Betina
Acabei de completar vinte e três anos e o que seria uma fase de muitas aventuras e diversão para a maioria das jovens da minha idade, para mim não significava nada. Não fui para a universidade de moda como queria. Meus pais tinham dinheiro, mais que o suficiente para me bancar em qualquer universidade do mundo, mas não! Para que me graduar se logo me casaria com o filho primogênito da família Servantes? Eu não precisaria trabalhar nunca… Não que tivessem me proibido de estudar, mas sinto que persuadida a não sonhar com isso.Mamãe planejou minha vida ao redor de uma ideia de matrimônio entre Robert Servantes e eu, como se fosse a coisa mais certeira a respeito de mim e por isso ela ficou muito insatisfeita quando seus planos não se concretizaram.Desliguei a máquina de costura, meu passatempo favorito. O curso de costura foi uma das poucas coisas que escolhi fazer, principalmente porque não era longo. Hoje, nem mesmo costurar conseguia aplacar aquele aperto no peito. Eu andava me afogando em comida.Saí do meu quarto e fui até a cozinha. Rosita, nossa governanta, já sabia que eu queria beliscar algo e me deu uma tigela de arroz doce.Minha mãe, Estefânia Santoro, logo apareceu com seu olhar repreendedor:— Você está comendo demais, Bebê! — disse ela, arrancando a tigela das minhas mãos. — Você sempre teve tendência a engordar e está jogando pela culatra todo o sacrifício que já fez na academia. Aliás, você realmente parou de malhar?— Eu preciso disso! — Puxei a tigela novamente — Não existe mais motivos para eu ficar fazendo as dietas doidas que a senhora me impõe. O Robert está casado, mas com outra mulher.— Uma mulher magérrima, por sinal, que com certeza não fica se afogando em comida como você. Em poucos meses estará gorda como uma porca! — Mamãe bradou, olhando para minha silhueta que já começava a mudar.Estefânia era uma mulher magra e esbelta, mesmo no auge dos seus cinquenta anos. Muito vaidosa, ela passava a maior parte do dia cuidando de si mesma e nada mais. Mesmo meu irmão caçula, o favorito, não recebia mais do que uma ou duas horas diárias de sua atenção.E quanto a mim, só passei a ter certo valor quando ela percebeu que eu poderia ser uma boa moeda de troca para participar de grupos mais influentes.A família Santoro era podre de rica, mas não tinha sangue azul. Meu avô foi pobre e meu pai nasceu numa casa humilde; entre os ricos isso fazia diferença. Minha mãe queria ser bem aceita pelas mulheres da alta sociedade e ser a sogra do filho primogênito dos Servantes era a escada que lhe daria acesso às dondocas que ela admirava.Então minha mãe me culpava pelo fracasso do meu noivado. Não bastava eu mesma me martirizar, ainda tinha que ouvir as reclamações frequentes da minha mãe sobre eu não ter um pingo de sensualidade para segurar um homem.— Você vai voltar a dieta, certo Bebê? — A mulher arrancou mais uma vez a tigela de arroz doce das minhas mãos. Foi até uma cesta de frutas e trouxe uma maçã sem graça — Robert Servantes era excelente, mas não deu certo e nem por isso vamos desistir de te conseguir um bom marido. Ontem seu pai me apresentou uma família muito interessante e o filho deles seria uma boa opção. Não tão bonito, mas talvez seja melhor assim. Talvez ele seja menos exigente.— Credo mãe, eu acabei de passar por uma decepção...— Pelo que entendi, você e o Robert nem tiveram nada — Suspirou. — Talvez tenha sido este o erro. Achei que os homens da alta roda ainda dessem valor a essa coisa de ser casta e tal... Não vamos cometer esse erro novamente!