A noite tinha chegado, e o quartinho onde eu estava com Carlinha parecia ainda menor. O cheiro mofado misturado com o som abafado dos passos lá fora criava um clima de tensão insuportável. Minha filha estava sentada no colchão velho, com os olhinhos brilhando de medo. Eu, por outro lado, tentava manter a postura, mesmo com a angústia me corroendo por dentro.— Mãe, tô com fome. — Carlinha murmurou, abraçando os joelhos.Meu coração apertou. Eu queria tanto poder pegar minha menina e levá-la pra casa, mas aquele lugar era uma prisão. Não tinha comida, não tinha conforto, não tinha esperança. Só o silêncio perturbador e as ameaças que rondavam.— Eu sei, filha. — Respondi, alisando os cabelos dela. — Prometo que vamos sair daqui. Só mais um pouco, tá bom?Ela assentiu com um aceno tímido, mas eu sabia que ela não acreditava em mim. Nem eu sabia como sair daquela situação. Mas tinha que parecer confiante por ela.O tempo passava devagar, cada segundo pesando como uma tonelada. Foi quando
A água gelada escorria pelo meu rosto, me fazendo arfar de susto. Pisquei algumas vezes, tentando entender o que estava acontecendo, e então vi Bruna parada à minha frente, segurando o balde vazio e rindo.— Sua piranha desgraçada. — Minha voz saiu carregada de raiva.Ela gargalhou alto, um som cheio de escárnio, enquanto me olhava de cima com aquele ar de superioridade que sempre me irritou.— Tu não tá em posição de falar nada, sua vagabunda. Tá gostando do tratamento que o meu homem tá te dando? — Ela rebateu, cruzando os braços.Senti o gosto amargo da raiva subindo pela minha garganta. Odiava a forma como ela falava, como se estivesse no controle.— Como você desceu tão baixo, Bruna? Se juntar com aquele desgraçado só pra quê? Pegar o Matheus pra você? — Cuspi as palavras, sem me importar com o que viria depois.Ela estreitou os olhos, o sorriso desaparecendo por um instante, mas logo voltou com a resposta afiada.— O MT ia me fazer de fiel até você querer voltar pra ele. Aí foi
Matheus (MT) Os meus parças já tinham chegado pra me ajudar, Luizinho está nervoso andando de um lado pra outro assim como eu. — Assim vocês vão furar o chão. — Macla disse e eu revirei os olhos. — Como caralhos, você pode estar tão calma? — Perguntei olhando para ela puto. — Estou tranquila, porque sei que minha amiga não vai deixar que os filhos da puta vençam, ela vai trazer a Carlinha pra casa e também vai ficar bem. Pensando por esse lado eu sabia que minha mulher era foda o suficiente pra sair da porra daquele morro com a nossa filha, mas eu não quero contar com a sorte, eu preciso das duas vivas e em casa. — Vamos, mano. Nossos parças já estão com os soldados dele lá em baixo. Desci com meu amigo e quando cheguei no pé do meu morro, fiz um discurso pra deixar eles ainda mais animados. Entramos no carro e fomos pro pé do morro do farinha, já chegamos lá atirando sem dar chance pros filhos da puta revidarem. — Vamos pegar a minha mulher e a minha filha de volta. — Gritei
Hannah Luiza (Halu)Estava sentada no banco de trás do carro com Carlinha no meu colo, abraçada a ela como se pudesse protegê-la do mundo inteiro. Ela estava cansada, os olhinhos inchados de tanto chorar, mas, mesmo assim, se aconchegava em mim com aquele jeitinho que só ela tinha, buscando conforto. A cada respirada dela, eu sentia um alívio misturado com culpa. Minha filha estava viva. Eu estava viva. Mas eu sabia que tinha arriscado mais do que deveria.Matheus dirigia o carro com uma das mãos no volante, enquanto a outra apertava o volante com tanta força que os nós dos dedos estavam brancos. Ele não dizia nada, mas o silêncio dele era pior do que qualquer grito. Luizinho estava no banco do passageiro, quieto, como se soubesse que era melhor não se meter.— Que merda você tava pensando, Halu? — Matheus finalmente quebrou o silêncio, a voz carregada de frustração e raiva.Eu sabia que isso ia acontecer. Sabia que ele ia surtar assim que estivéssemos a salvo. Suspirei, tentando man
