6

O que eu iria fazer com aquele homem todo machucado dentro do meu quarto? Minha vó com certeza estava dormindo feito pedra após o remédio que ela tomou, e mesmo que não tivesse eu não teria coragem de ir até ela falar que Julian estava dentro do meu quarto no meio da madrugada. Eu precisava saber o que havia acontecido com ele.

"Eu vou buscar um pano e uma vasilha com água. Espera aqui." Falei baixinho e sai do quarto. Desci até a cozinha e peguei um pano limpo e um balde pequeno com água.

Coloquei o pano dentro do balde e levei também um copo de água filtrada pra ele beber. Minhas mãos estavam trêmulas. Subi de volta para o quarto, não sem antes dar uma olhada na vovó. Ela ainda estava na mesma posição e parecia que não iria acordar tão cedo. Quando entrei no meu quarto, coloquei o copo com água encima da minha cômoda e o balde no chão, tranquei a porta e fui até Julian que estava sentado apenas com a mão na cabeça.

"Ei. O que você está sentindo?" Perguntei sentando-me ao seu lado.

"Nada." Respondeu ele.

"Como nada? Você está todo machucado! Não está doendo?" Exclamei tentando manter o tom sussurrante.

"Eu não sinto. Não sinto dor, o lugar onde eu vivi por anos me fez adormecer para a dor." Disse ele e eu senti um calafrio, havia dor na voz dele.

"Lugar? Que lugar?" Perguntei intrigada.

"Estou com sede." Não acreditara. Ele estava mudando de assunto descaradamente. Mas tudo bem, nos conhecíamos somente a um dia, senti que aquele assunto era sensível e muito particular.

Fui até a cômoda e peguei o copo com água. "Aqui está." Entreguei a ele, imediatamente ele bebeu como se tivesse a dias com sede.

"Que água boa." Disse ele e eu não pude evitar de sorrir.

"É só água." Falei. "Está com fome? Quer comer alguma coisa?"

"Se tiver, eu aceito."

"Mas claro que tem. Vou pegar alguma coisa pra você." Falei e sai do quarto.

Voltei na cozinha, peguei um prato e coloquei macarrão com carne moída, esquentei no microondas. Fiz questão de levar algumas folhas de alface e cortar pra ele, temperei do meu jeito e levei pro quarto.

Quando entrei no quarto, me surpreendi, Julian estava de olhos fechados e recostado no sofá, parecia estar dormindo. Eu havia demorado tanto assim? Me aproximei com o prato de comida e deixei na cômoda, tranquei a porta novamente e fui até onde ele estava, ficando de frente pra ele, eu o olhei dormindo.

Mesmo os machucados, não eram graves, mas mesmo assim não diminuía sua beleza, ele era tão bonito que eu não conseguia descrever, ainda não tinha dado tempo para eu colocar meus pensamentos no lugar. Eu tinha muitas e muitas perguntas para fazer, mas sabia que não era o momento certo, não queria ser incoveniente. Mesmo o conhecendo a tão pouco tempo, senti que precisava estar ali para ele.

Sem pensar direito, ergui uma de minhas mãos e passei em seu rosto, pele macia mas cheia de tensão por baixo. Merecia uma foto, daria uma ótima foto. Busquei meu celular com pressa e tirei uma foto. FLASH. Droga, não abaixei o barulho e o não tirei o flash.

"Está gostando?" Perguntou ele com tom zombeteiro. Me senti muito envergonhada por ele ter me pego naquele momento constrangedor.

"Desculpe, mas... você estava tão bonito dormindo." Oh não. Eu não disse aquilo, que merda, eu tinha o dom natural de entrar nessas saias justas e me complicar cada vez mais.

"Como pode me achar bonito assim? Eu sou feio, Eloíse. Estou cheio de marcas no meu rosto, como pode achar alguém assim bonito?" Perguntou ele e eu engoli em seco. Precisava dizer a ele.

"Nunca mais diga que você é feio. Mesmo com todos essas feridas, eu acho você muito bonito." Falei e fui em busca do prato encima da cômoda. "Tome." Dei a ele o prato.

"Quem é você, menina? Você não deveria fugir de mim? Ter medo por eu chegar assim no seu quarto no meio da madrugada, desconfiar e me encher de perguntas? Se eu acreditasse em alguma coisa, diria que você é um anjo e não um ser humano." As palavras dele aqueceram o meu coração, me senti feliz em ajudar alguém, confesso que nunca tive malícia e nem maldade em relação a ninguém, meu coração era bondoso e eu não podia evitar.

"Eu senti que deveria te ajudar, senti no fundo do meu coração que podia confiar em você, desde o momento em que você me trouxe pra casa, e que poderia fazer qualquer coisa ruim comigo, você não fez." Falei observando ele comer. "E sobre perguntas, eu tenho muitas, várias. Mas sei esperar o momento certo." Disse e dei-lhe um sorriso terno.

Me sentei na cama enquanto ele comia. Passaram-se alguns minutos e ele me entregou o prato, coloquei no chão perto da cama.

"A comida estava deliciosa." Disse ele e passou a língua nos lábios, mordi o lábio inferior tentando conter o arrepio que me fez quase tremer.

"Posso limpar seus machucados?" Pedi, eu queria muito tratar dele. Era estranho e eu sabia, não era normal minha atitude com aquele estranho.

"Claro." Disse ele.

