Capítulo 4

Jessye Squared

Acordo com o sol batendo em minha cara e demoro a me localizar, quando finalmente lembro onde estou quase tenho um ataque cardíaco por ver que havia dormido mais do que o necessário. 

Levanto correndo e fuço na única bolsa que não havia sido mexida por sabe Deus quem, buscando minha escova de dente, pentes e acessórios para os meus cabelos. Minhas demais roupas estavam no closet e confesso que fiquei surpresa ao ver que nenhuma delas de fato eram minhas, afinal estavam todas novas. 

Se isso foi obra da minha mãe, tenho certeza que sim, ela resolveu repaginar meu guarda roupa com uma coleção mais adulta, não que eu estivesse reclamando já que amo moda e amo me vestir bem, mas tinha algumas peças íntimas realmente interessantes e assustadoras, sem contar meus pijamas que um pouco mais sensuais me obrigariam a dormir de calça jeans e camiseta. 

Jogo uma água no rosto depois de escovar os dentes e acabo deixando minha escova junto a dele no potinho. Tenho vontade de rir, por lembrar de cenas de filmes como essas, onde a mulher deixa intencionalmente os pertences na casa do namorado para indicar um relacionamento mais sério. No meu caso era meio que uma obrigação, iria morar ali para o resto da minha vida e não tinha muito o que fazer ou me acostumava com aquela ideia ou me obrigava a me acostumar, então não vamos criar alardes com isso. 

Saio do banheiro para me trocar e coloco um vestido mais soltinho e rasteirinhas, ficaria em casa, sem nada para fazer enquanto não conhecia a localidade, na realidade nem sabia se poderia sair sem um segurança. Apesar de não ser conhecida por aqui meu rosto e o do senhor encrenca está estampado em vários jornais e revistas. 

Acabo rindo sozinha pelo apelido que dei a ele a algum tempo atrás. 

Receosa e ressabiada desço as escadas esticando meu pescoço para todos os cantos possíveis. O local era pequeno, não dava para se esconder ou simplesmente fugir, se o Voyaller não estivesse naquele andar então com certeza teria saído. 

Suspiro um pouco aliviada por não encontrá-lo e sigo minha exploração, observo o que havia para comer dentro da geladeira e dos armários e vejo que estava abastecida, porém não tinha nada pronto e para ser sincera odeio cozinhar, mas sei me manter viva se necessário.

Fico feliz em descobrir que ele gostava do mesmo cereal que eu e preparo uma tigela que seria meu café da manhã/almoço, pois já havia passado das onze horas da manhã. 

Se eu dormisse tanto assim na minha casa, com toda certeza teria levado uma sussurra de minha mãe. Ela deixa claro que mulheres devem sempre acordar primeiro para estar apresentáveis aos seus respectivos maridos. 

Irritante, confesso, mas a entendo e não a julgo, cada um tem uma maneira de pensar e meus pensamentos eram totalmente diferentes dos dela. 

Comendo meu cereal, sento-me no sofá e ligo a televisão pulando de um canal para o outro, mas não encontro nada de interessante. Acesso minha conta na N*****x e descido matar meu tempo enquanto terminava de assistir algumas séries.

As horas se arrastam rapidamente e quando observo o relógio já era quase noite, suspiro por saber que teria que preparar algo se quisesse comer e vou para a cozinha. 

Sabia que o meu “marido” não retornaria tão cedo, pois as obrigações que ele carrega são muito pesadas e acabou triplicando com nosso casamento, não que eu me importasse, mas sei lá, estávamos morando juntos a menos de vinte e quatro horas e ele podia pelo menos avisar se estava vivo. 

Não conheço muito bem a Itália, apesar de ter passado alguns meses aqui por ordens do meu pai para estudar melhor a língua e aprender tudo o que eu podia sobre o país e a família Voyaller. 

Bem, o dragão é meio restrito a informações e não aceitou muito bem a ideia do meu pai, sem contar que ele não gostou nada que invadi seu escritório. Faço uma careta ao lembrar da cena e pensando bem sinto-me envergonhada, mas juro que queria uma única conversa com Jack.

Imploraria sem nenhuma vergonha para ele recusar esse casamento, entretanto estamos aqui e vamos esquecer o passado ou entraria em curto-circuito de tanto pensar. 

Acabo escolhendo um jantar mais fácil, uma macarronada cairia bem, então decido que seria isso mesmo, pois não tinha paciência de elaborar pratos complexos e cheios de detalhes. 

O simples também é gostoso se preparado com amor.

Jack

-O que faremos com Edgar irmão? –Pergunto analisando Dante a minha frente visivelmente pensativo. 

-Bom sabíamos das responsabilidades que esse casamento teria, então não temos muitas opções. 

-Edgar logo solicitará nossa presença na Alemanha para minha apresentação e nem sei o que fazer. Acha que eu queria ser a porra de um chefe? É claro que não, fui treinado como vocês para liderar, mas caramba, em toda a minha vida soube que era o mais novo e seria praticamente impossível para mim ocupar o lugar atrás de uma dessas mesas. –Confesso atônito. 

-Eu sei que você nunca quis isso Jack, mas assim como eu você tem capacidade de comandar um país. 

-O problema é que eu não quero. –Rio irônico. –Não quero Dante. 

-Não é uma questão de querer. –Ele faz uma careta. –Você tem, pode não ser agora, pois Edgar ainda está vivo, mas quando chegar a hora você assumirá aquele país Jack, da sua maneira. –Dante afirma me fazendo suspirar. 

-Estou me conformando com esse fato ainda. –Digo por fim. –Mas não foi para isso que vim aqui. 

