O burburinho em frente ao luxuoso hotel dividia-se entre murmúrios, risos e exclamações, mas nada, absolutamente nada, podia competir com a imagem de uma mulher vestida de noiva a correr descalça, com as saias do seu vestido enroladas nas mãos. O seu longo véu voava no ar enquanto ela virava a cabeça para trás para ver se estava a ser perseguida, enquanto a sua mente lhe repetia uma e outra vez que devia escapar, devia fugir agora ou não iria conseguir!
—Pára, amor! Pára…! Vou contigo, amor, vou contigo…! —gritou com todas as suas forças. As suas palavras cortaram o ar como um impacto direto no peito de qualquer pessoa que a ouvisse. Era um grito de socorro, um apelo que parecia conter toda a força de quem tenta salvar a sua vida ou... recuperar algo que não quer perder. —Não me deixes…! Não me deixes…! Não me casarei com outro que não sejas tu…! —gritou novamente, rompendo a monotonia do lugar—. Amo-te! Amo-te! Espera por mim! A multidão, que a princípio mal prestou atenção, não conseguiu evitar parar para olhar com espanto aquela cena surreal. Entre risos nervosos e expressões de fascínio, começaram a murmurar. Um jovem elegante e atraente, vestido com um fato azul impecável, olhou ao redor, tentando compreender o que estava a acontecer. Várias pessoas apontaram para ele, entusiasmadas. —Senhor, é a sua noiva quem o chama —disse uma senhora tocando-lhe no ombro. —Hein? Eu? —perguntou incrédulo. —Sim, espere por ela, é muito bela —repetiu outro desconhecido. —Jovem, nunca deve abandonar uma beleza como essa —repreendeu um senhor mais velho. —Pára, amor…! Pára…! Vou contigo, amor, vou contigo…! —gritou uma mulher, rompendo a tranquilidade como uma explosão. Ele virou-se para ver uma noiva que o chamava. Quem diabo era aquela mulher? Porque, com certeza, ele não a conhecia. E, no entanto, o seu olhar... No momento em que os seus olhos se cruzaram, algo dentro dele pareceu parar. O seu coração deu um salto. Ela olhava para ele com uma mistura de desespero e súplica, como se ele fosse realmente o seu único salva-vidas em meio a um naufrágio. —Pára, amor…! Pára…! Vou contigo, amor, vou contigo…! Não me deixes, não me deixes! Não podia acreditar! Abriu os olhos na tentativa de entender que o que via era real..., ou pelo menos pensava que sim. Ela é…, repetiu para si mesmo, ainda a não acreditar que fosse verdade ao ver de quem se tratava. É impossível!, dizia para si, devia ser um sonho. Olhou para os rostos sorridentes de todos os que os observavam, como se estivessem a gravar um filme romântico e eles fossem os protagonistas. —Pára, amor…! Pára…! Vou contigo, amor, vou contigo…! —repetia ela, sem parar de o olhar. Isto é uma loucura! Eu não tenho namorada, não tenho! Como é que aparece uma aqui, a gritar por mim? Não! Não vou cair nesta armadilha! Ou será uma brincadeira de mau gosto que lhe pregaram pela sua graduação? Virou a cabeça para procurar algum dos seus primos ou conhecidos escondidos, mas não, não reconheceu ninguém por ali, mesmo sem os ver. Não se deixaria enganar, disse para si próprio, e queria ir embora, mas algo mais forte o impedia, ainda mais ao ouvir as palavras assustadas, cheias de medo, da bela jovem que continuava a chamá-lo e a correr na sua direção, fazendo-o perceber que aquilo era real. Ela surgiu do nada, vestida de noiva, e veio ao meu encontro! O que diabo é isto? —Não me deixes…! Não me deixes…! Não me casarei com outro que não sejas tu…! Amo-te…! Amo-te…! Espera por mim…! Olhou fixamente para os seus incríveis olhos verdes, únicos, mantendo-se assim, a sustentar o olhar dela, que estava carregado de súplica e terror. Ela continuava a gritar enquanto corria, perseguida por vários homens