INCONTROLÁVEL
INCONTROLÁVEL
Por: Faith Carlan
PRÓLOGO

Graziella

Estou presente em mais um daqueles jantares chatos com minha família, comemorando o aniversário de casamento dos meus tios, em um dos mais renomados restaurantes de Verona, o Bun Jewel, minha mãe não me deixar respirar, a cada momento reclama de algo que eu faço, ou melhor, não faço.

-Graziela tenha modos e mude essa cara! - Ela me repreende pela terceira vez. Eu tinha 20 anos, mas ela me tratava como uma adolescente na maioria das vezes.

-Mais eu só tenho essa cara mãe! - Retruco, já estou cheia de toda essa cena patética de família perfeita.

Além de minha mãe Genevive, estavam presente meu pai Enzo, minha tia Maria e seu esposo Miguel que hoje completavam 5 anos de casados, nem sei se poderia chamar o que eles viviam de casamento, minha tia sempre viajando pelo mundo, enquanto meu tio Miguel, todos sabiam que esse a traia descaradamente, não que ela não merecesse, era uma megera, mas viver um casamento como uma mera transação era algo que eu não queria pra mim.

Meu pai como sempre um impotente, sempre seguindo as regras que a sra. Genevive impunha, desde de pequena nunca o vi tomar uma decisão por si mesmo.

-Filha ouça sua mãe. -Era sempre o que me falava.

20 anos de idade e nunca vivi minha vida sem o controle de todos ao meu redor. Minha Família possuía uma grande concessionária em Verona, de geração para geração o negócio foi crescendo, minha existência se resumia em me formar em administração e um dia tomar o lugar da minha mãe a frente da empresa, isso mesmo, o meu pai não dá um passo para ir a empresa pois minha mãe não permite, já falei o quanto ela é controladora? Além disso, eu teria que casar com um homem com uma fortuna tão grande quanto a da minha família e ter um herdeiro que possa prosperar ainda mais os negócios. Minha família parecia ter parado no século passado. Afinal era tudo sobre aparências.

Minha querida mãe fazia questão de me lembrar todos os dias, ao acordar e na hora de dormir. Olho ao redor do restaurante recatado observando que todos mantêm sua postura fria, pessoas completamente sem vida, movidas pelo dinheiro, cercadas por seu mundo fútil e vivendo algo falso, vivendo apenas para o luxo e para si mesmo.

O quanto eu queria construir algo para mim, algo que me orgulhasse, sempre tive um pequeno hobby, que fazia as escondidas da minha mãe, adoro pintar, principalmente as pequenas coisas que aos olhos das pessoas não eram tão importantes, paisagens, flores, esculturas e até mesmo rostos, mas desde que minha mãe me flagrou praticando nos fundos da grande mansão em que morávamos e destruiu todo o meu material de pintura, nunca mais pratiquei.

-O que você tem que está tão quieta Graziela? - Minha querida tia pergunta em tom falso piscando seus cílios postiços em minha direção.

Não respondo, sei que se falar algo, ela iniciará uma série de provocações que resultaram em algum castigo para mim.

-Você não ouviu que sua tia lhe fez uma pergunta Graziela? - Minha mãe fala ríspida, como sempre.

-Ouvi mãe, mas não vejo a necessidade de responder! - Falo em tom firme.

Minha mãe agora me olha diretamente nos olhos, tentando me causar medo com seu olhar frio, mas isso já não funciona como antes.

-Olha o seu tom comigo mocinha!

-Acho que você tem que educar melhor essa menina Genevive, como um dia ela poderá ficar a frente da empresa com esse comportamento! -Minha tia fala para minha mãe com um sorrisinho provocativo nos lábios.

- Sim Maria, eu também acho que Graziela precisa de uma lição. -Minha mãe me olha novamente, mas dessa vez seu olhar reflete uma raiva contida e sei o que me espera em casa quando chegarmos.

Minha mãe nunca me bateu, mas ela faz coisa pior, desde pequena quando descumpria uma ordem ou algo do tipo ela me trancava no porão da casa, o problema não era ficar sozinha ou no escuro, mas sim o que isso causou no decorrer dos anos, ataques de pânico, pensar que isso iria acontecer hoje a noite, fez com que minha respiração saísse pesada e com dificuldade e olho assustada para minha mãe, que apenas me lança um sorriso vitorioso, sim, ela sabia, mas sempre dizia que era uma espécie de punição para os meus erros.

