Xavier Alcântara
Frustração. Era o que eu sentia quando saí da boate naquela noite. O show da Ruby tinha sido hipnotizante, uma experiência quase transcendental, mas o camarim? Um desastre. Eu fui até lá com o propósito claro de falar com ela, talvez entender quem estava por trás daquela máscara. Mas saí de mãos abanando, como se tivesse perdido algo que nunca foi meu. Naquele momento, a boate deixou de ser interessante. Não havia mais por que ficar ali, então voltei para casa. Só que o problema não era o lugar; o problema estava em mim. A imagem dela, o jeito como se movia no palco, a maneira como ela me olhou – se é que realmente olhou para mim – ficou gravada na minha mente como uma tatuagem. No domingo, eu não resisti. Fui até a The Beats para tentar saber se ela estaria lá. Talvez fosse minha chance de vê-la novamente. Mas a resposta foi fria, impessoal. Ruby, a dançarina mascarada, só se apresentaria na próxima sexta ou sábado, e mesmo isso não era certo. Saí de lá com a mesma sensação de vazio. Mais uma vez, a frustração era minha companheira na volta para casa. A segunda-feira chegou, e parecia que a obsessão só crescia. Meu desempenho no trabalho foi uma piada. Não consegui prestar atenção em nenhuma reunião, e os documentos que recebi se acumularam intocados na minha mesa. Minha mente insistia em voltar àquela noite. À forma como ela movia o corpo no palco, como se fosse dona do universo. Era ridículo, mas era como eu me sentia: preso. Na hora do almoço, fui com Natasha, como sempre. Minha melhor amiga. Minha constante. Mas, naquele dia, nem ela conseguia me tirar do turbilhão de pensamentos. Eu sabia que estava sendo péssima companhia, e isso só piorava minha irritação. — Xavi! — Natasha chamou minha atenção pela quinta vez, interrompendo o fluxo incessante de memórias que insistiam em voltar. Sua risada leve e irônica trouxe-me de volta à realidade. — Você tá viajando. Suspirei, tentando organizar as palavras. — É uma mulher. — Admiti, frustrado. — Não sai da minha cabeça. Seus olhos demonstraram algo próximo a tristeza, mas Natasha, sendo Natasha, disfarçou com um sorriso. Ela sabia que eu entendia o que aquilo significava. Sabia que ela sentia algo por mim. E eu gostava muito dela, de verdade. Mas nós dois juntos? Não funcionaria. Natasha era romântica, delicada, uma boa pessoa. Ela merecia alguém como ela. E eu? Bom, eu era... complicado demais. — Ela deve ser incrível. — Natasha comentou, com uma pontada de sarcasmo. — Porque normalmente você mal lembra o nome das mulheres que passam pela sua cama. Revirei os olhos, irritado, mas não pude evitar concordar. — Aí que tá o problema, pequena. — Usei o apelido que ela detestava. — Ela não passou pela minha cama. É a porra de uma dançarina nova da The Beats. Natasha riu, um som leve, quase zombeteiro. Cruzei os braços, confuso com a reação dela. — Eu sempre disse que um dia ia aparecer uma mulher que ia te deixar louco. — Sua voz tinha um tom de satisfação que só me irritava mais. — Isso é só porque eu ainda não a tive. Quando eu tiver, essa loucura vai passar. — As palavras saíram rápidas, como se fossem um mantra, algo que eu precisava repetir para me convencer. — Se você diz... — Ela deu de ombros, rindo outra vez, como se estivesse acima de toda aquela situação. Terminamos o almoço em silêncio. Eu sabia que tinha sido um péssimo amigo, mas estava preso demais na minha própria cabeça para pedir desculpas. De volta ao escritório, tentei me concentrar, mas era impossível. Minha mente voltava para Ruby. Para a forma como seu corpo parecia dançar ao ritmo de algo além da música. ... Já estava quase na hora de ir embora, mas, em vez de sair direto, resolvi passar na sala da Nat. Precisava conversar com ela, tentar tirar esse peso da mente e, quem sabe, conseguir algum insight sobre a dançarina mascarada que estava me enlouquecendo. Quando entro, Natasha está completamente alheia à minha presença. Ela está sorrindo para a tela do notebook, tão concentrada que nem percebe minha entrada. Isso já me parece estranho; Nat sempre foi atenta a tudo ao redor. — Pequena. — Chamo, esperando que meu tom casual a desperte. Ela leva um susto, fechando a tela do notebook com pressa, quase como se tivesse sido pega em flagrante. — Não te vi entrar. — Ela diz, com um sorriso que parece um pouco forçado. — Precisa de algo? Franzo a testa. Não é típico dela agir assim, tão desconectada. — Sabe... — começo, me aproximando. — Eu tava pensando sobre