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Capítulo 4 – A Primeira Paixão

A paixão e um sentimento perigoso para quem não tem experiência para administra-la no coração, pois cega os olhos e enfeitiça a mente, impedindo que seja possível raciocinar corretamente.

Logo após conhecer aquele lindo jovem bem sucedido e aparentemente dotado de enorme caráter, Inês se deixou envolver por seus encantos e em pouco tempo encontrava-se completamente dependente da sua presença constante no seu dia a dia. Um segundo distante dele parecia ser uma eternidade.

Não adiantaram os conselhos recebidos de amigos nem da própria Lorena que tentavam adverti-la sobre o risco de estar se entregando por inteira a um aventureiro, pois devido estas insinuações acabaram por irritar a jovem que depositou no namorado toda a confiança deste mundo.

Aquela louca paixão levou Inês a se distanciar da família, dos colegas e de seus fãs. Contratos para desfiles de modas e publicidades foram cancelados a mando dele porque demonstrava ciúmes e exigia que ela não se expusesse publicamente. Praticamente abandonou a administração do setor de designer das indústrias pertencentes a mãe adotiva e passava maior parte do tempo aventurando-se ao lado de seu amado.

 Fosse em passeios pelas cidades, Estados brasileiros e até noutros países, gastando de forma absurda parte de tudo o que havia conquistado com seu árduo trabalho. Tudo isso acontecia sem que alguém pudesse colocar um freio na loucura que caiu sobre a moça que prometia ter um futuro promissor. Além de se tornar completamente irresponsável com seus compromissos e não mais levar em conta as próprias consequências.

 Inês passou a ingerir altas quantidades de bebidas alcoólicas, fazer uso de drogas e trocar o trabalho pelas noitadas extravagantes ao lado dos novos amigos viciados. Sem ter outra forma de conter o descontrole da filha, Lorena se viu obrigada a intervir de maneira drástica, pondo fim ao que servia de sustento para aquela insanidade, ordenando que fossem bloqueados todos os seus cartões de créditos e contas bancárias.

 Impedindo que ela tivesse meios de prosseguir com seus gastos absurdos e sem limites. ADOWA e ABEBA também sofriam ao saber da triste situação em que estava única filha e com a ajuda de Lorena vieram ao Brasil tentar convence-la a dar um basta naquela situação, porém nada adiantou.

— Desculpem, mas não possuem o menor direito de intervir dessa maneira na minha vida, não sou mais aquela menininha que vivia com vocês naquele barraco podre lá na África. Além disso, estou gastando meu próprio dinheiro que ganhei com o suor do meu trabalho, então parem de tentar controlar aquilo que é meu!

— Filha, estamos apenas tentando evitar que você cometa alguma loucura e prejudique a si mesma com essas atitudes irresponsáveis

— E o que o senhor entende de responsabilidade, papai? Lembra que mesmo sendo um pobre coitado, morando num país miserável, engravidou minha mãe sete vezes, quando por ser um zé ninguém não podia sustentar nem um só filho?

— Inês, respeite seu pai! — interviu Lorena

— Fique fora dessa conversa porque não quero ser grosseira com a senhora!

— Olhe aqui mocinha se pensa que vai me tratar dessa maneira só porque hoje está sentada numa montanha de dinheiro está muito enganada!

— E o que vai fazer para me impedir de te falar umas verdades, bater em mim? Pois tente e te colocarei na cadeia! — Indagou, apontando o dedo no rosto do pai

— Chega, ADOWA, vamos embora daqui. Nossa filha está enlouquecida

— Mas que diabos é isso agora, porque todos vivem me chamando de louca?

— Talvez seja porque você esteja se comportando como uma!

— Já falei para não se meter nessa discussão, mãe Lorena!

— Ah, então ainda me reconhece como mãe? Pois neste caso vou lhe colocar no seu devido lugar, minha filha

— Está me ameaçando, mãezinha? — Desdenha da mãe adotiva com um falso riso

Para evitar maiores desavenças o casal de idosos se retira e Lorena ordena que Inês saia de sua presença o que ela faz com todo prazer, saindo no seu carro ao encontro dos falsos amigos com quem andava se relacionando.

O rapaz e seus colegas mesmo pertencendo a alta sociedade era um mal caráter da pior espécie e acompanhado por pessoas de má índole, nem mesmo seus familiares o suportavam. Mas essa falha moral e tudo o que ele representava de negativo parecia ser irrelevante na vida daquela mulher perdida de paixão.

Ele havia sido seu único namorado, a seu lado viveu a primeira experiência sexual, o primeiro beijo e foram suas mãos quem primeiramente acariciaram seu corpo ainda puro, virgem e inocente. Fazê-la enxergar seus defeitos não seria uma tarefa fácil.

