Matheus (MT)Eu acordava com o barulho da chuva fina batendo na janela do quarto. Odeio chuva faz lembrar do dia que mataram meu pai tentando invadir o morro. Halu estava esparramada na cama ao meu lado, um braço protetor sobre a barriga imperceptível que carregava nosso bebê.Olhei pra ela e sorri. Ela parecia tão tranquila, como se todo o caos de ontem tivesse evaporado durante a noite. Mas eu sabia que não era bem assim. O que aconteceu na festa ainda tava martelando na minha cabeça, e eu não podia ignorar.Levantei com cuidado pra não acordar ninguém, fui até a cozinha e comecei a fazer o café. Dona Neuza já tinha avisado a gente que não ia poder vim hoje, então vou adiantar as coisas por aqui. Enquanto a cafeteira fazia seu trabalho, eu peguei o celular e abrir o WhatsApp. Macla tinha mandado uma mensagem de madrugada.“Matheus, desculpa por ontem. Nossa mãe é um problema que a gente ainda não sabe como resolver. A Halu não mereceu o que ela falou ontem, minha mãe não é espelho
Hannah Luiza (Halu)O dia começou divertido, apesar da nossa vida corrida e dos perigos eminentes que nos cercam, sempre nos divertimos. Carlinha ainda estava comendo as panquecas que ela pediu para eu fazer e enquanto isso liguei para o Do Céu que avisou que ele e Boca de sacola já estavam à minha espera. Depois liguei para Macla e pedi a ela para ficar com Carlinha. — Amiga, tô na padaria, trás ela aqui que eu fico. — Valeu, amiga. Vou resolver aquele assunto de ontem. — Ela soltou um suspiro. — Boa sorte com a Marinete. Sei que ela é minha mãe, mas tenho vergonha dela e dos B.Os que ela causa.— Relaxa, amiga! Vou só conversar com ela. Quando sai de casa, Do Céu e Boca estavam com o radinho na mão, prontos pra qualquer parada.— Qual é a treta, patroa? — Boca perguntou, já animado.— Hoje a gente vai na casa da Marinete. Vou resolver isso de uma vez.Eles se entreolharam e assentiram, sem questionar. Era por isso que eu confiava nesses caras. Deixamos Carlinha na padaria e Sub
Hannah Luiza (Halu)(Três meses depois) Quem diria que depois de tanto caos as coisas finalmente estariam tranquilas? O morro tá em paz. Os negócios tão fluindo, sem nenhum estresse maior. A Marinete? Ela aprendeu o lugar dela e, sinceramente, tem sido um alívio não ter que lidar com as loucuras daquela mulher. Carlinha tá cada dia mais feliz, e isso é tudo que importa pra mim. Hoje, especialmente, é um dia importante. É a inauguração do nosso projeto social, algo que eu e o Matheus sonhamos há um tempo. Não vou mentir, foi um corre danado pra organizar tudo, mas valeu cada segundo. Quando olho pra Carlinha brincando com as outras crianças, sinto que finalmente tô fazendo algo que importa. — Tá pronta, amor? — Matheus perguntou sorrindo. — Pronta, sempre, meu querido. Bora lá que hoje é dia de festa. Peguei Carlinha no colo e seguimos juntos pro galpão que transformamos no centro do projeto. O lugar tava lotado. Crianças, mães, jovens, todo mundo ali parecia empolgado. A ene
O hospital tava lotado, como sempre. O barulho de crianças chorando, gente falando alto no celular e aquela música ambiente de espera eram quase sufocantes. Matheus estava ao meu lado, com o pé batendo no chão numa agonia só. — Se essa médica demorar mais cinco minutos, eu juro que vou dar um tiro na cara de alguém, Halu. Revirei os olhos, segurando a vontade de rir. Ele era exagerado até a última gota, mas essa mania de resolver tudo na base da ameaça me tirava do sério. — Matheus, pelo amor de Deus! Que exemplo é esse que você quer dar pras nossas crianças? Ele bufou, cruzando os braços como uma criança contrariada. — Exemplo, Halu? O exemplo é que ninguém brinca com a minha família, porra! Respirei fundo, segurando a paciência. Coloquei minha mão sobre a dele, tentando acalmá-lo. — Ó, respira e para de palhaçada. Tá tudo bem. A médica vai chamar a gente logo. Não precisa arrumar confusão. Ele me olhou, meio contrariado, mas assentiu. Matheus era assim: uma mistura d
