- Esqueci nada.

- Mas você não me respondeu no final da aula.

- Eu teria esquecido caso eu tivesse me lembrado de pensar sobre o assunto em  algum momento da manhã.

- Você não lembrou?

- Nunca mais... Mas se vocês não me exigirem muito, eu topo.

- Feito.

Ele esticou a mão para selar o acordo, eu segurei a sua mão apertando-a. Eu realmente não entendia muito esse povo daqui, mais parece que eu faço parte de um outro mundo. Eu não estou acostumada com a popularidade e a gentileza. Eu estava voltando para junto da Grenda quando chegaram uma menina e um menino do segundo ano da tarde.

- Você deve ser a menina nova que disseram que conheceu a diretoria na segunda semana de aula. A que tem o nome bonito.

Isso deve ser zoação, todos falam do meu nome. Clayton veio gritando no saguão.

- É ela!

- Se ele disse, então sou eu!

- Ela é a Keisla.

- Oi Keisla, eu sou a Louis e este é o Evans. Nós somos do Grêmio Estudantil e estamos formando a chapa para concorrer este ano, e precisamos de um tesoureiro, você aceita fazer parte da nossa chapa?

- Por que eu?

- Você é a líder da sua turma, certo? Estamos escolhendo apenas responsáveis para trabalhar conosco, e o Clay nos falou que você é muito responsável.

- Certo, se iremos concorrer quer dizer que ainda terá uma eleição, e a possibilidade de não ganharmos é dividida em percentuais iguais para todas as chapas que irão concorrer, se forem duas é de 50%. Está bem, eu aceito! Quantas chapas têm concorrendo?

- Seremos a única!

Arregalei meus olhos. – A única?

- Claro, você acha que as pessoas querem trabalhar?

- Posso voltar atrás na minha resposta? Eu também não quero trabalhar!

- Mas você já aceitou. Iremos fazer nossas reuniões nos intervalos em que todos os alunos se reunirem no mesmo período, não se preocupe, já sabemos que você mora longe da escola.

- Ah! Obrigada pela preocupação. Vocês são muito compreensivos.

- Contamos com você!

Quase fiz aquela brincadeirinha com eles, mas não achei apropriado para o momento. Apenas acenei a cabeça e me dirigi para junto das meninas. Estava de frente para a escada do corredor onde fica a sala dos professores, e adivinha que eu vejo, o professor de matemática, Otávio, acenei para ele que correspondeu acenando também.

- Kei, você está acenando para quem?

- Para o professor Otávio, por quê?

- Atá, achei que havia endoidado de vez! Vamos para a quadra ver se dá para jogar vôlei.

- Eu irei sentar um pouco lá embaixo da árvore.

Chegamos na quadra e para minha tristeza o banco estava ocupado pelos mais velhos, mais exatamente pela chapado Grêmio. Sentei no chão da quadra enquanto as meninas ficaram em uma rodinha jogando vôlei.

- Vem sentar conosco lá embaixo.

Ele esticou a mão para me ajudar a levantar. Apoiei a mão no chão, me impulsionei e levantei batendo uma mão na outra para tirar a sujeira. Segui em silêncio até onde eles estavam sentados. Um dos meninos levantou dando o lugar para mim. Ali naquele momento eu estava me sentindo totalmente deslocada, a menina que eu não me lembro mais o nome me apresentou para os outros, fiquei escutando os nomes que entrara em um ouvido e saíram pelo outro.

- KEI! VENHA!

Nunca fui tão crente devotada como naquele momento, agradeci até ao “Chapolin Colorado”! Levantei pedindo licença e saí correndo sem olhar para trás. Passei o braço por trás do pescoço da Adyne.

- Obrigada.

- Tá! Mas o que eu fiz?

- Me chamou para jogar.

Fiquei ali fazendo de conta que estava jogando até começar a aula de educação física, que por ironia do destino, ficamos jogando até ir embora.

Cheguei em casa muito cansada. Tomei um banho, terminei as tarefas e acabei indo deitar sem ao menos esperar meu pai chegar em casa.

                                                                         ***

A primeira reunião

- Professor! Pode me tirar dúvida?

Otávio estava passando no saguão da escola.

- Você não tem aula agora?

- Não, a professora não veio.

- Certo, me espere aqui, Keisla. Irei largar minhas coisas na sala dos professores e já volto.

- Eu ficarei sentada ali no banco.

Eu estava completamente sozinha, acho que até meus colegas que não precisam pegar ônibus se privilegiaram da grave. Fico pensando, se eu que moro há uma hora daqui dei um jeito de vir à aula, por que eles que moram menos de dez minutos não podem vir?