o que conversamos no almoço. Achei que você podia me ajudar... Interrompo minhas palavras quando percebo que ela não está prestando atenção. Seus olhos estão vagos, a mente visivelmente longe dali. — Ei, Nat. Eu tô falando com você. Ela pisca algumas vezes, voltando ao presente. — Perdão, Xavi. — Sua voz soa cansada. — Tô com a cabeça cheia demais essa semana. Eu a observo por um momento, tentando entender o que se passa. Nat sempre foi o tipo de pessoa que lidava com tudo de forma equilibrada, mas hoje ela parece diferente. — Acho que você tá trabalhando demais. — Comento, tentando aliviar o clima. — Que tal um jantar hoje à noite? Podemos conversar melhor, fora do trabalho. Você me conta o que tá passando nessa sua cabecinha, e eu aproveito pra te pedir umas dicas de como descobrir quem é a tal Ruby. Espero que a ideia a anime, mas, em vez disso, Natasha balança a cabeça com um sorriso leve, quase... enigmático. — Desculpa mesmo, Xavi. — Ela diz, parecendo sincera. — Mas eu já tenho um encontro hoje à noite. Pode ficar pra outra noite? Por um momento, fico sem reação. Um encontro? Natasha tem um encontro? Uma parte de mim não acredita; ela nunca mencionou estar interessada em alguém. E, confesso, esperava que ela ficasse mais empolgada com minha sugestão de jantar, como sempre ficava. — Conta outra, pequena. — Falo, sem esconder a incredulidade. — Você não é de sair com caras. Ela ergue as sobrancelhas, claramente ofendida pela minha reação. — Pelo visto, a pequena Nat tá crescendo, não é? — Sua voz é cheia de sarcasmo, mas há algo mais ali, algo que não consigo identificar. Suspiro, frustrado. Ela está me escapando, e isso é estranho. Nat sempre foi... minha. Minha melhor amiga. A pessoa constante na minha vida. — Tudo bem. — Respondo, me rendendo. — O jantar fica pra outra. Até amanhã, pequena. Ela me lança um sorriso divertido e manda um beijo no ar. — Até amanhã, Xavi. Enquanto saio da sala, uma sensação estranha me invade. Ela tem razão. Natasha não é mais a "pequena Nat" que eu conhecia. Ela mudou. Está mais confiante, mais misteriosa. E, pelo visto, já encontrou alguém que a faça sorrir daquele jeito. Uma pontada de algo que não quero reconhecer surge em mim. Ciúme? Não, isso não faz sentido. Eu não sou ciumento, e definitivamente não com a Nat. Mesmo assim, não consigo evitar a sensação de que estou perdendo algo importante. Por um momento, me pergunto se essa mudança dela é culpa minha. Se a distância que sempre mantive, acreditando que era o melhor para nós dois, a empurrou para longe. E, pela primeira vez, percebo que talvez, só talvez, a pequena Nat não seja mais tão pequena... e que isso me incomoda mais do que estou disposto a admitir. Natasha Lewis Observei Xavier sair da minha sala com um sorriso leve nos lábios. A frustração estampada no rosto dele ao ouvir minha recusa para o jantar foi impagável. Por tanto tempo, me coloquei aos pés do Xavi. Eu era a amiga sempre disponível, pronta para ouvir, para aconselhar, para estar ao lado dele sem pedir nada em troca. Mas isso acabou. As coisas precisam mudar. Quem sabe assim ele finalmente aprenda a valorizar a minha companhia. No passado, eu teria ficado eufórica com o convite. Teria aceitado sem pensar duas vezes, talvez até cancelado qualquer compromisso só para estar ao lado dele. E nunca mentiria para recusar algo vindo do Xavi. Mas, hoje, fazer isso foi um pequeno triunfo. Foi quase divertido vê-lo tão incrédulo quando mencionei o “encontro” que, na verdade, não existia. A verdade é que, em vez de um encontro, minha noite seria dedicada a algo muito mais importante: a mim. Desliguei o notebook, organizei minhas coisas e guardei tudo na bolsa. Enquanto caminhava até o carro, senti um misto de euforia e liberdade. Essa história toda da Ruby acendeu algo em mim. Algo que eu nem sabia que estava adormecido. Dirigi até o shopping, com uma decisão clara na cabeça: a pequena Nat precisava de uma transformação. Não era sobre me tornar outra pessoa, mas sobre renovar. Ainda seria eu mesma, mas com um toque de ousadia. Queria um guarda-roupa que refletisse a nova mulher que eu estava me permitindo ser. Algo menos conservador, sem abrir mão da minha essência. Passei por várias lojas, experimentando peças que normalmente eu nem consideraria. Saias um pouco mais justas, blusas com cortes estratégicos, lingeries que me faziam sentir poderosa ao me olhar no espelho. Ah, as lingeries… escolhi algumas para mim e também para a Ruby. Afinal, ela