Cap 04 - Lembranças perdidas

Após o término do espetáculo, o caos tomou forma nas ruas da cidade da Sicília.

A noite, que começara com aplausos e luzes, transformou-se em um cenário de sangue e desespero. Giacomo Moretti e sua esposa, Francesca, saíram do teatro de braços dados, alheios ao destino cruel que os aguardava. A explosão dos primeiros disparos foi como um trovão no silêncio da noite. Giacomo tentou proteger sua esposa, mas o tiro certeiro atingiu Francesca no peito.

Ela caiu, lenta e graciosa, como uma folha arrancada pelo vento, e ele a segurou antes que tocasse o chão. O vestido dela, antes branco e impecável, foi tingido pelo vermelho da tragédia. Francesca olhou para o marido pela última vez e, com um suspiro quase inaudível, partiu.

A luz da vida de Giacomo foi extinta ali, em seus braços.

O que veio depois foi uma tempestade de vingança. Movido pelo ódio e pela dor, Giacomo Moretti tornou-se um símbolo de terror. Ele caçou cada mandante, cada executor, e os matou de forma brutal. Seus corpos, esquartejados, foram espalhados pelos quatro cantos da Itália, uma mensagem clara, ninguém trai a Cosa Nostra e vive para contar a história.

Mas no momento em que enterrou Francesca, Giacomo também enterrou o último resquício de humanidade que existia dentro de si.

Dante Moretti tinha apenas oito anos quando perdeu a mãe.

Naquele dia, o mundo de sonhos e fantasias do menino desmoronou. Francesca era sua luz, sua guia, a pessoa que o ensinava que até mesmo em um mundo violento como o deles era possível liderar com bondade. Mas a bondade morreu junto com ela, e Dante foi deixado com as duras lições da máfia e a lembrança do corpo frio de sua mãe nos braços de Henrico, o seu padrinho.

Naquela noite, em meio ao caos, Dante encontrou consolo nos braços de Fiorella Fortunato, uma garotinha de sete anos. Ela o abraçou e, com a inocência de uma criança, prometeu protegê-lo para sempre. Sob a macieira no campo de girassóis, eles fizeram um pacto, selado com um beijo infantil e juramentos que pareciam eternos.

Mas o amanhecer trouxe consigo uma nova realidade. Para Dante, amor era apenas dor. Nada mais.

Fiorella Fortunato

Fiorella saiu do escritório com o coração disparado. O olhar de Dante a atravessara como uma lâmina. Era intenso, predador… e assustador. Mas o que mais doía era perceber que ele não se lembrava dela. Não havia nenhum sinal daquele garotinho que um dia segurou sua mão e prometeu protegê-la.

Levantou a mão ao peito, tocando o pingente que nunca tirava, a única lembrança da promessa sob a macieira. Mas aquele Dante não existia mais, e o homem que tomara seu lugar era uma força perigosa, capaz de destruir qualquer coisa que cruzasse seu caminho.

Ela precisava fugir. Não havia outra opção. Dante Moretti seria a sua ruína.

Fechou os olhos, tentando controlar a respiração. Mas, quando os abriu novamente, ele estava ali.

Dante Moretti

Minha mente vagava. O som da reunião, as vozes dos velhos líderes discutindo alianças matrimoniais, tudo parecia distante. Ela era tudo em que eu conseguia pensar. Aqueles olhos verdes, tão inocentes quanto desafiadores. Quem era essa garota que mexia tanto comigo?

Levantei-me, ignorando os protestos de Henrico, e saí do escritório. Eu precisava vê-la novamente.

A encontrei na cozinha, encostada na parede, os olhos fechados como se estivesse tentando afastar um pesadelo. Algo me impulsionou, uma força que eu não compreendia.

— Mio bella… — sussurrei.

Seus olhos se abriram e encontraram os meus. Por um momento, o mundo parou. A distância entre nós parecia desaparecer enquanto me aproximava. Toquei seu rosto com cuidado, sentindo a maciez de sua pele sob meus dedos. Ela não recuou.

— Bellissimo… Chi sei tu, mio angioletto? [Muito bela… Quem é você, meu pequeno anjo?]

Ela fechou os olhos, como se estivesse me permitindo ir além. Segurei seu rosto com as duas mãos e, pela primeira vez na vida, beijei alguém com delicadeza. Mas o que começou como um toque suave explodiu dentro de mim como um incêndio.

E então, a mágica se quebrou.

— Dante?

A voz grave me puxou de volta à realidade. Ela recuou como se tivesse despertado de um transe, abaixou a cabeça e saiu correndo, me deixando sozinho com um turbilhão de sentimentos que não conseguia nomear.

Olhei para Henrico, que permanecia à porta, e apenas ordenei:

— Não diga nada.

Fiquei parado ali por alguns segundos, tentando recuperar o controle. Não podia me permitir fraquejar. Não agora. Não por ela.

Mas, enquanto saía da cozinha, uma verdade sombria se formava dentro de mim:

"Ela é perigosa. Mais do que qualquer inimigo que já enfrentei. E talvez, apenas talvez, seja tarde demais para me afastar."

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