Entretanto, não somos nós quem decidimos a forma como o destino escreve nosso papel na história onde somos chamados a atuar como personagens principais ou como coadjuvantes. Ele costuma nos dar o livre arbítrio, a liberdade para seguirmos nossos próprios caminhos, mas somente por um certo espaço de tempo, depois retoma as rédeas e determina o final do enredo.

Já sem saber mais o que fazer para conter as atitudes insanas da filha que largou tudo e se perdeu nos vícios, nas orgias e desceu do alto pedestal onde havia chegado para o fundo do poço.

 Vendo seu bom nome enlameado pelas críticas e difamações que a mesma mídia que um dia a engrandeceu mundo à fora Lorena reuniu-se com ADOWA e ABEBA, entraram num acordo e decidiram internar a jovem Inês numa clínica de reabilitação para drogados na França, bem distante de tudo e de todos, mesmo que para isso fosse necessário usar a força.

 E assim foi feito. Naquela manhã muita chuva caia e alagava toda a cidade de São Paulo, os noticiários deixaram de lado o foco sobre a triste história da renomada modelo que havia caído do pedestal da fama para viver no mundo das drogas e passou a noticiar o caos no qual se encontrava a terceira maior metrópole do mundo, totalmente tomada pelas águas das fortes chuvas que já haviam causado várias mortes e centenas de desabrigados, que só aumentavam a cada dia.

A mídia vive de novidades e isso ajuda a determinados escândalos virem a ser esquecidos rapidamente. Enquanto os telejornais noticiavam a catástrofe paulista a drogada era conduzida em segredo para Paris, num voo particular. Ninguém além dos pais de Inês estavam cientes do ocorrido e o namorado com os falsos amigos perturbaram-se ao notar a ausência da moça e decidiram procura-la, ´porém, foram brutalmente expulsos da mansão de Lorena.

 Ela ordenou a seus seguranças tratá-los como mereciam. Foram dois anos de tratamento naquela clínica distante de todos e de tudo o que pudesse interferir na sua recuperação, nem mesmo os familiares mantinham contato com a paciente que perdeu de vez a lucidez.

Trancada dentro de um apartamento e recebendo visitas periódicas apenas dos médicos e enfermeiros Inês permanecia o tempo inteiro longe da realidade, falava com alguém imaginário e pronunciavam frases desconexas. Para poder se manter calma vivia a base de fortes medicamentos que dificultavam ainda mais seu contato com a realidade com reações alucinógenas.

A menina vendedora de bolos feito do fubá de milho pelas ruelas estreitas de uma humilde tribo no Sul da África e que foi adotada por uma celebridade pela influência do destino, se deixou levar pelos falsos encantos de um viciado que a envolveu de cabeça no seu mundo destrutivo e maligno.

Todos os dias Lorena e os pais biológicos entravam em contato com a clínica de recuperação em Paris, para saber notícias de seu estado de saúde, porém as respostas eram sempre a mesma. A jovem continuava sem dar um retorno positivo ao caríssimo tratamento e as esperanças de recuperação eram cada vez menores.

Ocorreu que devido alto consumo de drogas e álcool seu brilhante cérebro parecia não mais funcionar corretamente. Era como se ela estivesse habitando num mundo distante. Apenas seu, relacionando-se com seres criados pela sua própria imaginação. A grande estrela das passarelas e ícone da moda parecia ter enlouquecido.

 Lorena usou de todo o seu poder financeiro e influencia para punir o responsável pela triste condição em que se encontrava a filha, mas, sendo maior de idade a justiça entendeu que ela seria a responsável por seus atos. Entretanto a Juíza Dorotéia de Alencar analisou o caso e entendeu que o namorado da moça teria certa responsabilidade pelo ocorrido, pois ele a induziu ao uso excessivo de entorpecentes.

    Dessa forma teria que pagar uma volumosa multa para a família manter os custos do tratamento da mesma. Apesar de não ter a menor necessidade disso Lorena aceitou receber a multa determinada pela justiça pelos danos morais da jovem e repassou tudo para uma conta bancária em nome de ADOWA e ABEBA, seus pais. Foram longos dois anos de intenso tratamento, exigindo sempre muitos esforços da parte dos familiares, tanto biológicos quanto adotivos, para devolver a jovem Inês sua saúde mental.

Era primavera, quando as flores perfumavam o imenso jardim localizado em redor da ampla casa onde funcionava a clínica de tratamento para dependentes químicos e o colorido formado pela presença de tantas borboletas com suas cores variadas, as abelhas que colhiam o pólen para fabricarem o mel nas suas colmeias.