-Eu sei porque veio. 

-Você sabe tudo irmão. –Faço uma careta. 

-Com o seu casamento compramos as brigas de Edgar e pode ser que em uma dessas o país seja nosso aliado. –Ele coça a testa com a ponta dos dedos. 

-Exatamente. –Afirmo cruzando os braços. 

-Já havia conversado com Edgar sobre alguns desses fatos, disse que não nos envolveríamos em assuntos pessoais e ele concordou, mas não gostou muito da ideia. Você não assumiu o poder de Edgar e não pode mudar as coisas por lá ainda, então vamos levar as coisas como estão. 

-Explique, pois nada disso me convenceu. 

-Edgar tem o poder sobre a Alemanha ainda, então ele resolverá os assuntos dele e nós os nossos como sempre foi. Quando chegar a hora de você assumir as coisas por lá, podemos selecionar alguém para tomar o seu lugar e nos manter informados de tudo como fazemos aqui. É claro que no começo acredito que você precisa estar presente, mas depois de um tempo as coisas começarão a se encaixar. 

-Vendo por esse lado não é uma ideia ruim, mas não sei se confio em Edgar, sinceramente aquele velho não me desce. 

-Apenas entre no jogo e tente tirar o máximo de proveito que conseguir. O que ele quer é poder e com esse casamento nós demos a ele muito poder, mas da mesma maneira recebemos, então se ele está puxando a corda para o lado dele, podemos inverter o jogo e fazer o mesmo. Só precisamos ser mais fortes e descobrir seu real motivo, se ele realmente existir. Edgar apesar de velho ainda tem muita saúde, curta um pouco sua juventude e pare de focar em assuntos tão complexos com antecipação. 

-Curtir minha juventude como Dante? Acabei de me casar com uma mulher que nem conheço e prometi amá-la e respeitá-la na saúde e na doença, na alegria e na tristeza até que a morte nos separe, sendo que eu não sinto nem empatia por ela. –Despejo minhas frustrações sobre meu irmão mais velho que me olha com culpa. 

-Desculpe-me por isso Jack, também não queria que as coisas fossem assim, mas não adianta se culpar agora, você também aceitou a proposta e eu duvido que no fundo do seu coração você não tem um pingo de interesse naquela jovem. Ela faz muito bem seu tipo, te conheço irmão e te conheço muito bem. –Semicerra os olhos desconfiados. 

Bufo e passo as mãos nos cabelos como se aquilo fosse o maior absurdo que eu poderia escutar, mas lá no fundo sabia que meu irmão tinha razão. 

-Você está maluco. –Limito a dizer. 

-Seja sincero com você mesmo Jack e não ferre com as oportunidades que a vida está lhe dando. Às vezes achamos que estamos no nosso pior, mas o pior pode ser o nosso melhor basta querermos. 

-Ela é linda Dante, é isso que você queria ouvir? Linda e educada, foi rigorosamente treinada e moldada para ser assim. Esse é nosso mundo, somos bonecos moldáveis e sempre será assim mesmo que tentamos não ser. Porque nascemos nas sombras e não há como sair dela, é um fardo que carregaremos eternamente, duras consequências que nosso pai nos deixou e que não mudará, nunca, exatamente nunca, pois somos mafiosos, assassinos e extorquistas. 

O olhar calmo do meu irmão, vaga pela sala até finalmente parar sobre os meus novamente, era a mesma coisa de encarar o reflexo dos meus em um espelho, o mesmo tom de azul e a mesma intensidade de desespero. 

-Você é jovem demais para ter essa visão da nossa vida. 

-Você é apenas quatro anos mais velho Dante. –Nego rindo. –E parece um velho de sessenta dando sermão no filho de vinte que não quer seguir o que está mandando e impondo.  

-Às vezes esqueço esse fato. –Ri sem humor. –A grande verdade é que compreendo onde quer chegar Jack, também tive as mesmas dúvidas que você, me questionei e me culpei, mas a resposta sempre será a mesma. Nada de fato irá mudar e não podemos simplesmente abandonar o barco no meio do caminho e sair nadando mar aberto. Eu também queria ser uma pessoa normal, sem o peso da máfia, sem o peso de tanto sangue escorrendo por minhas mãos, de tantas vidas, mas não posso. Você não pode, Max e Royal não podem, nem mesmo Eva pode. Somos o que somos e ponto final. 

Aquelas palavras não colaboram em nada com a minha boa sanidade mental, se já estava preocupado agora então o desespero triplicou, sempre fui bem realista e nunca mascarei e pintei bondade em nossas ações, mas ouvir tudo tão abertamente de Dante me decepcionou ou talvez bem lá fundo eu tinha esperanças de que poderia mudar e ser diferente. 

-Levante e volte para casa. Por mais que odeie tudo o que aconteceu e foi obrigado a aceitar, Jessye não tem culpa e também é uma vítima do pai. Ela não merece receber seu desprezo e ódio. Tente Jack, não estou pedindo para amá-la, apenas para compreendê-la e se tornem amigos. Vocês podem fazer dessa relação um verdadeiro inferno ou simplesmente podem aceitar que terão que conviver juntos para o resto da vida, pois em contrato como esses não existe divórcio. 

Não queria concordar, não queria aceitar, mas sim, Dante tinha razão e por mais estranho que isso possa soar, ele sempre tem a porra da razão. 

-Infelizmente você tem razão. –Afirmo. –Tentarei uma boa convivência com a garota.

-Perfeito, logo mais Edgar solicitará nossa presença na Alemanha e mostraremos que somos bem diferentes de Donatel. 

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