merece um toque especial para compor sua persona no palco. Enquanto isso, uma ideia surgiu: o perfume. Xavi sempre reconheceu o Miss Dior que uso há anos, mas Ruby precisava de algo diferente. Algo que ele não pudesse ligar à Natasha. Escolhi um perfume mais intenso, com notas sensuais, algo que evocasse mistério e provocação. Era perfeito. Depois das compras, parei em um restaurante aconchegante para jantar. Aproveitei a solidão para refletir sobre a semana que tinha pela frente e as mudanças que estava colocando em movimento. A sensação de renovação me deixou quase elétrica. Quando cheguei em casa, a ideia de descansar parecia improvável. Estava inquieta, minha mente a mil. Tentei assistir a um filme, mas meus pensamentos continuavam vagando. Sobre o Xavi, sobre a Ruby, sobre como seria assumir esse lado mais ousado de mim mesma. Adormecer foi um desafio. A euforia ainda pulsava em mim, como se meu corpo estivesse se preparando para algo grande, algo que ainda estava por vir. Uma coisa era certa: essa semana seria diferente.Natasha Lewis Entrei no escritório com um misto de ansiedade e determinação. Não era apenas um dia comum, era o início de uma nova fase. Minha decisão de mudar não foi fácil, mas, depois de anos sendo a “Pequena Nat”, eu precisava romper com essa imagem. Xavier sempre me via como a amiga fofinha, confiável, a que estava lá para ouvir seus desabafos e rir de suas piadas. Hoje, eu queria que ele me visse como algo mais.Vesti um blazer ajustado de couro preto por cima de uma blusa decotada de cetim vinho. Minha saia lápis delineava minhas curvas, e os saltos que escolhi – altos, mas elegantes – faziam ecoar cada passo meu pelos corredores. Finalizei com uma maquiagem que realçava meus olhos e batom vermelho, um tom ousado que eu nunca tinha usado antes. Era como se eu tivesse vestido outra pessoa, mas ao mesmo tempo, era uma versão de mim que sempre quis explorar.O burburinho começou no momento em que passei pela recepção. Sara, que geralmente me cumprimentava distraída, quase derrubo
Xavier Alcântara Era sexta-feira, e eu mal podia conter a ansiedade. Ruby tinha algo que me deixava fora de controle. A maneira como ela dominava o palco com seus cabelos curtos brilhando sob a luz, o olhar desafiador que parecia encarar cada homem e dizer “você não pode me ter”. Ela era como uma tempestade: fascinante, imprevisível e impossível de ignorar. Hoje, decidi que tentaria algo diferente. Cheguei cedo ao The Beats, determinado a encontrá-la antes do show.O bar ainda estava se ajustando. Luzes sendo testadas, garçons organizando as mesas. Um vazio antecipado preenchia o espaço, mas minha mente estava ocupada demais para perceber os detalhes. Tudo o que importava era encontrá-la, decifrá-la, ter a chance de conhecer o que existia por trás daquela máscara de sedução.No balcão, Pablo já estava acomodado como se aquele lugar fosse sua extensão natural. Ele segurava um copo de uísque com a familiaridade de quem entende mais sobre álcool do que sobre pessoas.— Chegou cedo — ele
Natasha Lewis O motor do carro ronronava suavemente enquanto eu dirigia pela cidade, o brilho das luzes da rua refletindo no para-brisa. Pérola estava ao meu lado, o olhar curioso voltado para mim. Havia algo reconfortante nela, uma simplicidade que contrastava com o caos que meu coração carregava.— Ainda não quer falar sobre aquele assunto? — ela perguntou, lançando-me um olhar paciente.Suspirei, fixando meus olhos na estrada à frente.— É complicado. Acho que nem eu entendo direito. — Minha voz saiu hesitante, quase engolida pelo som do motor.— Sou boa ouvinte, sabe? — Pérola disse, dando de ombros com um sorriso pequeno. — E não sou do tipo que julga.Olhei para ela rapidamente, surpresa com sua espontaneidade. Não fazíamos amizade há muito tempo, mas algo em sua presença era acolhedor. Decidi arriscar.— Aquele homem que estava no camarim é o Xavier. Somos melhores amigos desde o ensino médio, trabalhamos juntos
Xavier Alcântara Sábado à noite. Mais uma vez, a boate estava lotada, os clientes se amontoavam para ver o show, mas minha mente estava longe dali. Meu olhar mal conseguia acompanhar a apresentação da outra dançarina no palco. Não que eu não apreciasse o talento das mulheres que subiam ali, mas meu foco estava em uma só: Ruby.Enquanto os homens lá fora buscavam qualquer distração momentânea, eu atravessava os corredores iluminados por luzes vermelhas, rumo ao camarim. Era o meu novo ritual nas noites de sábado. O que começou como uma brincadeira para atrair a atenção dela agora havia se tornado quase uma obsessão. Eu precisava vê-la, nem que fosse por poucos minutos.Empurrei a porta do camarim e lá estava ela. Ruby. Sentada diante do espelho, concentrada em passar o batom vermelho que marcava seus lábios cheios. A cena era quase teatral — o reflexo dela me encarando, o sorriso malicioso brincando no canto da boca. Uma rainha no próprio reino.— Você é insistente — ela disse, sem se