 Os beija-flores sobrevoando e beijando cada uma delas, bebendo néctar nelas encontrado, a manhã ensolarada e o forte soprar dos ventos sobre as árvores frutíferas enorme pomar que cercava aquele lugar, quando ela despertou daquele sono profundo que mais parecia um apagão na sua memória e se deu conta da realidade. Finalmente chegou ao fim sua confinação naquele isolamento.

Ao adentrarem no recinto as enfermeiras perceberam de imediato a mudança repentina na sua aparência e nas suas atitudes e concluíram que milagrosamente a paciente estava curada. De imediato entraram em contato com Lorena para informar a novidade e no mesmo dia ela partiu num voo particular em direção a França para rever e trazer de volta para casa sua menina. A recuperação surpreendente de Inês foi manchete em todos os jornais, revistas e na mídia em geral.

 Todos os seus fãs e admiradores comemoraram tamanha benção de Deus na vida daquela que aprenderam a amar e admirar. Depois de passar um bom tempo isolada na mansão, contando com o apoio de profissionais que ajudavam cada vez mais na sua recuperação e o apoio da família, por fim sente-se completamente curada e pronta para recomeçar suas atividades profissionais, então marcou uma coletiva de imprensa, onde dividiu com os fãs do mundo inteiro tudo de perturbador que viveu nos últimos anos.

— Como todos vocês sabem, nasci numa pequena tribo africana e cresci ao lado de meus pais e mais seis irmãos, nossa luta pela sobrevivência sempre foi intensa e muito difícil. Eu ajudava minha mãe, vendendo bolos feitos de fubá de milho pelas ruas do vilarejo para garantir nosso sustento, enquanto meus irmãos e papai passavam toda a semana na cidade mais na próxima realizando vários tipos de trabalhos para no final chegar em casa com alguma coisa que sustentasse a família. Em outras palavras, venho de uma origem miserável, porém com grandes sonhos no coração. E um deles era sair dali e conhecer o restante do mundo, para que dessa maneira pudesse encontrar uma forma de mudar meu antigo Estado de pobreza e ajudar meus familiares. E de fato consegui com a ajuda dessa mulher que está aqui ao meu lado.

Lorena foi mais que uma amiga, uma mãe, ela representa minha salvação. E agora, mais que nunca, ela se tornou alguém mais que especial na minha vida. Quero lhes dizer que estou de volta, são e salva, mais uma vez ultrapassei obstáculos e superei as dificuldades, retomei a caminhada que Deus reservou para mim. Muito obrigada.

Os presentes não contiveram a emoção após ouvir tão comovente depoimento e a aplaudiram num coro magnífico, digno de quem renascia das cinzas. Daquele dia em diante Inês jurou a si mesmo que nunca mais se deixaria dominar por sentimentos como amor e paixão, pois a experiência vivida quase lhe levou a morte. Fechou seu coração a tal ponto de muitos a considerarem insensível ao extremo.

Comovida depois que foi informada por Lorena sobre a maneira grosseira como havia tratado seus pais biológicos antes do internamento, devido o efeito das drogas, decidiu procura-los para se desculpar.

— Por favor me perdoem, sei que passei dos limites

— Não precisa se desculpar querida não foi você e sim as drogas

— Obrigado mamãe, sou grata pela compreensão de vocês

Porém, ADOWA não disse uma só palavra de perdão para a filha, tudo indicava que ainda permanecia magoado com a forma como foi por ela desrespeitado. O tempo passou e diversos novos pretendentes se candidataram no intuito de conquista-la, uns usando de sinceridade e outros por puro interesse, pois ela voltou com maior prestígio que antes.

Aquela negra de alta estatura, corpo esbelto, um par de quadris perfeitamente desenhados, belas pernas e um sorriso capaz de encantar até os mais racistas, desfilava pelas passarelas de diversos países no mundo, resplandecendo uma beleza nunca antes vista numa mulher de pele escura. 

Muitos homens de renomadas posições financeiras, grandes executivos e até celebridades do mundo artístico a cortejaram e nada conseguiram, tão endurecido ficou seu coração depois da enorme decepção sofrida ao conhecer o primeiro amor. Sua mãe, ainda muito preocupada lhe aconselhava sempre que possível.

— Minha filha, espero que realmente depois de toda essa tragédia pela qual você passou, ficando vários meses como uma louca naquele sanatório, tenha lhe servido de exemplo para saber escolher suas amizades futuras

— Sim, minha mãe, pode ter certeza disso.

