Do lado de fora, Liz e Lord ainda estão juntos, e a cena é até bonita. Minha mãe parece mais leve, mais presente, e Lord… bem, ele está tentando parecer desinteressado enquanto segura delicadamente uma xícara de chá com os dedos, como se não fosse um lobo enorme capaz de esmagar crânios.— Então você faz chá, mata traidores e cuida de senhoras? — Lívia comenta passando pela varanda.— Multitarefas. — Ele responde sem levantar os olhos.— Um homem completo.— Um lobo completo. — Ele corrige, e minha mãe sorri deixando um beijo suave em seus lábios.A tarde vai se arrastando. Em algum momento, Alex, Gabi e eu voltamos pra parte interna da casa. Nos sentamos no sofá enquanto Gabi revira a bolsa em busca de alguma coisa.— E a adaga, Gabi?— No fundo da bolsa — ela responde. — Entre os tônicos de dormir e o de encolher verrugas.— Perfeito — murmuro. — Nada como um artefato milenar guardado entre um antisséptico e um hidratante mágico.— Organização é tudo — ela retruca. — E antes que per
O bolinho da minha mãe ainda tá no meu prato, uma metade esquecida entre goles de chá e conversas abafadas. — Ele tentou cuspir no chão da cela — comenta Lord, com a sobrancelha arqueada e uma expressão que mistura nojo e diversão. — Errei a mira e joguei água fervendo na perna dele. Uma pena. — Uma pena mesmo — digo, saboreando mais um gole do chá. — Devia ter acertado a cara. — Isso seria uma ofensa à água fervendo — completa Gabi, sentando-se ao meu lado com a elegância de quem guarda uma adaga entre frascos de hidratante e tônicos explosivos. Alex não diz nada. Está com os olhos fixos na fogueira, a mandíbula travada. Eu o conheço o suficiente pra entender que está se contendo. Que se deixasse, já teria voltado naquela cela e enfiado a adaga milenar em algum lugar bem doloroso — só pra ver se o sujeito falava alguma coisa. — Dois dias — Gabi fala, como se estivesse lendo os pensamentos dele. — E prometo que ele vai falar tudo. Alex assente com a cabeça, mas não responde
Ele fecha os olhos por um segundo quando meus dedos tocam sua pele. O calor do toque dele é o suficiente para aquecer até onde o frio da noite ainda insiste em se esconder em mim.— Sua mãe parecia mais leve hoje — ele comenta, os olhos ainda fechados, voz baixa. — Como se parte do peso que ela carregava tivesse ficado no caminho de volta.— Acho que foi ver o Lord ali, todo desajeitado com o chá e os bolinhos.— Ele realmente tentou impressionar ela. Foi quase… fofo.— Quase. — Rio baixinho, encostando minha testa na dele. Isso é tão, ficar ao lado dele.Depois do cio sinto que estou mais próximo dele, sempre sobre sua pele. E ele sobre a minha.Minha loba gosta, ela tem vontade de correr ao seu lado o tempo todo, mesmo que não tenhamos conseguido fazer muito disso ultimamente.Alex segura meu rosto com as duas mãos agora, e os olhos dele me estudam com tanta calma que por um segundo o mundo parece mesmo ter parado. Amor fica tão claro neles. Tão fácil de ver.— Você é tão forte, Zoe
O sol mal começava a despontar no horizonte quando bati na porta da cabana da Gabi, ainda meio zonza de sono e enrolada no moletom do Alex, que agora era praticamente meu uniforme. O cheiro de ervas fortes já invadia o ar, e não precisei de mais do que alguns segundos para perceber que ela já estava no modo “bruxa laboratorial”.— Entra logo antes que as folhas peguem umidade! — Gabi chamou lá de dentro, sem nem olhar.Obedeci, fechando a porta atrás de mim, e encontrei minha amiga debruçada sobre uma mesa abarrotada de frascos, pós coloridos e pedaços de raízes tão estranhos que eu preferi nem perguntar.— Sabe que isso aqui parece cenário de um daqueles filmes de bruxa dos anos noventa? — comentei, me aproximando.— Fico ofendida. Eu sou bem mais estilosa que aquelas bruxas de filme — ela retrucou, ajeitando uma mecha rebelde do cabelo com o cotovelo, já que as mãos estavam ocupadas misturando um líquido roxo num caldeirão pequeno.— Estilosa é uma palavra forte — provoquei, receben