A água quente do chuveiro deslizava sobre minha pele, relaxando os músculos tensos. Enquanto lavava o cabelo da Carlinha, sentia o cansaço do dia pesar sobre meus ombros. Meu corpo estava exausto, mas meu coração ainda batia rápido, como se tentasse acompanhar tudo o que havia acontecido.Quando terminei, embrulhei a pequena em uma toalha macia e a levei para o quarto. Ela ainda estava sonolenta, e seu corpinho relaxado no meu colo me dava um alívio imenso. Matheus já tinha ajeitado a cama dela, e juntos a colocamos ali, aninhada entre os cobertores. Ele beijou sua testa com delicadeza, o olhar terno que raramente mostrava revelando o quanto se importava.— Ela é forte como a mãe — ele murmurou, ajeitando uma mecha de cabelo da Carlinha.Senti meu rosto esquentar, mas não respondi. Apenas o observei, aquele homem que tantas vezes me tirava do sério, mas que, no fundo, era meu refúgio.— Sua vez, Halu — ele disse, com um sorriso de canto.Dei de ombros, me afastando em direção ao banhe
A luz do sol atravessava as cortinas finas da janela, anunciando um novo dia. Levantei antes de todos, como sempre fazia, para preparar o café da manhã da Carlinha. Na cozinha, o cheiro de café recém-passado e pão na chapa tomava conta do ambiente. Coloquei um copo de leite morno na mesa, acompanhando com algumas frutas cortadas e o pão quentinho que ela adorava.Enquanto ajeitava os detalhes, senti braços fortes me envolvendo por trás.— Bom dia, minha mulher. — A voz rouca do Matheus soou próxima ao meu ouvido, provocando arrepios.Sorri, mas não me virei.— Bom dia. Não vai me atrapalhar, tenho coisa pra fazer.— Atrapalhar? Eu? Nunca. — Ele me virou com facilidade, me puxando para mais perto, seus olhos brilhando com aquela malícia que eu conhecia tão bem.— Matheus, a Carlinha pode entrar a qualquer momento... — tentei protestar, mas ele ignorou, colando nossos lábios em um beijo cheio de urgência.Antes que a situação pudesse esquentar ainda mais, a porta da cozinha foi escancar
Matheus (MT)Estava na sala com Carlinha e Luizinho quando Halu chegou fedendo a fumaça, nossa filha correu para abraçar ela e Halu impediu. — E aí como foi amor, estava pensando em subir pra ver, mas resolvi deixar tudo por sua conta. — Digo a ela que sorri. — Você fez uma coisa boa, por que eu ficaria puta com você se subisse pra se intrometer. Vou tomar um banho estou me fedendo a puta e fumaça. Halu subiu e Luizinho me olhou rindo e mandou o papo no radinho e ficamos sabendo que Halu mandou Bruna de americanas depois de torturar ela. — Minha irmã é doida! To te falando que se ela ficasse de frente pro morro o povo ia ter mais medo dela do que já tem. — Luizinho falou olhando para mim e riu. — Não fala assim da minha mamãe. — Carlinha pediu. — Relaxa, Carlinha. Estou brincando. — Ta bom titio. — Carlinha voltou a sentar no meu colo. — Você tem uma mini leoa, imagina quando Halu ficar grávida. — Carlinha levantou a cabeça e olhou para minha cara. — A mamãe tá grávida? — Ela
Hannah Luiza (Halu)Estava no sofá, curtindo minha folga enquanto assistia um programa qualquer na TV, quando ouvi batidas apressadas na porta. Levantei, me perguntando quem era, ao abrir, dei de cara com Macla segurando uma sacola enorme.— O que você tá fazendo aqui tão cedo? — perguntei, surpresa.Ela entrou sem cerimônia, passando por mim e jogando a sacola em cima da mesa de centro. Seu rosto tinha aquele sorriso travesso de quem estava prestes a aprontar alguma coisa.— Bom dia pra você também, amiga. — Ela rebateu, se jogando no sofá. — Cadê Matheus e a Carlinha?— Matheus levou a Carlinha pra escola. Hoje tô de folga, então ele quis me dar um descanso. — Respondi, cruzando os braços. — Por quê?Macla abriu a sacola, e meu queixo quase caiu ao ver o que tinha dentro: vários testes de gravidez, de marcas diferentes. Eram tantos que parecia um estoque de farmácia.— Que porra é essa, Macla? — perguntei, tentando não rir. — Você quer abrir um comércio?— Para de graça e vai mijar