De agora em diante saberei escolher mais sabiamente minhas companhias

— E amores também, entendeu? Porque não importa qual seja a origem de uma pessoa, o que devemos levar em conta é o caráter, a postura moral e seu proceder

— Foi apenas um descuido, lhe garanto que estarei mais alerta de agora em diante

Estaria mesmo a jovem adotada por uma das maiores personalidades do país, dona de um reconhecimento internacional e cujo nome contava entre as mulheres mais ricas do mundo amadurecida ao ponto de ser capaz de cumprir tais promessas?

Meses se passaram e Inês retomou sua vida normalmente, administrando as fábricas de tecelagem, as indústrias, lojas e toda a rede de criação dos novos produtos da sua renomada marca no mundo da moda, trazendo alegria e contentamento a todos que a amavam.

 Porém, a decepção sofrida com os homens a conduziu por um caminho que no final colheria como fruto somente espinhos e abrolhos. Seu aniversário que foi comemorado em alto estilo na sua mansão onde morava desde que foi adotada pela milionária Lorena, cercada de inúmeras outras celebridades.

 Empresários do mundo da moda, modelos e uma forte gama de repórteres se fizeram presentes e na ocasião conheceu Camila Mirtes, a quem muito se afeiçoou, nascendo entre elas uma grande amizade. A jovem era uma morena de encantadora aparência que havia atuado no ramo da moda como modelo, porém seu destaque profissional se deu mesmo no jornalismo, onde atuava como apresentadora num canal de notícias de uma importante emissora local, renomada na sua área de atuação.

As duas logo se identificaram uma com a outra e uma forte atração lhes uniu. Daquela noite em diante se tornou comum almoçar ou jantarem juntas, passavam finais de semanas numa chácara afastada da cidade, viajavam, porém nem Lorena ou qualquer outra pessoa mais próxima percebia qualquer estranheza naquela relação.

Aconteceu que Inês e Camila se identificaram tanto uma com a outra que nasceu ele elas um sentimento além de uma simples amizade, ambos haviam se decepcionado no convívio amoroso com os homens e decidiram iniciar um romance com pessoas do mesmo sexo, acreditando que dessa maneira pudessem finalmente ser felizes. Ocorre que naquele tempo ainda existia muito preconceito sobre este tipo de relacionamento pela sociedade da época.

E tão logo as duas mulheres declarassem publicamente que estavam mantendo um caso homossexual a notícia repercutiria como uma bomba sobre suas cabeças, uma nuvem de fumaça completamente negra se formaria.

— Jamais seremos compreendidas por essa sociedade machista e preconceituosa

— Quanto a isso não há a menor dúvida, meu amor, mas nada poderá impedir nossa felicidade. Se de fato nos amamos devemos unir nossas forças e enfrentar com coragem todo e qualquer obstáculo que surgir pelo caminho

— Falando assim você me faz ter mais força para enfrentar o pior

— E o que poderia ser pior que não poder ficarmos juntas?

— Sim, meu bem, você tem toda razão

Elas sabiam claramente que após tal revelação colocariam em risco não apenas suas reputações pessoais e profissionais, mas iriam escandalizar o bom nome de suas famílias e os seus próprios, pois eram pessoas públicas. Inês iria manchar enormemente o prestígio de Lorena que havia apostado nela todas as fichas ao adotá-la e ao coloca-la como sua única herdeira de todos os seus bens. Seria o maior escândalo já ocorrido na vida de uma celebridade.

 E não deu outra. Logo que as duas mulheres declararam que estavam tendo um caso homossexual numa entrevista feita com exclusividade no próprio canal de televisão onde Camila atuava houve uma explosão de contestações, críticas e desdém em geral por parte dos fãs que se sentiam traídos, desmoralizados e desrespeitados.

Isso acabou por causar um grande estrago na imagem da famosa designer de modas, modelo e empresária de maior sucesso da época. Cada vez mais Lorena colhia os frutos da semente plantada, ela sofria às custas das atitudes insanas daquela menina pobre que ela em sua grande compaixão decidiu ajudar a mudar de vida.

 Muitos dos que criticaram sua opção em adotar a africana agora riam de seu infortúnio o que a levou procurar obter explicações com a filha sobre mais aquele terrível escândalo no qual estaria envolvida.

— Como pôde mais uma vez manchar nossas reputações dessa maneira?

— É só com isso que você se preocupa, não é mãe, com seu magnífico nome de estrela da moda! E quanto a minha felicidade, não lhe importa nem um pouco?

— Como dizer isso logo a mim, que enfrentei a tudo e a todos para te transformar nessa mulher brilhante em quem se tornou? Por acaso ao trazê-la daquela tribo miserável e lhe proporcionar alcançar fama, riqueza e sucesso não foi uma grande prova que a amo e desejo sua felicidade?