- Como soube que eu não teria aula agora?

- Não tem ninguém na sala de aula, imaginei que o senhor não iria entrar em uma sala vazia.

- Verdade, não iria entrar sozinho na sala, mas agora estarei acompanhado por você! Vamos até a sala. Tem mais alguém que precise de explicações?

Levantei meu rosto e olhei-o. Dei um sorriso.

- O senhor realmente é muito otimista, professor! Adivinha o que os poucos alunos que se atreveram em vir até a escola estão fazendo.

- Você se importaria se eu os chama-se na quadra para tirar as dúvidas de todos?

- Eu não! Só que eles não gostaram muito quando eu falei que iria esperar o senhor e acabaram me deixando sozinha para irem jogar futebol.

- Irei tentar mesmo assim já que não se importa.

- Irei esperá-lo na sala. Boa sorte!

Estava chegando na porta da minha sala de aula.

- Você é muito estupida, Kei!

Falou um colega que estava escorado no muro do corredor pela parte de fora.

- Eu fui estupida com você? Desculpe, mas não me lembro nem de ter falado com você hoje!

- Não é este tipo de estupidez, sua tapada! Estou falando de burra...

- Especifica então, infeliz! E por que sou burra?

- Achou mesmo que o Otávio daria aula particular para você?

- Eu não pedi aula particular. Eu solicitei explicações da matéria, eu não tenho culpa dele achar que todos merecem ter o mesmo privilégio que eu.

Meu colega riu.

- Você é no mínimo interessante! Deveria ser estudada pela ciência...

- Obrigada, agora deixe-me entrar, pois pelo visto terei uma aula particular.

- Vamos, Keisla! Pegue uma cadeira, eu irei pegar uma classe para colocar aqui no corredor, já que seremos somente nós dois e está muito quente lá dentro.

Larguei minha mochila no chão para buscar a cadeira. Ficamos quase um período conversando e rindo. Eu já havia fechado meu caderno há alguns minutos. Ele me olhou.

- Mais alguma dúvida?

- Não! Acho que eu entendi. Obrigada.

- Irei arrumar as coisas no lugar, você pode ir que eu guardo sua cadeira.

- Sim, professor!

Guardei meu caderno e minha lapiseira roxa. Coloquei a mochila no ombro aproveitando o impulso para sair correndo e pular os três degraus que havia na entrada do corredor. Esbarrei no vice-presidente do Grêmio.

- Que pressa! Está fugindo da aula?

- Oi. Não estava apenas aproveitando o impulso que tomei.

- Você se machucou, bateu com rosto no meu ombro.

- Estou bem. O que faz aqui?

- Estava indo falar com você, hoje teremos nossa primeira reunião do Grêmio. Deixe eu ajudá-la. - Ele pegou minha mochila. Fiquei olhando-o. – O que você carrega aqui, menina? Tijolo?

- Não, cimento!

Ele parou e me encarou.

- Você não está falando sério, né?

- Por que não?

- Acho que nem você é maluca o suficiente para carregar cimento na sua mochila.

- Olha quem fala de maluquice, vocês montaram uma chapa, fizeram votação com apenas a opção de escolha, não pude nem protestar anulando meu voto. E ainda acha que eu sou o problema.

- Espere, aonde você vai?

- Comer! Estou com fome e a professora Carmem não deixa ninguém se alimentar na aula dela.

- Não deixa o que?

- Fazer alimentação...

- Está bem, não irei discutir com você. Mas bastava dizer que ela não deixa comer na aula dela.

- Sei! Mas onde você está indo?

- Estou acompanhando você! Depois irei embora já falei com todos que precisava.

- Pode ir. Me devolva minha mochila.

- Você ficará aqui?

- Sim! Eu trouxe o meu lanche. – Ele ficou parado alguns minutos de pé na minha frente. – Pronto, já pode ir. O que está esperando?

- Você pegar seu lanche, estou curioso para ver o que você come!

- Está bem! – Abri minha mochila e puxei um potinho. – Quer? São frutas...

- Você realmente é muito diferente das meninas daqui. – Ele falou rindo, pegou uma uva, colocou na boca e saiu. – Até à tarde!

- Até!

Fiquei comendo enquanto escutava meu walkman, amarelo, a maior tecnologia com auto reverse, a melhor companhia para uma adolescente no ano de 1994. Gravar as músicas de uma rádio de pagode em uma fita regravável.

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