vestidos com fatos pretos que também a chamavam aos gritos: —Cristal...! Cristal...! Cristal, pára, há uma explicação para tudo…! Os gritos, longe de a fazerem abrandar, ao vê-los tão perto, só a faziam acelerar mais e continuar a correr com todas as suas forças, sem desviar o olhar daquele desconhecido, que arregalava os olhos, percebendo que, sim, que não se enganava, nem era um sonho ou alucinação. É ela! É ela! Como podia ser possível que aparecesse ali, agora? Perguntava-se sem deixar de a observar. Estamos a milhares de quilómetros do lugar onde a vi pela primeira vez! Não pode ser ela, não pode…, repetiu para si. E, definitivamente, não parecia ser uma brincadeira; ela está a fugir de alguém! O que está a acontecer? Queriam forçá-la a casar? Estavam a raptá-la? O que fazia ali? E por que lhe gritava aquelas coisas? Perguntava-se tentando encontrar uma explicação lógica para o que via. Como sabia ela que ele estaria ali, naquela hora, naquele hotel? Que tipo de armadilha macabra dos seus inimigos era esta? Ia girar para entrar no carro quando viu aparecer outro homem que também a chamava aos gritos. E não sabia porquê, mas só de o ver, o terror crescente na expressão da noiva fez com que todo o seu corpo se arrepiasse, e permaneceu onde estava, ouvindo-a quase em súplica a chamá-lo. —Não vás embora, leva-me contigo, amor, leva-me contigo! —E o grito ameaçador daquele que parecia ser o noivo: —Cristal, foi um mal-entendido…! Cristal, volta…! Cristal, não te atrevas a deixar-me plantado…! Cristal…! Sem saber porquê, estendeu os braços na direção dela, encorajando-a a chegar até ele. Estavam prestes a alcançá-la; como um autómato, levou a mão ao local onde escondia a sua arma, mas lembrou-se de que estava à entrada de um hotel e parou. Voltou a colocar ambas as mãos à frente, numa clara mensagem de que a salvaria, só precisava que ela chegasse até ele. Corre, vem até mim, eu vou salvar-te!, disse na sua mente, sem parar de a olhar diretamente nos olhos. Ela, ao vê-lo assim, pareceu compreender o que ele pensava; acelerou ainda mais o passo e, com todo o impulso que trazia da sua corrida desenfreada, saltou para se abraçar ao seu pescoço. Ele segurou-a nos braços, apertando-a firmemente enquanto caíam deitados no banco traseiro do carro, que arrancou a toda a velocidade, afastando-se daqueles que os perseguiam, que corriam de um lado para o outro procurando os seus carros e fazendo chamadas desesperadas. Enquanto a tal Cristal permanecia abraçada de olhos fechados ao desconhecido, que também a segurava com força contra o peito, ouviam-se os aplausos de muitos presentes, que riam, parecendo compreender o que acabara de acontecer, satisfeitos de que ela tivesse conseguido, ao escutarem como o noivo praguejava. —Maldição! Não podem ir muito longe! Encontre-a! —gritou furioso, enquanto entrava apressado no carro, acompanhado por três homens de fato preto. Mas o belo carro de última geração, de alta qualidade, afastou-se com eles até desaparecer, deixando apenas a imagem ondulante do véu da noiva, uma estonteante esteira branca, como se dissesse adeus.A claridade da janela faz com que abra os olhos. Está sozinho no hotel que reservaram no dia anterior para a celebração da sua graduação, sem saber como regressaram nem a que horas. —Raios! Por que tive de beber tanto ontem? A minha cabeça está a matar-me —diz, enquanto procura na mala por um analgésico. A ressaca é muito forte, mal se lembra de nada. Após tomar o comprimido, dirige-se à casa de banho e entra no duche, deixando que a água bem fria o ajude a despertar. Passado algum tempo sente-se um pouco melhor. Sai e começa a preparar-se para fazer a barba, quando algo no seu dedo chama a sua atenção. Sim, é um anel de casamento. E as imagens da mulher mais bonita que viu na sua vida a dizer-lhe “Sim, aceito”, numa cerimónia de casamento, chegam à sua mente. —Com quem raio me casei?! —pergunta desesperado, gritando a plenos pulmões enquanto sai a correr da casa de banho. Procura respostas enquanto revira a cama, só para garantir, mas não, não há ninguém nela. Sai disparado pel
