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Romance Proibido II

Alley o ajudou a tomar uma decisão.

            _Vamos criatura, mexa-se, vá ver sua dracena e o filhote! - Karbeth cuspiu o que sobrara de seu desjejum e correu em disparada, caverna adentro.

            Quando ele chegou ao fundo da caverna viu Amydelle ainda no ninho, cascas do ovo embaixo da dracena e ao lado, juntinho com ela estavam dois draquinhos, um com as cores dela, vermelho degrade e outro com a cor dele, escarlate. Karbeth ficou boquiaberto, não sabia o que pensar nem o que dizer, não era um e sim dois, rapidamente lhe passou pela mente, se Cerdoc o condenaria por um filho, então ele estava duplamente condenado.

             O draco não se abateu com a lembrança de Cerdoc lhe exigindo não ter herdeiros, talvez por ter se passado tanto tempo, e depois do que acontecera, parecia que a exigência já não tinha mais tanta importância. Karbeth olhou para sua família e sorriu, era maravilhoso sentir esta sensação de companheiro e líder, ver um pouco de si em outro ser vivo, os filhotes pareciam muito espertos e ficavam o tempo todo grudados com a mãe.

            Os meses passam e os filhotes crescem rápido, Handock e Ryuaka são fortes e já começam a voar, são fisicamente idênticos ao pai, sendo que Ryuaka tem as cores de Amydelle e Handock as cores de Karbeth. São robustos e ágeis, é nítido que o poder neles é tão forte quanto o do pai, Amydelle os vê apenas como duas criaturinhas graciosas, mas Karbeth começa a se preocupar.  Handock é semelhante ao pai, forte, astuto, generoso e justo, suas habilidades de caça e sobrevivência melhoram a cada dia, sempre seguindo a risca as orientações do pai, entretanto, o jovem Ryuaka apresenta fortes traços da descendência de Amydelle, uma herança de característica preocupante porque ele apresenta indícios instintivos, ele é mais incontido, mais violento durante a caça, imponente em suas vontades, normalmente desafia Karbeth em suas orientações, às vezes este desafio é nítido apenas através do olhar, Ryuaka não esconde seu prazer em caçar, dilacerar e comer sua caça. Karbeth rotineiramente leva os pequenos draquinhos para desjejuar na floresta, lhes ensina a caçar somente para suas necessidades, passam horas na mata fechada onde o mestre dos dracos aproveita o isolamento para ensinar seus filhotes sobre a vida, destacar a importância de ser justo em tudo o que faz, respeitar todas as criaturas vivas e preservar o habitat em que vivem, sempre tendo à frente de suas decisões o amor, a coragem e a responsabilidade. Os jovenzinhos chegam a um momento que já conseguem caçar seu próprio alimento, Handock é astuto e cauteloso nas ações, seu ataque é direto e fulminante não dando tempo da caça perceber o que lhe abateu, assim, conforme a orientação de seu pai, a vítima é abatida sem dor, sem sofrimento, porém, Ryuaka não compartilha do mesmo pensamento de seu pai e irmão, mesmo sendo chamado a atenção por várias vezes, ele insiste em usar sua superioridade animal, seus poderes e habilidades para torturar a caça até cansa-la para somente depois abatê-la e finalmente se alimentar, e Karbeth, por vezes, presenciou o jovem draco devorando sua caça com voracidade, estraçalhando seu alimento, ele fazia isso com prazer.        

            Karbeth preocupado procura aconselhar-se com Allatês, pois está confuso, ama seu filho, mas sente o perigo, assim como alertado por Cerdoc, não gosta de pensar sobre isso, entretanto, às vezes é possível ver o mal nos olhos de Ryuaka, mesmo que o pai não entenda exatamente o que seja o mal, isso o assusta. 

            Era uma tarde ensolarada, tranquila e quieta em Zamorra, Allatês está a nordeste da cidade, pescando nas águas calmas de Aamitaru, está sozinho encostado em uma grande árvore de larga copa que lhe oferece uma sombra fresca e aconchegante, seu chapéu de buriti com abas longas está estrategicamente caído sobre seus olhos, ele dorme um sono profundo, a vara de pescar está presa á margem do rio e vários peixes já fisgaram a isca sem que o preguiçoso ancião percebesse, já nem havia mais isca naquele anzol. O som do vento e o piar dos pássaros eram como anestesia. Em dado momento um farfalhar de pássaros que estavam na copa da árvore debandam, fazendo um barulho alto, derrubando folhas secas, mas o movimento súbito foi suficiente apenas para o ancião resmungar e ajeitar seu chapéu na cabeça, na sequencia houve um agito nas águas correntes de Aamitaru bem em frente onde Allatês estava dormindo e uma gigantesca sombra foi se aproximando, o deslocamento do ar derrubou a vara de pescar e o ancião foi despertando, resmungando, falando enrolado, assustado e surpreso parou sentado, apoiando as mãos atrás do corpo no chão, e ainda meio confuso viu Karbeth, flutuando em sua frente.

_Oh céus! O que está havendo, criatura? – Allatês acorda assustado.