— Eu não vou me casar, mãe! Vou tirar um tempo solteira e priorizar os estudos — Respondi.Estefânia Santoro, porém, não parava de especular e mal ouvia meus protestos. Continuou falando de oportunidades de casamentos para mim, enquanto eu apenas fugia da cozinha e corria para a área de lazer, longe dela. Respirei fundo. Estava difícil viver na minha própria casa.Nosso quintal era grande e muito arborizado. Vi meu irmão Gui, de apenas catorze anos, lendo um livro embaixo da sombra do abacateiro com sua instrutora de inglês. Deus abençoe a professora Kátia que sabia ser uma companhia para o meu irmão melhor que a própria mãe.Passei por eles e dei um beijo em meu irmão lindo que fingiu sentir nojo, mas eu sabia que ele gostava. Depois fui até o guarda-sol montado perto da piscina.Meu celular tocou. Era minha amiga Ana Clara:— Você vai ao baile da Tricia?— Olá para você também, Clara.— Desculpe! Como você está, Tina? — Clara se corrigiu.Ana Clara era minha melhor amiga desde o ensino médio. Ela sabia cada detalhe da minha vida e era alguém que eu prezava demais.— Recebi o convite hoje bem cedo. Tricia veio trazer pessoalmente, e você? — Eu disse.— Nada! Acho que não serei convidada...— Ora essa, mas por quê? — Perguntei, mas na realidade já sabia a resposta. Ana Clara havia sido bolsista no colégio e era pobre. — Eu já estou sem disposição para ir, sem você então...— Não se prenda por minha causa. — Trícia se alarmou — Você precisa sair e se divertir.— Sem você vou me sentir um peixe fora d'água.— Imagina! Vai ser um baile à fantasia, você pode ir coberta da cabeça aos pés e fingir ser outra pessoa.— Até parece que eu consigo!— Consegue sim. Ah, e tem uma fofoca em torno dessa festa: Parece que a família da Tricia está falindo! — Deu uma risadinha — A festa é uma maneira de promover a Mansão Toledo que logo será posta à venda.— Sério?A fofoca rendeu longos minutos no telefone. No final eu estava convencida de que deveria ir. Pensei que seria uma boa oportunidade para costurar algo para mim mesma.Além do mais, o que de ruim poderia acontecer? Robert com certeza não iria nessa festa, ele morava bem longe daqui.E quanto ao Cristian, o meu ex-cunhado... bem, ele andava ausente das festas. Ele estaria namorando ainda? Na minha festa de noivado ele trouxe uma namorada, mas Cristian não durava muito tempo com ninguém, então a fila já poderia ter andado novamente.Mesmo que ele fosse, isso não deveria ser um problema. Eu não poderia viver com medo de esbarrar com a família Servantes! Não fui eu quem enganou e mentiu, muito contrário, fui a vítima! Não deveria ser eu a ter vergonha da situação.Passei tempo demais trancada dentro de casa, com vergonha dos julgamentos. Quando fiquei noiva de Robert Servantes eu anunciei isso aos quatro cantos do mundo e quando terminamos, pouco tempo depois, foi muito humilhante, principalmente porque ficou claro para todos que ele estava me traindo.Respirei fundo e me levantei, cheia de energia e determinação. Eu iria costurar minha própria roupa de fantasia. Iria beijar alguém naquela festa. Eu precisava desesperadamente ser tratada como uma mulher atraente e bonita e não como uma moça sem sal ou açúcar.Peguei meu celular e encontrei o número da Tricia."Oi, pode confirmar meu nome; eu irei com certeza!”------Que bom que você está conhecendo essa obra! Não vá embora, ok? A história vai ficar cada vez mais envolvente, então te convido a ler o próximo capítulo 😉Cristian— Cris, vou buscar sua roupa na loja de aluguel. — Anunciou Lisa, entrando de repente na minha sala e me dando um susto. — Certo?— Não quer que eu peça para outra pessoa buscar? — Perguntei, olhando o tamanho do salto alto que minha secretária usava e imaginando como ela ia andar pelas ruas com aquilo.— Eu estou precisando tomar um pouco de ar. Seu pai acabou de passar por minha mesa. — Revirou os olhos — "Até quando meu filho Robert vai ficar brincando de casinha com sua irmã? Ele tem que voltar para a direção da empresa!" — Lisa disse, imitando a voz de Octávio Servantes. Eu ri. Robert havia se casado com a irmã de Lisa e por isso meu pai achava que podia mandar indiretas ao filho através da cunhada.— Tudo bem, vai lá.— Certo, chefe. Estou louca para ver a fantasia que você alugou! Em cinco minutos estarei de volta.E Lisa saiu como um furacão. Trícia Toledo me convidou para uma festa à Fantasia na Mansão de sua família. Eu aceitei, mas decidi ir à festa sozinho. Não
