Cristian
— Cris, vou buscar sua roupa na loja de aluguel. — Anunciou Lisa, entrando de repente na minha sala e me dando um susto. — Certo?— Não quer que eu peça para outra pessoa buscar? — Perguntei, olhando o tamanho do salto alto que minha secretária usava e imaginando como ela ia andar pelas ruas com aquilo.— Eu estou precisando tomar um pouco de ar. Seu pai acabou de passar por minha mesa. — Revirou os olhos — "Até quando meu filho Robert vai ficar brincando de casinha com sua irmã? Ele tem que voltar para a direção da empresa!" — Lisa disse, imitando a voz de Octávio Servantes.Eu ri. Robert havia se casado com a irmã de Lisa e por isso meu pai achava que podia mandar indiretas ao filho através da cunhada.— Tudo bem, vai lá.— Certo, chefe. Estou louca para ver a fantasia que você alugou! Em cinco minutos estarei de volta.E Lisa saiu como um furacão.Trícia Toledo me convidou para uma festa à Fantasia na Mansão de sua família. Eu aceitei, mas decidi ir à festa sozinho. Não estava namorando ninguém e a garota que conheci na semana anterior não era importante; levá-la a um evento público como minha acompanhante, poderia dar ideias precipitadas a Suellem e eu já estava percebendo que meu bolso a atraia muito mais que meu sorriso.Minutos depois ouvi uma batida na porta e eu pedi que entrasse. Victor, o Diretor de Operações, veio em minha direção com um documento nas mãos.— Cristian, porque a sua secretária está negociando diretamente com a vinícola de Mendoza?— Aconteceu algo de errado?— Ela não tem a competência necessária para estar à frente de uma negociação tão importante!— Lisa é esperta e me acompanha em todo o processo da filial da Argentina, eu estou monitorando o que ela faz.— Você não deve misturar as coisas, meu amigo. — Victor balançou a cabeça, contrariado — Já não deveria ter transformado sua amante em secretária, agora começa a dar poderes para ela na empresa?— Eu já cansei de dizer que a Elisabete não é e nunca foi minha amante, ela foi contratada por seu bom currículo — Respondi. Já estava cansado de explicar aquilo ao meu amigo, mas decidi repetir mais uma vez — Inclusive, já estou achando que ela está sendo desperdiçada no cargo de secretária. A mulher é formada e tem mestrado.— Isso não significa nada. Olha Cris, essa garota deve ter feito uma lavagem cerebral em você! — Revirou os olhos — Ela deve ter o QI de uma ameba!Nesse instante Lisa entrou na sala, sem bater.— Sua roupa, chefe. — Me entregou e saiu.Victor e eu ficamos um tempo calados e então meu amigo quebrou o silêncio:— Será que ela ouviu? — o diretor perguntou, olhando para os próprios sapatos.— Não faço ideia. Quer que eu pergunte, Victor?— Com certeza não ouviu, caso contrário teria entrado aqui soltando fogo pelas ventas. — Victor levantou-se da cadeira — Presta atenção no que eu falei, você não sabe dizer não para uma mulher bonita.— Você disse que ela não é bonita. — Provoquei.Victor resmungou alguma coisa e saiu da sala.Já era tarde e organizei as coisas para ir embora. Lisa ainda estava em sua mesa e ficaria até mais tarde terminando uma apresentação para a semana seguinte. A mulher me desejou um bom final de semana antes de voltar sua atenção para o computador.As vinte e duas horas eu cheguei na Mansão Toledo. O bairro Morumbi tinha diversas propriedades encantadoras, mas aquela, em especial, era magnífica: a arquitetura era neoclássica, mesclando os estilos Vitoriano e Georgiano que chamavam atenção pela brancura das paredes. Do lado de fora havia grandes pinheiros que escondiam os muros e, após o portão, uma piscina toda iluminada à frente do hall principal.Eu mostrei meu convite e o segurança pegou as chaves do meu carro para manobrar. Enquanto o funcionário se afastava com meu veículo, eu ajeitei a capa da fantasia. Estava vestido de Drácula, mas renunciei aos dentes postiços que simulavam as presas; meus cabelos estavam penteados para trás com muito gel e eu tinha sangue falso nos cantos da boca.A festa começava próxima à piscina e se estendia pelo restante das áreas sociais da Mansão Toledo. Havia muito mais gente do que eu havia imaginado, a maioria permanecia do lado de fora da construção e estava com copos de bebida nas mãos conversando animadamente.