"Se doer, você me fala que eu paro." Percebi ele sorrir ao ouvir minha frase. "Qual a graça?"

"Nada. Não quero estragar sua inocência." Disse sorrindo.

"Eu não sou tão inocente assim, já disse." Respondi emburrada e comecei a limpar os machucados dele.

"Não!?" Ele franziu o cenho.

"Claro que não. Não se engane com o meu rostinho angelical." Pisquei pra ele com deboche.

"O que está querendo dizer com isso?" O tom dele estava sério e ele afastou a minha mão.

"Só estava brincando..." Falei e ele então suavizou a expressão.

Continuei limpando os machucados, eram poucos, quase nada. As manchas de sangue que era exageradas e parecia que havia sido algo grave. Pronto, agora ele estava totalmente limpo, tirando por seu terno e camisa que tinham algumas manchas. Durante algumas vezes eu bocejava.

"Está com sono?" Ele perguntou-me.

"Um pouco, mas eu aguento ficar aqui com você." Respondi. "Se quiser usar o banheiro, fica ali naquela porta." Disse apontando para a porta do banheiro que tinha dentro do quarto.

"Eu queria tomar um banho, tem algum problema?"

"Não, vou te dar uma toalha." Peguei uma toalha e o entreguei. Ele entrou no banheiro e ficou lá por volta de cinco minutos.

Após isso ele saiu com a toalha enrolada na cintura. Eu deitada olhei aquela visão e fiquei quente, me mexi na cama incomodada.

"Precisa de algo?" Minha voz saiu falhada, tentei desviar o olhar mas não consegui, ele tinha um volume no meio das pernas que deixou minha respiração ofegante. Me sentei na cama tentando encostar minhas coxas uma na outra procurando alívio daquela sensação que só senti depois que conheci Julian.

"Desculpe, confundi com minha casa que sempre saio do banheiro e me troco no quarto." Falou rápido e entrou no banheiro. Dois minutos ele saiu vestindo apenas a calça e a camisa. O colete e o terno estava em sua mão.

"Pode colocar aqui no canto." Mostrei o canto e ele colocou a roupa lá.

"Obrigada." Disse ele e se sentou ao meu lado na cama. "Eu acho melhor eu ir embora, devo estar incomodando. Aliás, já incomodei demais." Falou e se levantou, era idiota eu me sentir daquele jeito por ele, mas não conseguia segurar, era automático, eu não queria que ele fosse embora.

"Você pode ficar essa noite, se você quiser, mas amanhã cedo você precisa ir, minha avó vai me matar se souber que um homem dormiu no meu quarto."

"Tá, eu fico, se a senhorita insiste." Disse ele suprimindo um sorriso, dei um tapa em seu braço. "Se sua intenção era me fazer cócegas, eu não sinto." 

"Não era cócegas, era um tapa." Expliquei revirando os olhos.

Caímos na gargalhada juntos, me dei conta de que minha avó dormia no quarto ao lado e que poderia acordar a qualquer momento, então segurei o resto do riso e fiz sinal de silêncio para Julian. Ele parou de sorrir e me olhou com brilho nos olhos. Algo dentro de mim doía, era impossível decifrar o que eu estava sentindo, era como um sentimento, era novo, eu queria mais dele e precisava da presença e atenção de Julian, não importa a quantas horas eu o conhecia.

"Acho melhor a gente dormir, amanhã tenho aula." Falei.

"Tudo bem. Você pode me dar uma coberta, para eu me deitar no sofá."

"Você não acha esse sofá pequeno pra você? Mal cabe a mim, pode deitar comigo na cama, eu não mordo." Falei com tom zombeteiro.

"O problema não é você me morder, e sim eu." Ele era muito melhor em provocação do que eu, corei imediatamente. "Além do mais eu tenho dificuldade para dormir. Não durmo, na verdade."

"Eu posso cantar para você dormir. Tem uma canção que minha avó sempre cantava pra mim, ela era infalível."

"Cantar pra mim?" Ele parecia receoso. O que havia acontecido com aquele homem? Será que ele nunca havia tido carinho e afeto de ninguém?

"Sim. Vem, você vai cair no sono rapidinho." Entrei debaixo das cobertas e dei uma batidinha ao lado para ele deitar, sorte que era uma cama de casal.

Ele se deitou ao meu lado sem protestar, deitados de barriga para cima na cama estávamos. Então comecei.

"Dorme, dome Julian, seus amiguinhos estão aqui, dorme, dorme Julian, seus amiguinhos estão aqui. Chamei o cachorrinho, chamei também o leãozinho, e o jacarezinho quis vir também, dorme dorme amiguinho." Olhei para ele e na luz da lua que refletia em seu rosto ele queria sorrir, mas se segurou.

"Está funcionando. Estou com sono." Disse ele sorrindo finalmente, tentei segurar ou me sentir ofendida por ele ter dado risada da minha canção, mas apenas cai na risada com ele.

Paramos de sorrir e ficamos em silêncio. Talvez devesse ter passado alguns minutos, olhei para o homem ao meu lado, tão bonito... Ele dormia, me sentia realizada com aquele simples gesto, ter ajudado ele a ter uma noite de sono, já que segundo o próprio, ele não dormia.

"Quem é você Julian..." Sussurrei enfrentando as muitas perguntas que eu tinha para fazer, eu teria oportunidade depois para fazê-las.

Fechei os meus olhos e a escuridão do sono sem sonho me envolveu.

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