BetinaNaquela noite eu saí de casa para a festa de Tricia com os gritos da minha mãe a tiracolo. — Você parece uma meretriz com essa roupa! — Estefânia esbravejava. Mamãe sempre teve muito poder sobre a escolha das minhas roupas. Enquanto ela mesma transbordava volúpia com seus conjuntos decotados, os vestidos esvoaçantes e nada convencionais para uma senhora de cinquenta anos, mãe de uma filha já adulta, ela tentava me moldar na direção totalmente oposta: golas sempre altas, saias comportadas, uma vibe mais angelical. Uma vez, minha amiga Ana Clara, disse que minha mãe não gostava que fossemos mais bonitas do que ela, como se fossemos rivais. Achei essa fala da Ana totalmente descabida na ocasião, mas agora eu começava a concordar. Minha mãe não gostava da minha fantasia porque era indecente, mas sim porque eu estava chamando mais atenção do que ela...Meu pai apareceu na sequência e apenas me desejou uma boa festa. Ah, meu querido pai era um amor, queria que o motorista da famíl
CristianNo domingo fiquei na minha cama até às dez da manhã. A noite anterior parecia tão surreal que por vezes me via tentando relembrar todos os instantes da festa na Mansão Toledo. Na realidade, eu me lembrava de cada segundo desde que pus os meus olhos em Betina.Havíamos transado. Aquilo soava estranho e ao mesmo tempo era bom. Confesso que minha mente masculina já tinha imaginado várias vezes como seria tê-la; tive curiosidade em saber qual era o gosto daquela boca carnuda que esbanjava sorrisos facilmente. No entanto, achei que isso nunca aconteceria, pois havia muita confusão em torno das nossas famílias. Se de alguma forma soubessem que eu dormi com Betina na noite anterior, logo diriam que eu estava cobiçando minha ex-cunhado desde que ela estava noiva do meu irmão e seria um falatório desagradável e sem fim.Mas eu não tive como resistir. O fogo que me dominou foi tão grande e minha amiga se mostrou tão receptiva como se todas as peças se encaixassem. E apesar de pedir qu
BetinaPois é, eu havia transado com o Cristian...Eu havia transado com o Cristian???? Me levantei da cama de supetão, lembrando com riqueza de detalhes da noite anterior. No final de tudo Cris me deu carona até minha casa e durante todo o trajeto trocamos beijos e afagos, como se não houvesse amanhã.Eis que o amanhã chegou e eu comecei a medir tudo o que aconteceu.Por Deus, eu dormi com o Cris! Meu amigo Cris, o irmão do meu ex-noivo!Na noite anterior, eu fui à uma festa a fantasia super badalada a convite de Tricia. Almejava me divertir, queria flertar e quem sabe, ser arrebatada por um homem bonito e atraente...E eis que o cara atraente foi justamente meu amigo! Cristian se aproximou daquele jeito másculo e ousado, seu olhar pousou sobre mim de um jeito que me consumiu, deixando claro o quanto se sentia atraído e isso massageou meu ego ferido. Sai do meu noivado com Robert Servantes me sentindo uma mulher fatigante, sem sal e nem açúcar; Cristian fez com que eu me sentisse