— Cristian? — Tricia, que permanecia mais próxima da entrada da casa, me reconheceu e veio em minha direção — Que bom que veio! — Ela parecia genuinamente feliz.A jovem loira estava fantasiada de princesa e parecia que o vestido espalhafatoso a condenava a esbarrar nas pessoas o tempo todo. Ainda assim era um belo figurino que combinava demais com ela. Tricia e eu não fomos próximos na época da escola, mas lembro-me que ela sempre foi simpática comigo.— Eu não perderia uma festa na Mansão Toledo. Acho a propriedade linda e sempre tive curiosidade de vê-la por dentro.— Sério? Então fique à vontade para explorar tudo. Mas antes, pegue uma bebida. Tem muita gente conhecida na festa.Concordei e entrei. A sala principal tinha o pé direito duplo, permitindo um mezanino que agora estava repleto de convidados. A música eletrônica invadiu os meus ouvidos com força, era uma batida intensa e forte, me senti instantaneamente motivado a dançar, como os demais.Estavam todos fantasiados, a maioria com temas divertidos e cruzei com pelo menos quatro imitações da Carmem Miranda. Mas no meio daqueles personagens cômicos uma figura exótica e misteriosa se destacava.Uma bruxa.Aliás, uma bela bruxa…Ela dançava sozinha e absorta em si mesma. A cabeleira amarelada e bagunçada estava em parte, escondida por um chapéu pontiagudo e estiloso, uma máscara que lhe cobria o rosto do nariz para cima não conseguia ocultar a boca pintada de marrom. O vestido preto era curto e terminava alguns dedos antes do joelho enquanto o corpete era apertado e moldavam os seios lindamente. Era difícil não olhar para eles...Fiquei alguns instantes observando aquela mulher. Havia algo de familiar nela. Era a Betina? Seria surpreendente se fosse, pois nunca a vi usar nada tão sexy.Me vi andando em direção daquela personagem maléfica, cuja feitiçaria já estava começando a surtir efeito em mim. Os olhos da mulher cruzaram com os meus; assim que me aproximei eu percebi que era realmente a Betina.Meu primeiro pensamento ao reconhecê-la foi ficar feliz por vê-la se divertindo na festa da Tricia, mas parecia que a fantasia de bruxa possuía um significado a mais, como se ela estivesse tentando colocar para fora um lado seu que sempre manteve trancado...— Dança comigo, Drácula. — Disse Betina, dando início a um diálogo que eu não sabia como manter. — Somos poucos os seres das trevas nessa festa.Betina tinha me reconhecido? Porque era impossível que ela não percebesse meu rosto, uma vez que minha maquiagem consistia em apenas pó branco e um pouco de sangue falso.— Como recusar o convite de uma bruxa tão bonita? — Eu perguntei. Se ela queria fingir que éramos desconhecidos, eu entraria na brincadeira — Você deve ser uma bruxa muito poderosa.— Por que acha isso?— Porque eu sou o mestre dos vampiros, mas você conseguiu me deixar hipnotizado. Não consigo parar de te olhar.Betina riu. Eu não sei porque estava flertando com minha ex-cunhada, empregando o mesmo tipo de artifício que eu costumava usar com outras garotas.Sempre houve uma barreira de respeito entre nós, um limite entre nossas brincadeiras, principalmente depois que nossas mães se agarraram a ideia de casá-la com meu irmão Robert. Eu passei a encará-la como algo proibido e a tratei com o devido respeito, mesmo já tendo nós beijando, mas agora...Na verdade, eu estava confuso.A mulher me puxou pela mão, me convidando para dançar. Eu nem sabia que ela conseguia se mover daquele jeito sensual, pois minha amiga sempre foi muito recatada. Aliás, eu sabia que a mãe dela a tinha direcionado a uma educação muito mais rígida que as outras garotas da mesma idade.— Seu feitiço continua fazendo efeito, senhora bruxa.Me permiti pousar as mãos nas curvas de sua cintura, sentindo o balanço dos quadris ao ritmo da música. Achei que talvez ela fosse me afastar, no entanto o efeito foi o contrário; Betina se aproximou mais, enquanto continuávamos dançando.Para nossa sorte o ambiente estava escuro, ocultando aquela dança que poderia parecer indecente aos olhos mais maliciosos. Mas achei gostoso demais sentir o corpo daquela bruxa se esfregando no meu.Betina teria bebido? O comportamento era atípico. Não havia cheiro de álcool nela e a festa não havia começado há muito tempo para que ela já pudesse estar embriagada com ponche ou cerveja. A Tricia não havia disponibilizado bebidas mais fortes que essas.Se eu fosse um homem mais ajuizado, iria frear a brincadeira a partir daquele ponto, pois estava começando a ficar muito afetado por sua proximidade, no entanto continuei.Eu havia crescido um homem responsável e competente, que era diretor na maior cadeia de supermercados do Brasil, entretanto naquela noite eu me sentia novamente como o Cristian do ensino médio: meus hormônios estavam falando mais alto do que nunca.A deliciosa bruxa se colou mais em mim. Betina parecia ter perdido totalmente o juízo.