Xavier Alcântara Esse último mês tem sido um caos, uma verdadeira loucura. A coleção de primavera está prestes a ser lançada, e parece que a pressão do mundo inteiro caiu sobre os meus ombros. Os dias se arrastam entre reuniões, ajustes de última hora e a correria para garantir modelos para o evento. Eu mal consigo respirar, quanto mais me concentrar.E como se o estresse do trabalho não bastasse, tem Ruby. Aquela mulher me consome, me domina até nos momentos em que eu deveria estar focado. Não importa o que eu faça, ela não sai da minha cabeça. A cada segundo livre, minha mente volta para o jogo de sedução que estamos jogando — ou que ela está jogando comigo, pra ser mais preciso.Ruby é fogo puro, e eu me sinto cada vez mais atraído pelas chamas. Cada sorriso malicioso, cada palavra dela é uma provocação, e isso me deixa louco. É como se eu estivesse preso em uma corda bamba entre desejo e frustração. Eu quero ela de um jeito que nunca quis ninguém antes, e isso me assusta tanto qu
Natasha Lewis A semana inteira foi estranha. Apesar de ainda almoçarmos juntos e conversarmos como de costume, algo entre mim e Xavier havia mudado. A conexão que sempre tivemos parecia perdida, e isso me matava por dentro. Mas hoje, sexta-feira, eu decidi que seria diferente. Se ele ainda insistia em estar por perto, era porque não havia desistido de mim. E eu? Bem, eu decidi que essa noite ele seria meu. Estava de costas quando ouvi a porta se abrir. Seu perfume chegou antes dele, aquele cheiro amadeirado e familiar que fazia minha pele arrepiar. Virei-me lentamente, um sorriso desenhando-se nos meus lábios. — Sempre insistente, Xavier? — provoquei, inclinando a cabeça enquanto ele fechava a porta atrás de si. Ele devolveu o sorriso, aquele olhar penetrante que fazia meu coração disparar. — Se eu quero algo, corro atrás. Caminhei em sua direção, lenta e calculadamente. — Que bom que veio. Porque hoje... — pausei, mordendo levemente o lábio, vendo sua atenção fixar-se ali.
Xavier Alcântara SábadoVejo Natasha entrar no salão do evento, ela está simplesmente deslumbrante com aquele vestido preto, seu cabelo solto ondulando suavemente sobre os ombros. Suspiro, faz tempo que ela não me abraça mais, e eu sinto falta.Enquanto seguro meu copo de whisky, observo ela sorrir enquanto é abraçada por Pablo. Puta merda, eles tinham que ficar tão próximos? Ajeito o nó da minha gravata, tentando ignorar o nó de ciúmes que se forma no meu estômago.Natasha me nota e faz um tchauzinho de longe. Sério que ela não vai vir até aqui me cumprimentar? Será que estou sendo invisível para ela?Fico ali, bebendo e observando a festa até a hora de subir ao palco.— Boa noite, pessoal — começo. — Sejam bem-vindos a essa noite. O desfile será para anunciar a coleção da Alcântara Clothes de verão. Então, aproveitem e obrigado por virem.Em meio aos aplausos, saio do palco e volto para perto do bar. De longe, vejo o desfile acontecendo, mas meu foco está na Natasha. Vejo quando Pa
Natasha Lewis A semana tinha sido uma montanha-russa. Desde que comecei a cobrir as tarefas de secretária do Xavier, passamos horas juntos, mais do que eu estava acostumada. Ele me ensinava, me corrigia com paciência, e vez ou outra me arrancava sorrisos com suas piadas quase infantis. A proximidade dele, o jeito que ele me olhava às vezes, como se tentasse decifrar algo… Tudo isso começou a me confundir. Não era como se algo tivesse mudado entre nós, mas talvez fosse só eu, enxergando mais onde não devia.Agora, na sexta-feira à noite, era o momento de me desconectar. Ruby, meu alter ego no The Beats, sempre me dava essa fuga. A música, as luzes, a dança. Era libertador, uma parte de mim que não cabia no papel de Natasha, a garota doce que ele chama de “Pequena Nat”.Entro animada no quartinho onde costumamos nos preparar, pronta para me transformar, quando vejo Pérola sentada no banquinho, a cabeça baixa, os ombros sacudindo levemente. Ela está chorando.— Pérola? — digo baixinho,