CristianNão sei porquê me enchi de tanta raiva. Lá estavam Robert e Betina, duas pessoas que eu gostava, sentados na mesa sem fazer nada inapropriado, mas ver ela rindo com meu irmão me enfureceu.Betina tinha o chamado ali? Não queria me encarar sozinha? Ou estava colocando os dois homens com quem ela havia dormido, um do lado do outro, para nos comparar?Que brincadeira sádica era aquela? Realmente não estava preparado para isso. De repente me senti um idiota por ter me preocupado com a roupa que iria usar, como um garoto bobo de quatorze anos!Ignorei o hostess e entrei no restaurante pisando duro e me aproximei deles; no meu rosto a insatisfação estava estampada. — Pelo jeito vocês estão se divertindo. — Falei, em tom de deboche.Betina se virou para mim, surpresa; como se não fosse ela mesma quem me convidou. E Robert me recebeu com um sorriso alegre que só me irritou ainda mais.— Cris, você veio! — Robert me abraçou e apontou para a cadeira vazia.— O que você faz aqui, Rober
BetinaQuarenta dias haviam se passado. O almoço com Cristian e Robert foi um completo desastre. Eu deveria ficar aliviada por cortar relações com a família Servantes, inclusive com o Cristian, no entanto uma angústia me dominou nos dias seguintes. Minha ansiedade me fazia comer em dobro e eu só não estava devorando tudo o que via pela frente porque me sentia nauseada. Tudo isso me mostrou como minhas fraquezas emocionais influenciavam na minha saúde física. Quando eu estava começando a me animar para a vida novamente fui transar com o Cristian. Justamente com ele! Eu gritei que ele era horrível, mas a verdade é que tinha sido muito competente. Nos últimos dias eu era invadida por pensamentos inoportunos; desejando experimentá-lo outra vez...— Ah Betina, você precisa acordar para a vida!Me convenci de que eu havia negligenciado demais a oportunidade que meu pai me deu no passado, de trabalhar com ele no Banco Rupert. Eu gostei de lidar com os clientes especiais, pois apesar de não
CristianOs dias haviam se passado e a sensação de que eu era um bobo não tinha diminuído nenhum pouco. Qual foi a minha primeira providência quando percebi que Betina não estava verdadeiramente interessada em mim? Liguei para a Suellem, aquela mesma mulher que só estava atrás do meu dinheiro. Ao menos ela me queria de alguma forma, mesmo que por interesse. Quando foi que me tornei tão carente que precisava da atenção e do reconhecimento de alguma mulher? Por que não ser correspondido por Betina havia me irritado tanto? Ela nem era tão especial. Era bonita, e só; como se eu não tivesse saído com garotas ainda mais bonitas, mais sexys e bem mais dispostas. Meu orgulho estava ferido, com certeza. E a melhor forma de esquecer um fora era provar a si mesmo que quem estava perdendo era ela e não eu. Além disso, quando foi que eu achei que ficar com a ex-noiva do meu irmão seria uma boa ideia? Eu tinha pensado com a cabeça errada... — O que achou, gato? — Suellem surgiu do banheiro do
BetinaEntão era isso: eu estava grávida. Levantei a camisa e observei minha barriga no espelho por um longo período. Ainda não dava para perceber que havia um pequeno ser dentro de mim, mas eu sabia que agora éramos dois em um só. No dia em que descobri sobre o bebê estava no consultório da Dra. Takeda e a surpresa me dominou ao ponto de não conseguir suprimir as lágrimas. A médica me acalmou, me orientou a fazer o exame de sangue e também a ecografia para escutar o coração do feto. Eu fiz os exames sozinha, ainda descrente do meu azar, com uma pontada de esperança de que fosse um equívoco. Testes falham, não é mesmo? Mas quando escutei o coração do bebê batendo tão forte, a ficha caiu de vez. Vou ser mãe… Eu já tinha sonhado muitas vezes com isso. Sempre quis formar minha família, porém em outras circunstâncias. Lembrei de Cristian. Ele inegavelmente é o pai da criança que eu carregava no ventre e por um instante me deixei imaginar como seria uma criança com o melhor de nós doi