— Vamos lá, Drácula. Me beije.E eu obedeci.BetinaNaquela noite eu saí de casa para a festa de Tricia com os gritos da minha mãe a tiracolo. — Você parece uma meretriz com essa roupa! — Estefânia esbravejava. Mamãe sempre teve muito poder sobre a escolha das minhas roupas. Enquanto ela mesma transbordava volúpia com seus conjuntos decotados, os vestidos esvoaçantes e nada convencionais para uma senhora de cinquenta anos, mãe de uma filha já adulta, ela tentava me moldar na direção totalmente oposta: golas sempre altas, saias comportadas, uma vibe mais angelical. Uma vez, minha amiga Ana Clara, disse que minha mãe não gostava que fossemos mais bonitas do que ela, como se fossemos rivais. Achei essa fala da Ana totalmente descabida na ocasião, mas agora eu começava a concordar. Minha mãe não gostava da minha fantasia porque era indecente, mas sim porque eu estava chamando mais atenção do que ela...Meu pai apareceu na sequência e apenas me desejou uma boa festa. Ah, meu querido pai era um amor, queria que o motorista da famíl
CristianNo domingo fiquei na minha cama até às dez da manhã. A noite anterior parecia tão surreal que por vezes me via tentando relembrar todos os instantes da festa na Mansão Toledo. Na realidade, eu me lembrava de cada segundo desde que pus os meus olhos em Betina.Havíamos transado. Aquilo soava estranho e ao mesmo tempo era bom. Confesso que minha mente masculina já tinha imaginado várias vezes como seria tê-la; tive curiosidade em saber qual era o gosto daquela boca carnuda que esbanjava sorrisos facilmente. No entanto, achei que isso nunca aconteceria, pois havia muita confusão em torno das nossas famílias. Se de alguma forma soubessem que eu dormi com Betina na noite anterior, logo diriam que eu estava cobiçando minha ex-cunhado desde que ela estava noiva do meu irmão e seria um falatório desagradável e sem fim.Mas eu não tive como resistir. O fogo que me dominou foi tão grande e minha amiga se mostrou tão receptiva como se todas as peças se encaixassem. E apesar de pedir qu
BetinaPois é, eu havia transado com o Cristian...Eu havia transado com o Cristian???? Me levantei da cama de supetão, lembrando com riqueza de detalhes da noite anterior. No final de tudo Cris me deu carona até minha casa e durante todo o trajeto trocamos beijos e afagos, como se não houvesse amanhã.Eis que o amanhã chegou e eu comecei a medir tudo o que aconteceu.Por Deus, eu dormi com o Cris! Meu amigo Cris, o irmão do meu ex-noivo!Na noite anterior, eu fui à uma festa a fantasia super badalada a convite de Tricia. Almejava me divertir, queria flertar e quem sabe, ser arrebatada por um homem bonito e atraente...E eis que o cara atraente foi justamente meu amigo! Cristian se aproximou daquele jeito másculo e ousado, seu olhar pousou sobre mim de um jeito que me consumiu, deixando claro o quanto se sentia atraído e isso massageou meu ego ferido. Sai do meu noivado com Robert Servantes me sentindo uma mulher fatigante, sem sal e nem açúcar; Cristian fez com que eu me sentisse
CristianNão sei porquê me enchi de tanta raiva. Lá estavam Robert e Betina, duas pessoas que eu gostava, sentados na mesa sem fazer nada inapropriado, mas ver ela rindo com meu irmão me enfureceu.Betina tinha o chamado ali? Não queria me encarar sozinha? Ou estava colocando os dois homens com quem ela havia dormido, um do lado do outro, para nos comparar?Que brincadeira sádica era aquela? Realmente não estava preparado para isso. De repente me senti um idiota por ter me preocupado com a roupa que iria usar, como um garoto bobo de quatorze anos!Ignorei o hostess e entrei no restaurante pisando duro e me aproximei deles; no meu rosto a insatisfação estava estampada. — Pelo jeito vocês estão se divertindo. — Falei, em tom de deboche.Betina se virou para mim, surpresa; como se não fosse ela mesma quem me convidou. E Robert me recebeu com um sorriso alegre que só me irritou ainda mais.— Cris, você veio! — Robert me abraçou e apontou para a cadeira vazia.— O que você faz aqui, Rober
