Um: Quando o Cão Rouba a Cena (Literalmente)

NICOLAS

Atualmente

Hoje é o grande dia: a inauguração do hotel dos Witcaster.

Acordo com o som abafado do alarme ao lado da cama, o barulho de Nova York já começando a preencher o apartamento. O relógio marca seis e meia da manhã, e eu me sento, esfregando os olhos enquanto tento ignorar as buzinas que parecem gritar do lado de fora do prédio.

Preciso acordar de verdade.

Levanto-me, indo direto para o banheiro. O espelho me encara de volta, e, por mais que o dia seja importante, a exaustão das últimas semanas está estampada em meu rosto.

Abro o chuveiro e deixo a água fria cair sobre mim. O choque da temperatura me desperta por completo, afastando qualquer resquício de sono. A água desce pelos meus ombros, me trazendo de volta ao presente, lembrando-me das responsabilidades que me aguardam. Após alguns minutos, saio do banho sentindo a pele arrepiada, mas a mente afiada. Hoje, nada pode dar errado.

Volto para o quarto e abro o armário. Pego um conjunto todo preto — uma calça social ajustada, uma camisa simples e sapatos brancos. O uniforme do hotel só vou vestir mais tarde. Por enquanto, essas roupas serão suficientes para tomar uma bela xícara de café.

As risadas abafadas e o tilintar de louça na cozinha me informam que Dylan já está acordado, como sempre. Quando me levanto e vou até a sala, o vejo preparando algo no fogão.

— Ei, dormiu bem? — ele pergunta sem me olhar, mexendo uma frigideira.

— Melhor que o esperado, pra ser honesto — respondo, puxando uma cadeira para me sentar.

Dylan sorri de canto, ainda concentrado no que está fazendo. Ele é mais matutino do que eu jamais serei. Mesmo com as tensões do último semestre na NYU e as dificuldades de dividir a vida entre os estudos e o trabalho, ele sempre parece energizado.

Com o cabelo preto, ligeiramente bagunçado, e aqueles olhos profundos que brilham com entusiasmo, ele é impossível de ignorar. Hoje, ele está com uma camiseta justa que realça seu físico atlético e uma jaqueta jeans que roubou do meu armário.

— Grande dia hoje, hein? — ele comenta, me passando um prato com ovos mexidos e torradas.

— Nem me fale. — Aceito o prato, tentando não pensar muito no fato de que todos os olhos estarão voltados para o hotel. — Vai ser um evento e tanto.

— Você tá nervoso?

Dou de ombros, mastigando uma torrada.

— Nervoso não. É mais... a pressão, sabe? Thomas confiou em mim. Não posso desapontar.

Dylan ri baixinho e dá um gole no café. Ele sempre parece imune ao nervosismo que ronda a maioria das pessoas.

— Você? Desapontar? Vai ser um sucesso, Nico. Todo mundo sabe disso.

— Não sei, não.

— Vai ser incrível, Nico. Você trabalhou duro pra isso. E eu sei que não é o tipo de cara que vacila quando as coisas ficam sérias.

Dou um meio sorriso. Ele tem razão. Trabalhei arduamente para garantir que tudo no hotel estivesse impecável

— Além do mais, ela vai estar lá.

— Ela? — Franzo o cenho, me fingindo de desentendido.

Mas não consigo enganar meu melhor amigo.

— Você sabe de quem estou falando.

— É, sei, sei. Mas não importa. Ela não se lembra de mim.

Ele balança a cabeça, pensativo.

— Talvez ela só esteja fingindo que não lembra, pra ver como você reage — sugere ele, com aquele tom típico de quem adora teorias.

— Ou talvez — respondo, jogando as migalhas de pão no prato —, ela só me esqueceu. Acontece, né?

Dylan sorri de forma encorajadora.

— Ela não te esqueceu, Nico. Ela só precisa de um empurrãozinho pra lembrar.

Balanço a cabeça, tentando não me deixar levar pela conversa. Por mais que eu quisesse acreditar nisso, a realidade é que nove anos fazem uma diferença imensa. Louise mudou, eu mudei. Hoje, somos praticamente estranhos.

— De qualquer forma — continuo, mudando de assunto —, o foco de hoje não é isso. Preciso garantir que tudo esteja perfeito.

Conversamos mais um pouco sobre o evento, mesmo tentando não pensar nela. Que imbecil continua pensando em uma garota depois de nove anos? Reviro meus olhos, tentando ignorar os meus pensamentos. Assim que termino o café, olho para o relógio.

— Tenho que ir. Preciso chegar lá cedo. A maioria dos funcionários vai estar chegando agora.

Dylan acena com a cabeça, me desejando boa sorte enquanto eu pego meu casaco e saio do apartamento. Hoje será longo, mas estou pronto.

Assim que chego ao hotel, cumprimento alguns funcionários novos que chegaram antes de mim. O lobby ainda está calmo, mas em poucas horas estará repleto de convidados ilustres. Atravesso os corredores até chegar ao andar debaixo, onde os funcionários têm seus espaços.

