Embora tivessem se casado por apenas dois anos, Orson já conhecia Zara havia bem mais tempo. Em suas memórias, Zara sempre foi uma pessoa de emoções controladas, quase frias. A única vez que ele a viu chorar foi no dia em que ela perdeu o bebê. Ele chegou ao hospital tarde da noite, quando a cirurgia já havia terminado. Os familiares de ambos já haviam ido embora, deixando o ambiente em um silêncio quase absoluto. A cuidadora que estava com Zara dormia em uma poltrona ao lado da cama. Zara, por sua vez, estava sentada em silêncio, com o olhar perdido na janela. Não houve gritos, nem soluços. Ela simplesmente deixou que as lágrimas escorressem, uma a uma, sem emitir som algum. E Orson? O que ele fez naquela noite? Ele já não se lembrava. O que restava em sua memória sobre aquele bebê, que existiu por menos de três meses, era vago, quase inexistente. Mas, naquele momento, a imagem de Zara chorando voltou a sua mente com uma clareza assustadora. Ele podia ver cada detalhe, como
Evander: [Está acordada?] Evander: [Comprei umas coisas pra você. Deixei na porta, não esqueça de pegar.] As outras mensagens eram de Celine. Ela dizia que havia discutido com o editor-chefe e, mesmo assim, não conseguiu garantir a continuidade do contrato para o mangá de Zara. No final, ainda se desculpava por não ter conseguido ajudá-la. Enquanto respondia às mensagens de Celine, Zara foi até a porta. Ao abrir, viu um bolo pendurado na maçaneta. A cobertura era de chocolate, o seu sabor favorito. Enquanto ela olhava para o bolo, meio perdida, o celular tocou. Evander. — Está acordada? — Estou. — Pegou o que deixei pra você? — Peguei. — Coloque na geladeira. Estou indo aí agora, e a gente come juntos… — Evander. — Zara o interrompeu. — Obrigada por tudo hoje, mas eu já estou bem. Você não precisa fazer mais isso por mim. Evander soltou uma risada suave. — O que foi? Vai tentar manter distância de novo? Antes você dizia que era casada e que eu não podia me apr
Zara e Vera tinham uma relação distante, mas com seu pai, Carlos, a conexão era praticamente inexistente. Como chefe de família e presidente do grupo empresarial, Carlos trazia para casa o mesmo comportamento que tinha no trabalho: autoritário, intransigente, inalcançável. Se Vera passava para Zara a sensação de favoritismo absoluto por Fiona, Carlos representava o oposto: frieza. Ele quase nunca estava em casa, e, nas memórias de Zara, jamais havia cumprido o papel de pai. Ainda assim, não permitia que ninguém questionasse sua autoridade como "chefe da família". Já fazia muitos anos que Zara havia retornado, mas aquela era a primeira vez que os dois jantavam a sós. Quando Zara chegou ao restaurante combinado, Carlos já estava esperando na sala privativa. Ele olhava para o relógio com uma expressão de impaciência. — Desculpe pelo atraso. — Disse Zara. Carlos não se irritou. Apenas levantou os olhos e, com um gesto simples, apontou para uma cadeira: — Sente-se. Zara pe
— Sr. Carlos, há quanto tempo! — Cumprimentou Davi com um sorriso.Ambos rapidamente apertaram as mãos, e seus olhares, como que por um acordo silencioso, recaíram sobre Zara.Carlos lançou um olhar discreto para a filha. Ela apertou levemente as próprias mãos, tentando conter o nervosismo. Após um instante, conseguiu exibir um sorriso forçado.— Deixe-me apresentar: esta é minha filha, Zara.— Sua filha é muito bonita. — Respondeu Davi prontamente, fazendo um gesto em direção ao próprio filho.O homem do outro lado da mesa estendeu a mão, finalmente se apresentando:— Muito prazer, sou Henrique Campos.Henrique vestia um terno impecável, simples e limpo. Usava óculos de armação preta, e, embora suas feições não fossem marcantes, eram bastante harmoniosas. Um sorriso amistoso iluminava seu rosto.Zara, ainda com o mesmo sorriso tímido e tenso no rosto, estendeu a mão para ele.— Muito prazer. — Respondeu ela, com um leve aceno.— Por favor, sentem-se! — Convidou Carlos, animado.Todos