Ela estendeu a tigela na minha direção. Hesitei um pouco, mas coloquei minhas mãos sobre as dela.— Fecha os olhos — ela instruiu, suavemente.Fechei.— Agora pensa nele. No que você quer saber. No que precisa entender.Respirei fundo e deixei as imagens virem: meu pai. Seu rosto endurecido. A adaga desaparecida. Minha mãe, diante da fogueira, me olhando como se carregasse todo o peso do mundo nos ombros.Eu precisava da verdade. De todas as verdades.Senti uma leve vibração sob meus dedos, como se o próprio ar dentro da tigela tremesse.— Isso — Gabi murmurou. — Continua.Me concentrei mais. Vi flashes do que tínhamos passado: a viagem até Talos, o choque, a raiva de Alex, o olhar de Lord. O riso de Gabi, mesmo nos piores momentos. O abraço da minha mãe. O calor do moletom de Alex. A certeza de que eu não estava mais sozinha.A tigela começou a brilhar com uma luz pálida, dourada.Gabi abriu os olhos primeiro e sorriu.— Tá pronto.— Uau — soltei, abrindo os olhos devagar. — Isso foi
Desde que me entendo por gente, há tinta preta espalhada pelo meu corpo. Os anciãos dizem que estou destinada ao mais poderoso dos alfas, pois jamais viram marcas tão extensas quanto as minhas.Quando uma fêmea nasce destinada a um alfa, ela carrega uma marca — quase como uma tatuagem. Quanto maior a marca, mais forte o lobo que a reivindicará. As minhas se espalham por toda parte, cobrindo minha pele como um mapa do destino. Apenas meu rosto ficou imaculado, mas o resto... cada centímetro carrega o sinal da minha sina.Eles podem nos sentir assim que completamos vinte anos. Seguem nosso rastro, atravessam matas e montanhas para nos levar para sua alcateia. Hoje é minha vigésima volta ao sol. O dia em que encontrarei meu lobo.O dia em que finalmente aprenderei a me transmutar.O dia em que verei minha outra forma pela primeira vez.Mal posso esperar pela lua. Sinto a impaciência pulsar em meu peito. Quero que ela suba depressa no céu, que banhe a terra com seu brilho prateado e traga
O cheiro dela.Forte. Viciante.Está me deixando louco. Transtornado.Na forma humana, ainda consigo conter meus instintos. Agora? É impossível. Meu lobo ruge dentro de mim, exigindo que eu me aproxime, que tome o que é meu. Mas não posso. Preciso lembrar por que não podemos tê-la, por que devemos protegê-la até de nós mesmos. Mas de nada adianta. Minha fera já decidiu. Ela nos pertence. E vamos tomá-la.O aroma dela se espalha pela floresta densa e escura, infiltrando-se em cada fibra do meu ser. O ar da noite está carregado, pesado, e a lua cheia brilha entre as copas das árvores, testemunha silenciosa do que está prestes a acontecer. Meu corpo se tenciona.Rosno. Ciúmes. Ódio.Não sou o único alfa aqui. Não sou o único que sente esse perfume intoxicante. Outros o percebem. Outros o desejam. Mas ela é minha. Sempre foi. Sempre será.O instinto me guia. Meus pés se movem antes mesmo que eu perceba. Avanço sem hesitar, rompendo galhos e folhas secas pelo caminho, até encontrá-la.Ela
Acordo quando o pelo quente e macio onde estou deitada se transforma em algo firme. Um peitoral duro. Muito duro. Meu corpo se ajusta automaticamente ao calor dele, e, por um instante, quase me rendo novamente ao sono. Mas meus olhos, ainda pesados, piscam algumas vezes antes de se abrirem completamente.A claridade suave invade meus sentidos. O cheiro amadeirado do quarto me envolve, misturado ao aroma fresco da natureza que vem da janela aberta. Estou na aldeia dele. Minha aldeia agora. Uma nova casa. Um novo começo.Meu estômago ronca em protesto, e o som quebra o silêncio confortável ao nosso redor. Minha última refeição foi o bolo que minha mãe fez para minha despedida, e a fome já se torna impossível de ignorar. Alex percebe. Seus olhos verdes pousam em mim com intensidade, analisando cada pequeno movimento meu, e então ele se levanta sem pressa. Um momento depois, retorna com uma tigela cheia de frutas maduras.— Coma. — Sua voz é uma ordem, mas há algo mais nela. Um tom rouco,