— Então agora vai jogar na minha cara que me encontrou jogada num esgoto e tudo o que sou só foi possível porque teve pena da minha insignificância?

— Não é nada disso, pare de distorcer minhas palavras

— Quer saber, pouco me importa sua opinião sobre minhas escolhas, eu amo Camila e nada nesse mundo vai ser capaz de nos separar, se não aprova ou discorda de nossa união o problema é seu!

— Sua ingrata! Como me arrependo de ter confiado a você tudo o que tinha, até mesmo meu nome o qual está lançando na lama com essas atitudes infames

— Falou corretamente porque   quase tudo o que antes era seu agora me pertence e não fui eu quem pedi foi você mesma quem me deu por vontade própria!

As declarações da filha adotiva machucaram profundamente sua alma.

Dilaceraram seu coração, pois mais uma vez Inês escolheu envergonhá-la com tremenda ingratidão e isso colocou numa profunda depressão que lhe consumia internamente. A vergonhosa união das duas mulheres foi como uma mancha no brilhante nome da milionária que se deprimia a cada novo comentário que se fazia na mídia sobre o caminho imoral tomado pela filha.

Bombardeadas por uma avalanche de críticas e zombarias por onde quer que  passavam às duas amantes resolveram sair da casa dos pais e foram morar juntas num luxuoso apartamento localizado na parte mais nobre da cidade do Rio de Janeiro, deixando a metrópole paulista, forçando Lorena ao extremo de entregar suas empresas nas mãos de funcionários não muito confiáveis que passaram a desviar parte de seus recursos.

 Cancelou todos os demais compromissos no mundo da moda e por fim tornou-se reclusa num de seus muitos aposentos na mansão onde morava. Com o afastamento da filha adotiva das indústrias e o seu recente relacionamento homossexual sentir-se desolada e sem esperanças para o futuro. Ela afirmava a si mesma que havia sido um erro adotá-la. Agora quem se rendia ao álcool era ela, ao lado da cama diversas garrafas secas de whisky comprovavam está ela dominada pelo álcool.

O mesmo vício que tempos atrás viu levar a filha para o fundo do poço. Nem os amigos mais íntimos conseguiam sua atenção, pois ordenou aos empregados em nenhuma hipótese incomodá-la. Sua existência se tornou vazia, no peito batia uma força desolada, decepcionada, abatida. Parecia que o seu mundo havia ruído sobre sua cabeça.

 Enquanto a mãe adotiva e os pais biológicos sofriam com o rumo tomando na vida pela filha ela só pensava em curtir momentos íntimos ao lado de sua parceira, que considerava a única paixão verdadeira que o destino lhe permitia viver. Era vergonhosa aquela relação, pois ia de encontro aos princípios da sociedade de sua época, da igreja, dos ensinos morais e éticos que ADOWA e ABEBA lhe passaram quando criança.

Entretanto, nada parecia importar para quem estava novamente cega de amor e disposta a praticar todo tipo de loucura em nome de uma aventura fantasiosa e sem limites. Não adiantaram os apelos feitos por aqueles que a cercavam, a admiração dos fãs por elas começou a cessar por perceber ser ela uma devassa, desvairada e sem pudor algum  Foram afastando-se aos poucos e foi só uma questão de algum tempo para que ela já não fosse vista com bons olhos pelos que antes a admiravam.

 Sua boa fama ruiu e os bons conceitos que faziam a seu respeito decaíram rapidamente, multinacionais da moda perderam o interesse por seus serviços e sua imagem veio a cair definitivamente na lama.

Enquanto isso, Lorena entrou num estado depressivo tão grande que já não saia de casa sequer para administrar pessoalmente suas indústrias e lojas onde eram fabricadas e comercializadas as grifes que chegaram a se tornar referência mundial em roupas e calçados.

Tudo foi entregue a subalternos que faziam desfalques de altas quantias em dinheiro, milhões foram roubados e quando ela se deu conta estava quase falida. Devendo um absurdo e sem conseguir pagar seus fornecedores foi obrigada a vender suas maiores propriedades que ficaram de fora do testamento, abriu mão até da própria mansão onde vivia reclusa para saldar suas dívidas.

ADOWA muito se entristeceu com a segunda desgraça que se abateu sobre a filha e tudo de ruim que isso causou não somente a ela, mas para Lorena que havia perdido tudo o que conquistou com muito trabalho e dignidade, seu coração enfraquecido não pôde suportar e explodiu numa dor tamanha que pôs fim a sua amargurada existência.

