NICHOLASTenho certeza de que, assim que chegar à Espanha, essas memórias vão desaparecer. Pelo menos, é o que eu espero.Mas será que terei sucesso estando tão perto dela? Ou precisarei realmente sair de casa para me concentrar nos meus objetivos?O Recife tem algo que me atrai. Esqueci o quanto o jeito de falar daqui me encanta. As pessoas são tão simpáticas, prestativas, e o lugar é aconchegante de uma forma que nunca havia percebido antes. Talvez porque, no fundo, minha mente estivesse sempre em outro lugar.A brisa quente da cidade envolve meu corpo enquanto caminho até o prédio onde terei minha última reunião antes da viagem. A sensação de estar aqui novamente traz um turbilhão de lembranças, algumas boas, outras que prefiro esquecer. O cheiro do mar misturado ao aroma do café das barracas de rua me desperta, mas também me leva de volta para um passado que ainda me assombra.Ao crescer no orfanato, meu contato com o mundo exterior era limitado. As cuidadoras, em sua maioria, não
NICHOLASRetorno ao hotel com David, que não para de falar sobre o quanto gostou do lugar e sobre sua surpresa pelo fato de eu ter tido coragem de sair daqui. Mal sabe ele que, se eu não tivesse partido – ou melhor, se meu pai não tivesse me encontrado –, não sei o que teria sido de mim depois da decepção que sofri. No fundo, até agradeço ao imprestável do meu pai por ter me levado de volta para o Brasil.— Você viu minha irmã hoje? — pergunto, tentando afastar os pensamentos do passado.Ainda não encontrei Emma, nem falei com ela desde ontem. Sei que ela está furiosa. Afinal, saí do bar sem dar nenhuma explicação, como se ela não fosse importante.— Não vi a Emma, não. E por que eu deveria saber onde ela está? O irmão é você, não eu — David rebate, dando de ombros. — Além disso, ela nem gosta de mim, se quer saber. Nem sequer perguntou sobre você, o irmão idiota que só faz burrada e fala besteiras. Meu amigo, acho que esse lugar mexeu mesmo com a sua cabeça.Ele menciona a noite ante
NICHOLAS Dirijo-me ao quarto da minha irmã e bato firme na porta. O som ecoa pelo corredor silencioso. Alguns segundos depois, Emma abre, com a expressão fechada, como se estivesse pronta para um confronto.— Oi, Emma! Por que você não atendeu minhas mensagens? — pergunto, cruzando os braços. — E o que está acontecendo? Você não é assim.Ela revira os olhos e solta um suspiro impaciente.— Tá bom, deixa pra lá, depois você me conta. Estamos atrasados agora.— Não está acontecendo nada. Só estava muito cansada. — Sua voz sai seca, sem espaço para mais perguntas. — E vamos logo buscar a minha cunhada, antes que ela fuja para bem longe de você. Sinceramente, é o que eu faria no lugar dela.Minha mandíbula se contrai ao ouvir suas palavras.— Por que ela aceitou ir com você, sabendo o imbecil que eu sou, hein? — estreito os olhos, estudando sua reação. — Você realmente acreditou que ela ficou com todos os caras do orfanato? No mínimo, eu teria procurado saber a verdade antes de acusá-la.