_Preciso falar contigo ancião. – Karbeth está com o tom de voz preocupado.

_Sem problemas Karbeth, mas precisa enfartar seu amigo humano? – Allatês sempre irônico foi se levantado, caminhou até a margem do rio, se colocou de joelhos no chão e lavou o rosto, bebeu um pouco da água cristalina, se recompôs e voltou-se ao draco;_Vamos lá! Diga o que lhe aflige.

_Meu caro amigo, algo vem me definhando os miolos. – Karbeth explicou para Allatês a restrição que recebera de Cerdoc. _Agora, Ryuaka está crescendo e junto percebo que cresce uma força que desconheço, não sei explicar, mas acredite, me dá arrepios.

_Impressionante! – Allatês murmura com as mãos para trás andando para o lado oposto do draco. _Eu nunca compreendi direito a história de sua origem meu amigo, mas me parece que esse tal Cerdoc tem muita sabedoria e gosta muito de você.

_Por favor, ancião, ele não é um “tal”, trata-se do meu mentor, foi quem me orientou a criar este mundo.

_Ah, sim! Claro! Desculpe-me pela petulância e mau jeito. – Allatês, agora de frente ao draco, uma cena curiosa, pois o humano que estava embaixo da copa da grande árvore se espichava para olhar nos olhos do gigante. _Eu sempre achei sua história muito fantástica, e sendo ela verdadeira, creio que sim, porque você, o criador de nosso mundo ou Cerdoc seu criador, simplesmente não evitam que coisas ruins possam acontecer?

_Eu não tenho poderes de Vahen Midris, fora a minha lembrança, nada mais em mim remete ao tempo que fui um criador, optei por ser apenas um habitante deste mundo. – Karbeth desvia o olhar para o céu com poucas nuvens. _ Cerdoc, deixou claro que não pode e não interferiria em nada no destino deste e dos outros mundos.

_Ora, ora, ora! – O ancião volta-se com seus pensamentos. _Muito difícil aconselhá-lo meu amigo, mas arrisco a dizer que o isolamento do pequeno draco seja a melhor opção.

_Isolar o pequeno Ryuaka?

_Sim meu caro, ele ainda é muito jovem, praticamente um filhote, aqui pode sofrer influências negativas ou até mesmo correr algum tipo de perigo. – Allatês não se conforma com a previsão feita por Cerdoc, apenas informou do perigo, porém, não explicou qual seria este perigo nem como resolvê-lo e já estava chegando à conclusão de que seus pesadelos e pressentimentos tinham algo a ver com esta situação nova envolvendo Ryuaka. _Sem sabermos exatamente do que se trata esse perigo, nem como, nem porque, fica difícil arriscarmos qualquer ação.

_Então acha que isolá-lo será a melhor coisa a ser feita?

_Sim, até que o pequeno se torne adulto e tenha formado sua personalidade e caráter, para que ninguém, nem nada, possam influenciá-lo.

_Será que isso resolve tudo? – Karbeth sabe que pode ser mesmo a única ação a ser feita neste momento, porém, tem medo de se afastar de seu filho, seu coração aperta ao pensar nisso.

_Karbeth, não sei se isso resolverá o problema, mas pelo menos poderá evitar algo momentaneamente, se ao menos soubéssemos de que forma este perigo fosse se manifestar, seria mais fácil pensar em uma solução.

Karbeth fica ali parado olhando as águas correrem pelo leito de Aamitaru, ambos ficam por um momento quietos, e assim é possível ouvir o som da água corrente, um ruído que tranquiliza a mente.

_Você tem razão velho ancião, vou pensar por mais um tempo, mas fica muito claro que a sua ideia talvez seja a melhor coisa a ser feita.

_Isso grandão! – Allatês tenta animar Karbeth. _Pense mais um pouco, eu também vou tentar pensar em algo.

_Obrigado velho amigo, sei que sempre posso contar contigo. – Após dizer estas palavras, Karbeth faz um movimento lateral em ascensão, no sentido do rio e vai pegando altura, ao bater as asas joga água para todo lado, e vai embora.

Allatês recupera sua vara de pescar coloca uma nova isca no anzol e a arremessa novamente ao rio, senta em uma pedra próxima ao leito e ali fica pensando naquela conversa. “_Será que isso tudo tem a ver com meus maus pressentimentos?”.

*

Karbeth seguiu para Gerbraden, sua mente o atormentava enquanto voava, em pensamento ele fala com Cerdoc, em alguns momentos rispidamente, em outros com súplica, ele está confuso.

“_Cerdoc, me dê uma pista, me mostre um caminho a seguir”.

No planalto ele encontra sua amada Amydelle, tenta evitá-la, pois não está em condições e conversar ou namorar, está muito aflito e quer ficar um momento sozinho. A dracena se aproxima, está muito preocupada com ele, mas imagina que o assunto seja Ryuaka, ela como mãe sabia exatamente como era a personalidade e comportamento de seus filhotes e tinha conhecimento das restrições de Cerdoc, apesar de não crer naquilo convictamente. Ela vai chegando devagar, sem falar nada, percebe que ele quer evita-la, então continua em silêncio e passa a acariciá-lo roçando sua cabeça no pescoço dele, no momento do toque ele enrijeceu, como se quisesse expelir algo que o incomodava, entretanto, ela insistiu e ele foi cedendo a aquele carinho que foi lhe acalmando os nervos, mesmo não diminuindo sua preocupação, aquele gesto era acalentador.