Há um quarto exclusivo para mim, reservado por Thomas, onde posso me trocar com tranquilidade. Lá dentro, abro o guarda-roupa e vejo o uniforme esperando por mim: um terno preto clássico, elegante, acompanhado por uma gravata vermelha.

Os sapatos são a parte mais marcante. Sapatos italianos de couro, de uma linha de moda dos meus pais. Thomas achou que eu me sentiria confortável com algo que remetesse à minha família, e ele estava certo. Eles são impecáveis, a sola macia, o design elegante. Faço questão de amarrá-los com cuidado antes de me levantar e me observar no espelho. O visual está completo. Profissional, porém com um toque pessoal. Isso é importante hoje.

Eu posso até ter me afastado da minha família, mas não muda o fato de que continuo os amando. Eles podem até ter uma visão de mundo completamente diferente da minha, mas são meus pais.

Uma última olhada no espelho, ajustando a gravata, e estou pronto.

Saio do quarto pronto para enfrentar o que vier. Passo as próximas horas supervisionando os preparativos, garantindo que tudo esteja nos conformes para a chegada dos convidados. O time de segurança, os recepcionistas, os garçons... todos parecem prontos. Cada detalhe importa, e eu faço questão de verificar tudo.

À medida que o horário da inauguração se aproxima, as primeiras celebridades começam a chegar. Cumprimento magnatas da indústria, estrelas do cinema e figuras importantes da moda. As câmeras dos paparazzi clicam incessantemente, e eu mantenho a postura, sempre atento, ajudando os funcionários e supervisionando o evento.

A maioria deles me conhece, porque cresci no meio deles. Meus pais são tão ricos quanto eles. Mas com o meu uniforme e os meus anos afastados da mídia, hoje me tornei um desconhecido. Em partes isso é muito bom, já que não preciso de esforçar pra tentar ser perfeito. Mas hoje, me sinto humilhado por algumas dessas pessoas. Elas me tratam mal. E eu sou o gerente. Imagina com os outros funcionários?

Criei laços com a maioria das pessoas que trabalham aqui. Será que as pessoas mudariam a atitude se soubessem quem eu realmente sou?

Entre os rostos conhecidos e os flashes das câmeras, vejo Louise entrando no salão com suas amigas. O vestido fúcsia tomara que caia brilha sob a luz, e sua presença ilumina o ambiente. Ela está diferente da última vez que a vi, mais madura, mais confiante, mas aquele ar intrigante que ela sempre teve ainda está lá.

Tento desviar os olhos, focar no trabalho, mas ela domina minha atenção como se fosse a única pessoa no salão.

Seus cabelos longos e loiros caem em ondas suaves, emoldurando seu rosto de pele clara. Os olhos dela brilham de um jeito que faz meu coração acelerar, e aquele sorriso sutil, com lábios cheios e brilhantes que sempre parecem prontos para se curvar em uma expressão divertida, não sai da minha cabeça. Ela tem uma vibe descontraída e moderna que é impossível ignorar. É como se, mesmo com toda aquela gente ao redor, ela fosse a única que realmente importasse.

Enquanto ela e as amigas se sentam, percebo uma oportunidade de me aproximar. Algo em mim hesita, talvez a memória vaga de nosso encontro anterior, mas sei que ela não se lembra de mim.

Caminho com passos firmes em direção a Louise e suas amigas, mantendo meus olhos fixos nela, mas minha mente está um verdadeiro caos. O grande salão está impecável, iluminado por lustres de cristal que refletem suavemente nas superfícies de mármore, e o som de música clássica e dos murmúrios animados dos convidados preenche o ar.

Sinto o peso dos olhares que, de relance, caem sobre mim, mas é só quando meus olhos encontram os dela que a tensão dentro de mim se intensifica. Por um breve momento, o tempo parece desacelerar, e eu prendo a respiração. Louise me olha por um momento, seus olhos curiosos, mas não há reconhecimento. Não menciono nada sobre o passado. Hoje, sou apenas o gerente do hotel, e isso é suficiente.

Tento manter a compostura, esboçando um sorriso educado, e dou um leve aceno de cabeça antes de falar.

— Senhorita Witcaster — começo, minha voz um pouco formal, carregada de uma tensão que tento disfarçar. — É um prazer finalmente conhecê-la de verdade. Sou Nicolas Salvatore, o gerente do hotel.

Ela levanta uma sobrancelha e sorri. Aquele brilho nos olhos castanho só cresce enquanto cruza os braços de forma relaxada e se inclina levemente para frente.

— Então, é você o famoso Salvatore de quem meu pai tanto fala — ela diz, com uma leve provocação na voz. — Corajoso da sua parte aceitar trabalhar com ele. Ele pode ser... bastante exigente, para dizer o mínimo.

A familiaridade no tom dela me faz relaxar um pouco. Rio baixinho, controlado, mas ainda sinto a tensão pairando entre nós.