O peso do vestido é a primeira coisa que sente antes de abrir os olhos. A seda roça a sua pele e o corpete aperta-lhe a cintura. Não precisa olhar para saber que ainda o está a usar. O seu corpo está rígido, como se o tecido fosse uma prisão que lhe nega o fôlego. A cabeça parece prestes a explodir, tamanha é a dor intensa que parece impossível de suportar. Abre os olhos e a claridade faz com que os feche de imediato, soltando um leve gemido. Tenta novamente, desta vez com mais calma, até que a sua visão começa a clarear. Olha à sua volta e reconhece o lugar de imediato: o seu pequeno apartamento número dois. Esse refúgio secreto que o seu irmão lhe comprou há tempos, para aqueles momentos em que tudo desmoronasse e precisasse desaparecer. Como é que vim parar aqui? A pergunta ecoa na sua mente confusa enquanto tenta reorganizar as suas últimas memórias. Senta-se na beira da cama, com a cabeça entre as mãos, tentando encontrar algum alívio. —Meu Deus, como dói a minha cabeça! —e
Cristal leva uma mão à boca, lutando para controlar o tremor que ameaça denunciá-la. Introduzi-lo na minha família? A sua mente tenta processar o que ouve enquanto o diálogo avança cada vez mais descarado. —Foi uma sorte descobrires que ela era sobrinha do chefe daquela organização em Roma —continua Jarret com tom triunfal—. Percebeste? Eles têm um grande território, Estela. É exatamente o que preciso para me consolidar! —Sérgio, se o teu pai descobrir isto, vai voltar a castigar-te —adverte Helen com doçura, como se quisesse protegê-lo de si mesmo—. Não te lembras do que ele te fez da última vez que cometeste uma loucura por outra rapariga? Não te basta ficarmos juntos? —Não me importa o que ele me fez! —rosna Jarret, já sem um pingo de controlo—. Todos eles mereceram! Rejeitar-me, a mim?! A mim?! Sabes quem eu sou? Não quero saber do que dizem ou pensam. Cristal sentia que o chão se desfazia debaixo dos seus pés. Cada palavra que saía da boca de Jarret era como uma faca a cr
Como é que tudo se complicou tanto assim? Estava à espera que Guido trouxesse o carro, alguém lhe disse que o estavam a chamar, e viu aquela rapariga lindíssima, que o tinha beijado no casamento dos seus primos, na casa do tio Rossi, em Roma, e com quem esteve a sonhar durante todo o último ano. Que loucura é esta? Como é que posso ter casado com ela se nem a conheço? E, se realmente casei, onde é que ela se meteu? Por que não está aqui comigo? Olha para o anel no seu dedo. De onde saiu este anel que me serve? Por que é que ela tinha anéis de noivado com ela? Talvez não seja nada, Gerónimo, tens de te acalmar. Pode ser que tenhamos apenas simulado o casamento e tudo seja mentira, que eu não esteja casado. Sim, deve ser isso. Como é que me casaria num iate? Foi só uma bebedeira, e ainda há a possibilidade de ser uma piada dos meus primos. Com esse pensamento vai-se tranquilizando. De certeza que tudo isto não passou de uma brincadeira de bêbedos, ou talvez uma partida dos seus prim