NICHOLASSaímos do hotel sem demora e seguimos direto para a casa de Sarah. O trajeto foi silencioso, mas minha mente trabalhava a mil. Eu sabia que esse encontro não seria simples, e não apenas por estar prestes a buscar minha filha para uma nova vida. Havia algo mais, uma tensão crescente que eu tentava ignorar.Assim que chegamos, descemos do carro. O portão alto e reforçado denunciava a preocupação com segurança, algo que eu valorizava ainda mais agora que minha filha estava ali. A casa possuía um charme clássico, recuada no terreno, com uma varanda ampla que parecia convidativa, mas ao mesmo tempo protetora. Apertei o interfone e aguardei, tentando manter a calma.O som da fechadura destravando ecoou no silêncio, e logo fomos recebidos. Fiz um gesto discreto para que o motorista aguardasse e caminhei para dentro, com minha irmã, Emma, e meu amigo logo atrás. Ainda tínhamos um tempo considerável antes do voo, e eu nunca fui fã de esperar em aeroportos. Me perguntei, mais uma vez,
NICHOLAS Já derramei muitas lágrimas ao longo da vida. E não me envergonho disso.Muitas dessas lágrimas foram por Sarah.A dor de perdê-la, de imaginar que talvez nunca mais a veria, foi sufocante. Ela esteve ao meu lado por tanto tempo, era a mulher que eu amava, e a ideia de um futuro sem ela me dilacerava.Mas tudo isso ficou para trás.Passei dois anos convivendo com essa dor, mas a raiva acabou sendo mais forte do que a saudade. E, assim, segui em frente. Me joguei nos estudos, me distraí com outras mulheres, e isso se tornou um hábito. Até hoje, atraio muitas delas.Ser um homem solteiro e extremamente rico sempre despertou interesses. Algumas mulheres tentaram me prender com falsas gravidezes, achando que poderiam me enganar só porque, naquela época, eu costumava me envolver com elas sob o efeito do álcool. Mas sempre fui cuidadoso. Sempre me protegi.Sarah foi a única mulher com quem estive sem preservativo.Com qualquer outra, não importava o quão perfeita parecesse, eu nun
NICHOLAS Minha filha tem apenas dez anos, e suas feições lembram muito as minhas. No entanto, acredito que herdará a estatura da mãe, pois já dá sinais de não ser muito alta.Antes de sair, escuto os cochichos:— Ele é sempre tão arrogante e desagradável assim? Vai precisar de muita paciência para lidar com ele nos próximos dias, amiga.Dou um meio sorriso e continuo caminhando em direção ao carro, ignorando os comentários que, por mais discretos que sejam, sempre chegam aos meus ouvidos. A verdade é que a paciência nunca foi uma virtude minha, e não vejo motivos para fingir que sou diferente.Logo, todos me seguem rumo ao aeroporto. Minha pequena está radiante, ao contrário de Sarah, que mantém o olhar perdido em algum ponto distante, como se estivesse sendo arrastada para um destino que não escolheu.Mas a responsabilidade de ser feliz ou não é dela, não minha.— Papai, onde estamos? Nunca vi um lugar assim antes! — Lunna pergunta, os olhos brilhando com a novidade.— Aqui é um aer
SARAHO silêncio no avião é interrompido apenas pelo som do motor e pelo murmúrio baixo dos passageiros ao redor. Mas dentro de mim, há uma tempestade furiosa.Considero seriamente as várias maneiras de atirar esse homem pela janela. O simples fato de estar ao lado dele já é sufocante. A antipatia que sinto neste momento é quase insuportável.Respiro fundo, buscando paciência divina para não perder o controle. Mas é difícil. Muito difícil.Nicholas.O nome dele pesa como uma maldição em minha mente. O homem que um dia foi o amor da minha vida agora não passa de um arrogante presunçoso que se acha dono do mundo. E, pior, quer monopolizar a atenção da minha filha.Minha pequena Lunna, inocente e radiante, ainda acredita que ele é um herói. E como posso quebrar essa ilusão sem despedaçar seu coração?Maldito homem!Ele está irreconhecível. O jovem apaixonado que um dia conheci se transformou em alguém frio, distante… insuportável.A lembrança do passado me atinge com força. A dor de ter
SARAHSe ele quer guerra, é guerra que ele vai ter.Desligo o chuveiro, frustrada, sentindo o frio gelado se arrastar pela minha pele. Meu quarto pode ser aconchegante, mas um chuveiro que parece um cubo de gelo definitivamente não faz parte do pacote. Então, por que não aproveitar as circunstâncias?Visto o roupão mais macio e envolvente que encontro, minha pele ainda úmida contrastando com o tecido quente. E nada por baixo. Sim, isso mesmo. Se ele acha que pode brincar comigo, está na hora de mostrar que também sei jogar.Bato na porta do quarto dele, já sabendo que quem virá me atender será minha pequena traidora – minha filha. E não erro.— Mamãe! — Ela sorri ao me ver, os olhos brilhando de animação.Mas, antes que eu possa responder, ele surge logo atrás. Alto, forte, e, para minha satisfação, sua expressão vacila no exato momento em que seus olhos percorrem meu corpo, demorando-se na abertura generosa do roupão.Perfeito.— Por que você está aqui assim, Sarah? — A voz dele soa