-Vamos terminar o jantar em paz! -Meu pai diz com tom calmo, ele fingia não saber o que a minha mãe fazia, mas eu tinha conhecimento que ele sofria até mais que eu com as atitudes dela.

O jantar transcorreu silencioso, igual o caminho para casa.

Ao sair da limusine minha mãe rapidamente segura meu braço pressionando com força suas unhas em minha pele e me puxando para casa.

Tento resistir mais sei que é impossível, meu corpo é minúsculo diante do dela, que tem um corpo conservado e com grande tônus muscular por conta dos muitos exercícios que pratica.

-Por favor mãe, hoje não, juro que me comporto! -Imploro enquanto descemos as escadas que levam ao porão.

Ela não responde, apenas gira a chave da última porta a abrindo e me lança para dentro, fazendo com que eu caia no carpete empoeirado.

Só agora noto que as lagrimas banham meu rosto e soluços vem do fundo da minha garganta de forma desesperada.

-Espero que você aprenda a se comportar da próxima vez! - Diz antes de sair trancando a porta e me deixando sozinha no espaço escuro e sombrio que é o porão.

Minha respiração falha e sinto o pânico tomando meu corpo, tento pensar em coisas que me acalmam, como a pintura, adoro pintar, adoro pintar, repito o mantra em minha mente mais meu cérebro simplesmente se recusa a me obedecer e tremores tomam meu corpo, não tenho forças para evitar essa nova crise, choro copiosamente, mesmo com a pouca respiração que banha meus pulmões o choro é inevitável.

Desejo o esquecimento, desejo ser livre e mais forte para enfrentar os meus medos, mas sei que tudo isso será impossível diante da vida que traçaram para mim.

Espero que você aprenda a se comportar da próxima vez... as palavras da minha mãe ecoam em minha mente, eu não quero uma próxima vez, não quero viver à sombra dela, que me transformou em um fantoche ao longo dos anos, me manipulou me tornando esse ser vazio, preciso adquirir forças e lutar por algo que ainda não conheço, mas que quero viver, bem longe da minha mãe abusiva e do meu pai fraco, mesmo sabendo que ele sofre como eu, a magoa de ele não mover um único dedo para mudar a nossa situação está cravada em meu peito.

Espero os tremores no meu corpo cessarem e a respiração acelerada acalmar, normalmente apenas dormiria no chão frio e esperaria o dia amanhecer para que minha mãe lembrasse que eu estava trancada aqui e me libertasse, mas hoje não, hoje faria diferente, eu mesma iria me libertar.

Apoio minhas mãos no chão frio em busca de apoio para me erguer, minhas pernas um pouco fracas depois do ataque de pânico, ando até a porta e penso em uma forma de abri-la, é surpreendente o fato de eu nunca ter tentado isso antes, sempre obediente diante da tortura psicológica dela. Olho entre a pequena fenda da fechadura e vejo um ponto de luz, indicando que a chave não está lá, arrasto minha mão um pouco trêmula ao meu cabelo ruivo preso no topo da cabeça e retiro o minúsculo grampo que o prende, ele cai em cascatas por meus ombros, conduzo o grampo até fechadura da porta, não sei bem em como fazer isso, não sei se irá funcionar, só vi isso em filmes de ação, mas não custa tentar. Pressiono o grampo de cabelo na fechadura, giro a mão fazendo com que o grampo circule de um lado para o outro, quando ouço um clique indicando que a porta está aberta, quase solto uma risada nervosa, mas rapidamente levo as mãos a boca evitando que o pequeno som me escape.

Depois do que parece ser uma eternidade, seguro a maçaneta e lentamente puxo a porta, olho as escadas a minha frente e vejo uma pequena luz que emana do corredor, crio coragem e subo as escadas, quando chego ao longo corredor iluminado e vazio, faço o que sempre quis fazer, corro, corro o mais rápido possível em direção a saída mais próxima, quando chego ao grande jardim o vento frio da madrugada chicoteia o meu rosto e eu sorrio feito boba sinto o cheiro de liberdade, passo pelos portões que levam ao asfalto frio e solitário, não me importo com os perigos da madrugada, acelero os passos e corro como nunca pensei que fosse capaz, não olho para trás, para a grande mansão, apenas fujo da vida que não me pertence, nunca me pertenceu, mas que fui obrigada a viver.

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