Gerónimo fica em silêncio, ainda tentando encontrar uma forma de levar a cabo o que acabou de dizer. Deixa-se cair na cadeira ao lado do irmão, que o observa sem saber como ajudá-lo. Têm apenas um ano e meio de diferença de idade. Fizeram tudo juntos desde que se lembram. Estudaram juntos o mesmo curso; até o pai mandou Guido um ano antes para a escola para que estivesse com todos os primos na mesma turma, com a intenção de que se cuidassem uns aos outros. —Como vamos resolver isto, meu irmão? A Cristal não está, nem ficou hospedada no hotel. Também não fazemos a menor ideia de quem ela seja —diz Guido, realmente preocupado—. E temos que regressar a casa para o casamento do Oli. Além disso, a graduação é hoje. —A primeira coisa que vamos fazer é esconder bem este certificado de casamento. Sabes como a mamã gosta de remexer nas nossas coisas —diz Gerónimo, enrolando o papel. —É verdade —concorda Guido—. Quando chegarmos a Roma, vamos direto ao banco do tio Romano e colocamo-lo nu
Gerónimo esclarece de imediato que não eram eles quem estavam a ser perseguidos, mas sim a rapariga que ele havia salvado. Parecia que ela tinha fugido do seu casamento e que era filha de um mafioso. Filipo franze a testa imediatamente, tentando descobrir se ela era italiana, como eles. Ambos negam, já que não sabem absolutamente nada sobre Cristal. —Como podes ver, o nome parece grego —indica Guido. —E o que aconteceu depois? Ainda não disseste porque estás nesta confusão —diz Filipo, sentando-se com os braços cruzados e olhando-o friamente. Embora tenham a mesma idade, Filipo é o herdeiro de Fabrizio Garibaldi, o chefe da família, o que faz dele o próximo líder a quem já estão subordinados os da nova geração, incluindo Gerónimo. Este continua a explicar tudo o que aconteceu desde que salvou a sua agora esposa. —Fomos parar a um iate onde estava a decorrer um casamento, e misturámo-nos com eles para nos escondermos —conta no mesmo tom—. Ela só chorava, e bebemos e bebemos...
Cristal volta a colocar a cabeça debaixo do jato de água fria do chuveiro enquanto continua a pensar em quantos segredos contou a Helen e a Jarret sobre os seus verdadeiros pais. Sem revelar quem eram realmente, referia-se a eles como os seus poderosos tios. Claro! Ela, e só ela, tinha quase levado o pai à falência. Tinha facilitado toda a informação a Jarret. És uma estúpida, Cristal! Como pudeste pensar que os inimigos do teu pai não iriam aproveitar-se de quem dizia ser a sobrinha dele? Os joelhos falharam, e ela senta-se no chão, soluçando. A tia não parava de gabar-se por ser irmã de um dos maiores chefes da máfia italiana. Do dono de quase toda Roma e Itália! Essa era a sua frase favorita. E ela também, quando sentia que a tratavam como uma menina ingénua de uma família de ricos refinados, fazia o mesmo. Falava do poder do tio. Abana a cabeça e levanta-se. Cristal, chega de fugir! Tens que voltar, tens que aceitar a realidade! És filha de uma família de mafiosos poderosos!
Gerónimo ficou a olhar para Filipo, que falava com veemência, e, sim, era verdade tudo o que o seu primo dizia. Lembrou-se de como a conheceu fugazmente em Roma numa noite; bastou apenas um instante para que a beijasse. Depois, um ano depois, o destino colocou-a novamente no seu caminho, desta vez a fugir de um casamento, para acabar por casar-se com ela do outro lado do mundo. —Tens razão, primo! —exclamou, levantando-se com determinação—. Vou fazê-lo! Vou procurar a Cristal e conquistá-la! Não vou deixá-la escapar! Filipo e Guido trocaram sorrisos ao ouvir a resolução de Gerónimo. Rindo satisfeitos, abraçaram o primo, celebrando juntos a decisão que acabava de tomar. Apesar do nó no estômago que sentia, Gerónimo não pensava recuar. Tinha chegado o momento de enfrentar o seu destino. Iria procurar aquela mulher misteriosa, a sua esposa desconhecida, cuja beleza lhe tirava o fôlego, e faria tudo o que fosse possível para conquistar o seu coração. Se a vida, e como o seu primo insi