Sua esposa, ABEBA quase desfalece com tamanha tragédia e prostrou-se ao ponto de não ser mais capaz de levantar-se de uma cadeira de rodas que era todos os dias levada a varanda da casa luxuosa que recebeu de presente da filha que agora havia sido a responsável pelo ataque fulminante que levou seu esposo à cova.

Os irmãos de Inês sequer conseguiram alcançar metade da sua importância e nada conquistaram além de esposas, filhos e uma vida financeira estável que de certa forma lhes garantiria viver tranquilamente. A morte do pai causou um forte impacto em Inês que foi de imediato visitar os familiares na intenção de cuidar de todos os preparativos para o velório e sepultamento.

 Porém, foi mal recebida pelos parentes que a expulsaram sob forte gritaria e palavras de baixo escalão, pois exigiam que ela nunca mais os procurasse, principalmente se fosse na companhia de sua companheira. Foi exatamente neste momento que ela ficou a par da atual situação financeira de Lorena.

 A perda de seus bens e o estado de falência em que se encontrava, pois seus irmãos lançaram sobre seus ombros mais essa culpa. Ficou desesperada só perceber que suas atitudes haviam causado a ruina de todos que a amavam e, principalmente a morte súbita do próprio pai.

Mas já era tarde demais para arrependimentos, além disso seu orgulho extremo a impedia de retroceder, parecia não possuir ativa na mente qualquer fagulha de consciência que apontasse seus erros e culpas. Então, agora era seguir em frente e ser feliz com seu grande amor.

Saindo dali dirigiu-se a residência de sua mãe adotiva num pequeno apartamento localizado no interior paulista, onde se viu obrigada a ir morar depois perder tudo o que tinha para os ex funcionários a quem confiou suas finanças depois de ter sido covardemente abandonada por ela, mas ali também não foi aceita e levou porta na cara, ouvindo antes muitas verdades. Assim, sempre na companhia de sua namorada decidiu retornar para casa.

Naquela noite de inverno, quando caía sobre os telhados dos imóveis luxuosos da zona sul uma forte chuva as duas mulheres trocavam carícias sob os edredons finíssimos e consumiam bebida caríssima. tudo às custas da ex modelo que apesar de ter abandonado as passarelas e tudo relacionado ao mundo da moda ainda possuía muito dinheiro.

Dessa forma prosseguiu em sua vida de luxúria e extravagância, pouco importando-se com as consequências de seus atos irresponsáveis e presunçosos. Entretanto, costuma-se dizer que o destino primeiro ajuda.

Firma os passos de alguém e se este desviar-se do caminho da retidão ele não interfere, dá o livre arbítrio para que o indivíduo prossiga no seu desvario. Coloca, no entanto, uma corda presa no pescoço do desvairado com um nó bem frouxo ao ponto dele nem sentir qualquer incômodo.

Lá adiante, depois de usar e abusar da liberdade que pensa possuir o pobre diabo sente finalmente o nó da grossa corda apertar em redor do pescoço, mas já é tarde demais. O carrasco vem cheio de ira e furor, puxando-lhe pelas amarras, arrastando-o pelos pedregulhos, ferindo-o nas farpas e espinhos do caminho da vida e triste será seu fim.

Inês foi uma mulher de muita sorte porque mesmo nascendo num dos países mais miseráveis do mundo foi alcançada por uma celebridade que por ela sentiu-se atraída como mãe e estendeu as mãos para ajudá-la, apesar da diferença de cor, raça e nível social.

Tudo fez pelo simples fato de perceber naquela menina pobre e sem oportunidades um imenso desejo de lutar e vencer a qualquer custo. Mas, seu erro foi esquecer que é impossível conheceremos completamente a essência de cada pessoa que encontramos nas nossas existências. Sua índole, seu caráter interior, o limite de suas ambições e até onde estarão dispostos chegar.

 Ou fazer para alcançarem seus objetivos, sendo estes bons ou maus, jamais conheceremos antecipadamente. Assim foi com aquela pequena vendedora de bolos que a importante atriz e símbolo do mundo da moda conheceu numa humilde tribo africana e a quem escolheu estender seu abraço de ajuda e compaixão.

Ela acabou se tornando um imenso abismo em sua vida de sucesso, pois foi durante seu abandonou e num momento de desespero e solidão que confiou nas pessoas erradas, entregando-lhes a gestão de seus negócios e em seguida perdendo tudo quanto tinha. Parecia até bastante adequado o adágio popular que diz: “Quem se compadece do miserável fica no lugar dele”.