BetinaQuarenta dias haviam se passado. O almoço com Cristian e Robert foi um completo desastre. Eu deveria ficar aliviada por cortar relações com a família Servantes, inclusive com o Cristian, no entanto uma angústia me dominou nos dias seguintes. Minha ansiedade me fazia comer em dobro e eu só não estava devorando tudo o que via pela frente porque me sentia nauseada. Tudo isso me mostrou como minhas fraquezas emocionais influenciavam na minha saúde física. Quando eu estava começando a me animar para a vida novamente fui transar com o Cristian. Justamente com ele! Eu gritei que ele era horrível, mas a verdade é que tinha sido muito competente. Nos últimos dias eu era invadida por pensamentos inoportunos; desejando experimentá-lo outra vez...— Ah Betina, você precisa acordar para a vida!Me convenci de que eu havia negligenciado demais a oportunidade que meu pai me deu no passado, de trabalhar com ele no Banco Rupert. Eu gostei de lidar com os clientes especiais, pois apesar de não
CristianOs dias haviam se passado e a sensação de que eu era um bobo não tinha diminuído nenhum pouco. Qual foi a minha primeira providência quando percebi que Betina não estava verdadeiramente interessada em mim? Liguei para a Suellem, aquela mesma mulher que só estava atrás do meu dinheiro. Ao menos ela me queria de alguma forma, mesmo que por interesse. Quando foi que me tornei tão carente que precisava da atenção e do reconhecimento de alguma mulher? Por que não ser correspondido por Betina havia me irritado tanto? Ela nem era tão especial. Era bonita, e só; como se eu não tivesse saído com garotas ainda mais bonitas, mais sexys e bem mais dispostas. Meu orgulho estava ferido, com certeza. E a melhor forma de esquecer um fora era provar a si mesmo que quem estava perdendo era ela e não eu. Além disso, quando foi que eu achei que ficar com a ex-noiva do meu irmão seria uma boa ideia? Eu tinha pensado com a cabeça errada... — O que achou, gato? — Suellem surgiu do banheiro do
BetinaEntão era isso: eu estava grávida. Levantei a camisa e observei minha barriga no espelho por um longo período. Ainda não dava para perceber que havia um pequeno ser dentro de mim, mas eu sabia que agora éramos dois em um só. No dia em que descobri sobre o bebê estava no consultório da Dra. Takeda e a surpresa me dominou ao ponto de não conseguir suprimir as lágrimas. A médica me acalmou, me orientou a fazer o exame de sangue e também a ecografia para escutar o coração do feto. Eu fiz os exames sozinha, ainda descrente do meu azar, com uma pontada de esperança de que fosse um equívoco. Testes falham, não é mesmo? Mas quando escutei o coração do bebê batendo tão forte, a ficha caiu de vez. Vou ser mãe… Eu já tinha sonhado muitas vezes com isso. Sempre quis formar minha família, porém em outras circunstâncias. Lembrei de Cristian. Ele inegavelmente é o pai da criança que eu carregava no ventre e por um instante me deixei imaginar como seria uma criança com o melhor de nós doi
CristianTalvez eu tenha exagerado na minha reação quando vi Betina no meu escritório, mas eu estava carregando aquela frustração há dias e vê-la não me deixou feliz, pelo contrário, me deixou furioso. Ela tinha esse efeito em mim, conseguia extrair sentimentos confusos com os quais eu não sabia lidar direito e era justamente por isso que a presença dela na minha vida era danosa.Ainda assim, talvez eu tenha sido rígido demais...— Você está mesmo interessado?A voz de Tricia me puxou dos meus devaneios. A jovem me encarava com expectativa. Estávamos parados em frente a Mansão Toledo depois de um tour completo pela propriedade. O lugar era incrível, com ambientes bem planejados e de uma elegância inegável, mas quando Tricia me mostrou a biblioteca, eu me peguei pensando se eu não tinha algumas lembranças ali que talvez fossem me importunar...— Eu estou interessado sim, Tricia, mas preciso pensar um pouco mais. Não é uma aquisição simples e nem barata.— A família Servantes é riquíssi