No fim, o jantar terminou em paz.Zara, no entanto, decidiu não voltar para casa com Carlos. Pediu apenas que o motorista a levasse de volta para seu condomínio.O motorista olhou para Carlos, buscando sua aprovação. Ao ver que ele não demonstrava objeções, ligou a seta e mudou de rota.Zara permaneceu em silêncio, com o olhar fixo na janela. Não queria se envolver em nenhuma conversa com Carlos. Mas, de repente, seu celular vibrou duas vezes. Ela ignorou.— Deve ser o Henrique. — Comentou Carlos, com um tom que soava mais como um aviso do que uma mera observação.Zara, sem ânimo, desbloqueou o celular. De fato, era uma mensagem dele pelo WhatsApp:[Foi um prazer conhecê-la. Tenho aqui dois ingressos para um concerto amanhã à noite. Gostaria de me acompanhar? Claro, se você não puder, não tem problema.]O convite de Henrique não parecia invasivo, mas era evidente que ele tinha um objetivo claro.Zara apertou os lábios por um instante e respondeu apenas:[Tudo bem.]Depois de enviar a m
Ficaram apenas Marta e Orson à mesa.— Quando você vai voltar a morar aqui? — Perguntou Marta, calmamente, enquanto tomava um gole da sopa.Orson franziu a testa, claramente incomodado.— Eu pedi para você sair porque não fazia sentido você e Zara morarem aqui. Mas agora que vocês se divorciaram, não há mais motivo para continuar fora. — Continuou Marta, sem rodeios.— Não precisa. — Respondeu ele, seco. — Ficar onde estou é mais conveniente.— Conveniente para quê? Levar novas namoradas para casa? — A voz de Marta manteve o tom tranquilo, mas, para Orson, as palavras carregavam um leve tom de ironia.Ele colocou o garfo sobre a mesa e encarou a mãe, sem expressão. Marta, no entanto, parecia alheia à irritação dele e seguiu falando:— Estou falando sério. Se você acha que o casamento arranjado pelo seu pai foi um erro, tudo bem. Se quiser tentar algo por conta própria, não vou me opor. Só tem uma condição: eu não vou aceitar que você se case com a Fiona.— Por quê? — Questionou Orson,
Zara vestia um vestido longo preto. Seus cabelos caíam suavemente pelos ombros, com as pontas levemente onduladas, e um sorriso delicado adornava seus lábios. Ela parecia radiante, com uma elegância que beirava o etéreo.Henrique disse algo a ela, e o sorriso de Zara se aprofundou. Ela levantou os olhos, encarando-o com um brilho no olhar que lembrava a superfície cintilante de um lago iluminado pelo luar.Orson, parado à distância, observava a cena. Ele nunca a tinha visto sorrir daquele jeito. Na sua memória, Zara era sempre uma figura séria, quase apática, sem graça. Mas, antes que pudesse se perder nesse pensamento, outra lembrança tomou conta de sua mente: aquele momento no carro. A briga pelo caderno de desenhos, o súbito toque dos lábios dela nos seus. O primeiro beijo espontâneo de Zara. E, ao que tudo indicava, também seria o último.Enquanto Orson refletia, Henrique deu alguns passos à frente. Ele virou-se brevemente para dizer algo mais a Zara, que respondeu com um sorriso
Ela sabia de tudo, mas, ainda assim, deixou as palavras escaparem de sua boca num reflexo quase involuntário. E, logo em seguida, ouviu da resposta dele aquilo que já sabia, como se fosse um ato de autoflagelação.— Eu já entendi. — Disse Zara, com a voz seca. — Sr. Orson, já terminou de dizer o que queria? Posso descer agora?Orson não respondeu, mas o carro desacelerou ainda mais, como se o tempo também se arrastasse dentro daquele silêncio. Por fim, ele encostou o carro no acostamento. Zara não hesitou; girou o corpo e estendeu a mão para a maçaneta da porta.— Zara. — A voz dele surgiu repentinamente às suas costas.Ela congelou o movimento, mas não se deu ao trabalho de olhar para trás. Orson apertou o volante com força, como se buscasse coragem para continuar. Depois de um instante, disse, medindo cada palavra:— Pelo tempo que fomos casados… Se a família Garcia estiver com algum problema, pode me procurar. Mas não use esse tipo de atitude para me provocar.Zara fechou os olhos