_Sei que não quer falar; - A dracena toma a iniciativa das palavras. _Mas quando quiser estarei aqui, amor.

Aquelas poucas palavras foram reconfortantes, pareciam acolher seu coração, mas ele continuou ali quieto, olhando o infinito e tentando entender tudo o que estava acontecendo e na mente continuava pensando e pedindo ajuda ao seu mentor, Cerdoc. De repente um draco passou voando próximo do casal e quase que em câmera lenta ele olhou para Karbeth e disse:

_Não adianta querer entender, apenas coloque seu coração à frente das decisões e ame os seus.

Karbeth saiu do estado patético e deu um salto olhando para o draco:

_O que você disse? – Gritou com certo desespero na voz.

O draco de passagem chacoalhou a cabeça rapidamente como se estivesse saindo de um transe:

_O que mestre? – O draco não estava entendo nada e parou no ar, flutuando e de frente para seu mestre.

_Você! Acabou de me dizer umas palavras. – Karbeth está agitado.

_Calma amor! Acho que não foi com você que ele falou. – Amydelle tenta acalma-lo.

Enquanto isso o draco sem entender o que acontecera continua seu voo e vai se distanciando.

_Mas Amydelle! Ele me disse uma coisa...e... – Karbeth estava confuso.

_Eu sei amor! Mas pode ser que ele tenha falado com outro draco.

_Por favor, Amydelle! – Karbeth começa a se irritar com o excesso de cuidado de sua amada. _Eu estava pensando em algo e ele falou comigo como se respondesse os meus pensamentos. – O draco se afasta de Amydelle e olhando para os olhos dela ele completa. _Não há mais ninguém aqui, ele falou comigo, foi como se Cerdoc falasse através dele.

_Agora chega Karbeth! – A dracena se irritou. _Você precisa descansar, ou vai enlouquecer. – Amydelle fala enquanto dá as costas para o draco e vai sentido à caverna.

Karbeth fica ali mais aflito do que estava, pensando “_Será que seu mentor Cerdoc, pode se comunicar comigo? Então quer dizer que ele recebeu meus pensamentos!!!!”. Mas logo o draco se entristece, “Isso quer dizer que não há outra coisa a se fazer, preciso tomar uma decisão com o coração, Cerdoc não irá me dizer qual caminho devo tomar, eu preciso tomar a decisão que achar melhor”.

Assim, Karbeth voou para o ponto mais alto de Gerbraden, sentou-se na última rocha que separa a cordilheira do céu, sentia a brisa gélida acariciar seu focinho e ficou ali isolado, pensando, meditando sobre tudo, se esqueceu do tempo, de se alimentar, ficou conectado somente a pensamentos. Em sua mente passou tudo o que vivera até ali, desde a criação de um mundo perfeito até aquele instante, o que mais lhe feria era a dúvida de definir se tudo aquilo havia valido a pena. Os dracos ficaram preocupados com o que estaria acontecendo ao seu líder, Amydelle pressentia que algo muito ruim aconteceria e como os dracos não tinham a coragem de interromper os pensamentos de seu mestre, eles iam até a dracena buscar informações do que estava acontecendo e por sua vez ela desconversava dizendo não ser nada, que Karbeth só precisa ficar um pouco sozinho, porém, suas explicações não acalmavam os ânimos dos dracos. Após um dia e uma noite o mestre dos dracos concluiu que não podia mais adiar o inevitável, sua decisão vai causar muita confusão, mas tinha que fazer, não havia uma opção mais segura que esta e ele também sabia que sua vida mudaria drasticamente, nada mais seria como antes e concluiu que talvez tivesse encontrado a razão de ter vindo participar deste mundo maravilhoso, mesmo que sem saber o que se passará no futuro, sem ter o dom de premonição ou vidência, aquela vontade absurda que sentiu quando ainda era um Vahen Midris, tinha um propósito que ele estava entendo somente agora, Karbeth chegou a conclusão que algo estava ameaçando ou em breve ameaçaria Maddems e ele como criador daquele lugar tinha como obrigação estar lá, defendendo as criaturas que ele mesmo criara e idealizara, como um ser de luz ele não poderia interferir nos acontecimentos terrenos, mas materializado como um de seus seres magníficos poderia agir diretamente em defesa de todos as criaturas que habitavam Maddems.

O draco respirou fundo, encheu o peito e expirou com alívio por estar compreendendo o sentido de tudo aquilo que estava vivenciando, abriu suas enormes asas e alçou voo planando até sua caverna, o primeiro desafio se iniciaria dentro de sua família e a primeira batalha seria uma das mais dolorosas, teria que enfrentar seu amor, por amor.

 

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