Naquela mesma noite chuvosa, onde as duas amantes se aqueciam no calor daquela vergonhosa paixão, Lorena também permanecia acordada, refletindo no imenso erro que cometeu em não ouvir os conselhos dos pais, dos amigos e até mesmo dos fãs.

Dos que a princípio tentaram adverti-la do risco eminente, pois estaria adotando uma menina até então estranha, uma adolescente com a mente em fase de amadurecimento, com ideias quase prontas. Conselhos que ela confundiu com puro preconceito e racismo.

Situação diferente da que se fosse um bebê que ela poderia facilmente educa-la da maneira como bem entendesse, pois nestas condições sua maneira de ser e viver encucada na criança enquanto crescesse. Porém, com Inês isso não seria assim, ela já sabia olhar para frente e escolher seus próprios passos, suas conquistas, seus ideais.

 Chovia forte, definitivamente o inverno veio determinado a causar muitos estragos e na TV os noticiários continuavam a falar apenas em desgraça. Eram alagamentos por toda parte, pessoas mortas, desaparecidas, desabrigadas, dava a impressão que de repente a natureza tinha se irritado e resolveu sair destruindo tudo à sua frente.

 Ela assistia tudo, tendo como companhia apenas a solidão. O silêncio somente era rompido pela voz do aparelho e do achocalhar dos pingos de água que insistentemente batiam na janela de vidro ao lado. Gostaria de poder voltar no tempo e fazer tudo diferente.

 Agir como os demais companheiros daquela expedição e ter dado pouca importância àquela menina negra que insistia para que comprassem seus bolinhos de fubá. Nunca ter ido atrás dela naquele barraco tão pobre e sujo que lhe doeu a alma.

Jamais tê-la trazido daquela tribo para o Brasil e colocado nela seu nome, aberto as portas de sua casa para que entrasse e entregue nas suas mãos tamanho poder de administrar seus bens, desfilar nas mesmas passarelas de onde conquistou seu prestígio que agora via jogado na lama.

 Sentiu naquele instante o desejo de jogar fora a única coisa de valor que ainda lhe restava, a própria vida. Lhe passou pela mente a ideia de cometer suicídio, uma voz maligna parecia lhe fazer entender que não valia mais a pena permanecer viva diante de tão enorme fracasso. Falhou como filha, como empresária, como celebridade, como mãe.

Havia fracassado em todas as áreas da sua maldita vida e se encontrava reclusa dentro de um medíocre apartamento localizado no subúrbio, no interior da metrópole onde um dia foi admirada e colocada entre as pessoas mais respeitadas do mundo da moda.

 Aquela negra infeliz a quem dedicou tempo, atenção, respeito e muito amor não somente lhe lançou viva dentro de uma cova imensamente profunda, mas teve a audácia de apagar seu prestígio da história. Agora ninguém mais iria lembrar de Lorena Braga Peixoto como uma mulher excepcional, inteligente, capaz de desafiar o próprio destino.

Para alcançar a concretização de todos os seus sonhos. Ao agir como uma idiota enlouquecida, tentando ajudar quem nem Deus quis valorizar, perdeu tudo e ficou em completa miséria. Finalmente compreendeu que o Criador do Universo não é totalmente mau por permitir que certa parte da humanidade viva em lugares áridos, miseráveis, sem esperanças, com escassos de pão e água, morrendo de fome e das piores pestilência.

 Ele as criou, conhece seus interiores, suas almas, seus pensamentos mais profundos, dá a elas o que cada uma merece. Aquela mulher se encontrava angustiada, depressiva ao extremo, se fosse noutra época poderia contratar os mais caros e conceituados psicólogos do país e de qualquer parte do mundo para ouvi-la, lhe dá conselhos e ajudá-la a sair de tamanha depressão.

Mas naquele momento mal tinha condições de abastecer a geladeira com algumas garrafas de sucos e umas frutas ressecadas compradas no mercadinho localizado na esquina da rua onde morava.

Seus pais biológicos e adotivos a visitavam pelo menos uma vez por semana, traziam palavras de conforto e esperança, se preocupavam com seu bem estar, mas nada do que fizessem iria sarar a ferida profunda causada pela dor da decepção sofrida.

 Afinal, eles entregaram nas suas mãos toda uma fortuna construída sob muitos esforços e ela colocou nas mãos de uma jovem irresponsável que agora gastava nas suas promiscuidades. Nem suas garantias de compreensão lhe faziam se sentir perdoado por tamanho erro.