— Digamos que gosto de um bom desafio — permito-me responder, com uma leve provocação. — E seu pai é o tipo de chefe que sabe o que quer. Prefiro isso a alguém sem nenhuma visão.

Ela sorri, claramente se divertindo. Sua amiga ao lado tenta disfarçar uma risada, mas o salão, por mais grandioso que seja, de repente parece menor com a presença dela tão perto. É como se o momento se estendesse, um tipo de jogo não declarado.

— Pelo visto, você sabe lidar bem com pressão, hein? — Louise continua, agora com um olhar ligeiramente impressionado, e sinto meu coração acelerar ainda mais. — Bom, prepare-se para me ver mais por aqui. Amanhã começo a trabalhar no hotel.

Franzo a testa, processando a informação. O salão ao nosso redor começa a se dissolver enquanto me concentro apenas nela.

— Trabalhar aqui? — pergunto, tentando disfarçar a surpresa que toma conta de mim. — Como gerente?

Ela balança a cabeça, rindo suavemente.

— Não, não. Vou começar por baixo. Amanhã estarei na equipe, e você... — ela se inclina levemente em minha direção, o tom cheio de uma provocação sutil — bem, será o meu chefe.

A insinuação me pega de surpresa. Sorrio de forma forçada, lutando para manter a calma apesar do nervosismo crescente.

— Bom, acho que vou ter que ser ainda mais cuidadoso agora — tento soar despreocupado, mas sinto o calor subir pelo meu corpo.

Meu coração, já acelerado, parece bater ainda mais rápido.

Ela me lança um olhar travesso, e por um momento, a distância entre nós some, como se estivéssemos sozinhos no salão, alheios à festa que segue ao redor. As luzes suaves, os brilhos de joias e os risos distantes criam um cenário quase surreal.

Antes que eu perca o controle sobre as palavras ou minha própria postura, sinto uma necessidade urgente de me afastar. Não posso deixar que minhas emoções me traiam.

— Com licença, vou verificar uma coisa com a equipe. A noite ainda está começando — digo com um sorriso breve e controlado.

Saio do salão, sentindo a respiração acelerada. Assim que passo pelas portas e entro no corredor, o ar mais frio e calmo do ambiente vazio me atinge. Fecho os olhos por um momento, tentando recuperar o controle, quando algo passa correndo ao meu lado, como um borrão.

Piscando, ainda confuso, vejo Bomi, o cachorro de Louise, um golden retriever, disparando com algo na boca.

— Ah, não, Bomi! — resmungo, quase rindo da situação surreal.

Ele corre pelos corredores como se estivesse em uma corrida. Começo a correr atrás dele, sentindo meus sapatos italianos ecoarem levemente no chão de mármore. O som ressoa enquanto eu dobro corredores e desvio das pessoas que passam por ali.

Depois de cruzar quase o prédio inteiro, finalmente o alcanço. Me agacho, rindo da situação toda.

— O que você tem aí, amigão? — pergunto, pegando a bolsa que ele segura com os dentes.

Antes que eu possa fazer qualquer coisa, ouço passos rápidos atrás de mim. Louise aparece no corredor, a expressão preocupada, mas aliviada ao ver Bomi ileso.

— Bomi! — ela exclama, com um suspiro. — Desculpa, ele costuma ser mais comportado. Ai meu Deus, que vergonha... Me desculpa, de verdade, Nicolas. Isso não vai acontecer de novo, ‘tá?

Ainda com a bolsa na mão, olho para ela, sem fôlego, mas divertido com tudo isso.

— Não se preocupe, eu cuido dele. Ele só queria brincar um pouco — digo, balançando a bolsa com um sorriso. — Parece que ele estava tentando me dar uma pista de quem era a dona.

Ela sorri levemente, agora mais tranquila, e cruza os braços enquanto observa a bolsa que Bomi pegou.

— Obrigada por pegá-lo. Ele anda mais rebelde ultimamente — comenta, num tom relaxado.

Aproveito o momento para perguntar o que está rondando minha mente.

— A propósito, fiquei curioso — digo, ainda segurando a bolsa. — Por que decidiu trabalhar aqui com seu pai? Achei que fosse mais... o tipo de se manter afastada dos negócios da família.

Ela suspira, recostando-se na parede. Seus olhos vagam por um segundo antes de se fixarem nos meus.

— Já era hora, sabe? De provar meu valor. Não posso ficar só assistindo de longe. — Ela dá um passo à frente, os olhos fixos nos meus. — Vai ser interessante... eu ter que te obedecer.

O subtexto no tom dela faz meu sangue correr mais rápido. Desvio o olhar por um momento, sentindo o calor tomar conta de mim, mas logo recupero o controle.

— Bom, prometo ser um bom chefe — digo, mantendo o tom descontraído, apesar da tensão evidente que cresce dentro de mim.

Ela sorri de forma enigmática, e isso só aumenta a confusão interna que estou sentindo.

— Veremos, Salvatore... Veremos — responde, antes de se afastar, deixando o corredor em silêncio.

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