— Minha querida, todos nós somos falhos estamos propensos a cometer erros até maiores do que este que você cometeu

— Sim, é verdade minha filha, seu pai está com toda razão, esqueça esse deslize e siga em frente

— Agradeço imensamente que suas palavras de apoio e incentivo, pois sei o quanto me amam e desejam me ver voltar a sorrir novamente, mas não dá. É impossível para mim simplesmente fazer de conta que meu erro foi um simples deslize, como bater o carro, quebrar uma xicara raríssima, derrubar um jarro da estante ou me machucar durante minhas peraltices de criança ou adolescente como costumava acontecer enquanto menina. O que de fato fiz foi jogar no lixo toda uma vida de trabalho e economia que os dois tiveram na intenção de me deixar amparada ao partirem desse mundo. Joguei na lama o importante nome que herdei e que deveria ter zelado com mais responsabilidade

— Meu bem, não se torture tanto, durante muitos anos soube como ninguém valorizar tudo o que fizemos e demos a você, desde o dia que a adotamos. Não estamos aqui para julgá-la

— Ouça as palavras de sua mãe, filha, pois faço delas as minhas também. Levante a cabeça e recomece, não importa a fortuna que perdemos, o que esperamos é vê-la se reerguer novamente. Erga-se, Lorena, olhe-se no espelho e perceba que ainda tem idade e tempo de sobra para recomeçar do zero. Reconquiste o que desperdiçou, assim estará finalmente honrando o sobrenome que um dia de nós recebeu

As palavras do pai a reanimaram e um novo brilho surgiu no seu olhar já sem esperanças, havia aprendido com aquela família que a criou e educou que um “Peixoto” não se entrega facilmente. Depois de um forte abraço, eles se despedem e ela agradece todo o carinho recebido

— Obrigado, meus pais por toda a força que sempre me deram desde quando me acolheram e eu não passava de uma criança assustada diante do que o futuro me reservava. Prometo que vou lutar para me reerguer, mesmo que demore, mesmo ciente que não será fácil

— Não se preocupe, Deus está no controle de tudo e ele não irá desampara-la, pois é justo

O casal se despediu e retornaram para darem continuidade a suas vidas, enquanto naquele apartamento longe do encanto da cidade grande aquela jovem mulher madura, mas ainda bela e com energia suficiente para lutar, fitava o olhar através da janela rumo ao infinito e pedia aos céus uma nova oportunidade.

 Sendo uma mulher de hábitos refinados ainda não havia se adaptado a nova forma de vida simples e era uma diarista quem tomava conta de tudo por ali. Seus pais pagavam pelo serviço prestado e ainda podia contar com as constantes visitas de ABEBA que nunca deixou de ser grata pelo que ela fez por Inês, além disso sentia-se culpada pela ingratidão da filha.

Era um domingo, quando após ir à missa a africana foi levada pelo filho mais novo até onde se encontrava Lorena e as duas conversaram por um bom tempo enquanto tomavam um café com bolos de fubá caseiros, preparados para aquela ocasião.

— Não consigo me confirmar com toda essa situação, minha amiga. Como pôde nossa menina lhe fazer tanto mal?

 Depois de tudo o que fez por ela e por nós, sua família?

— Não possuo respostas para essa pergunta, ABEBA, o que posso lhe dizer é que me encontro completamente arrasada com tamanha desgraça que através dela caiu sobre mim. Como vê perdi tudo o que tinha, quase nada me restou

— A dor deles diante de tudo isso deve ser igual a minha, pois me sinto desolada com as atitudes irresponsáveis de Inês

— A maior perda será dela mesma, acredite, pois assim que gastar seu último centavo com sua parceira de extravagância será por ela desprezada

— Será mesmo que isso possa acontecer?

— Você é uma mulher madura em idade, vivida e experiente, porventura não percebe de longe pessoas aventureiras que só querem se dá bem na vida? Essa moça se aproximou de Inês com o único propósito de usufruir do bom e do melhor, quando essa possibilidade não for mais uma realidade ela sai fora da relação

— Que os Orixás protejam minha menina!

— Comece a rezar pros seus santos mais fortes, pois ela irá precisar.

 É a lei da colheita, se colhe aquilo que plantar

O diálogo prosseguiu por algum tempo enquanto as duas mulheres procuravam entender como uma jovem inteligente, de pés firmados no chão e cheia de bons propósitos se deixou levar tão facilmente pelos enganos do coração.

Aproximava-se o fim daquela tarde e elas se despediram. ABEBA retorna a sua confortável casa num bairro nobre da capital paulista, enquanto a amiga permaneceria confinada entre as quatro paredes daquele humilde apartamento.

 Apesar dos apelos da amiga para que fosse morar com ela sempre resistiu e agradecia o convite, escolheu se manter longe da antiga vida de glória e glamour que teve num passado não muito distante.

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