Matheus (MT)O som do carro ecoava baixo enquanto eu subia a ladeira. Meu coração ainda tava acelerado com a notícia de que eu ia ser pai de dois moleques. Dois! Caralho, era bom demais pra ser verdade. A Halu tava exausta, então deixei ela em casa pra descansar. Dei um beijo nela antes de sair, prometendo não demorar.Agora era hora de subir pro “escritório”. O morro não parava, e, mesmo com as melhores notícias do mundo, eu sabia que precisava resolver uns assuntos. Quando cheguei, os caras já estavam na esquina, fazendo o tradicional toquinho.— Olha quem chegou! O rei do morro e agora pai dos príncipes! — gritou Dudu, me zoando enquanto batia no peito em respeito.Dei risada e bati de volta.— Tá ligado, né, irmão? Dois pivetes pra tocar o terror aqui!Os caras riram, e fizemos o toquinho rápido antes de eu seguir pro barraco onde ficava o “escritório”. O Luizinho já tava lá, de pé, mexendo no celular. Assim que me viu, largou o aparelho e veio me cumprimentar.— MT! Já fiquei sab
Hannah Luiza (Halu)A noite estava calma, e o silêncio da casa era quase hipnotizante. Matheus já tinha apagado há algum tempo, assim como a Carlinha. Mas eu… eu não conseguia pregar o olho. Estava cansada, mas a fome era maior. Sabe aquela vontade repentina de comer algo específico? Pois é, exatamente isso. Levantei devagar, tentando não fazer barulho. Matheus dormia profundamente, com a respiração pesada e um braço jogado sobre o rosto. Ele parecia um anjo assim. Mas, naquele momento, minha prioridade era outra: comida. Desci as escadas com cuidado, o chão gelado sob meus pés me arrepiando. A cozinha estava escura, iluminada apenas pela luz da rua que passava pela janela. Abri a geladeira e encarei os potes, tentando decidir o que queria. Tinha bolo, suco, um restinho de carne… mas o que me chamou mesmo a atenção foi o pote de geleia e o pão na bancada. Peguei tudo e comecei a preparar um sanduíche, mordendo os lábios de ansiedade. Era engraçado como a gravidez mudava a gente.
Os meses passavam, e minha barriga só crescia. Estava com seis meses de gestação, mas parecia que já estava com oito. A barriga estava enorme, a fome era de umas oito pessoas, e o cansaço era triplicado, mas nada disso me impedia de seguir com minha rotina. Eu ia para a faculdade, trabalhava meio período na escola, participava do projeto e ainda havia começado meu estágio com o professor Lopes. Além de tudo isso, eu ainda dava atenção à Carlinha, que, de uns tempos para cá, começou a sentir ciúmes, achando que Matheus e eu não daríamos mais atenção a ela. Ah, sem contar que ainda ajudava a cuidar do meu morro. Inclusive, mesmo depois de Matheus e Luizinho terem mandado um papo sério para o Riva, lá do morro do Jaguar, eu mesma também mandei meu recado. Já deixei bem claro que estou grávida, mas não morta.Matheus vive louco, dizendo que estou me esforçando demais, mas minha obstetra garantiu que estava tudo bem comigo. Disse que eu estava saudável e que era só continuar me cuidando.—
Dois meses haviam se passado, e minha barriga parecia ainda maior. O cansaço já era parte da rotina, mas, com tudo que eu tinha para fazer, não sobrava tempo para ficar parada. Apesar de tudo, eu estava ansiosa e animada com a chegada dos meus bebês. Estava sentada no sofá da sala, conversando com Macla, minha vizinha e amiga de longa data, quando senti uma dorzinha na barriga.— Ai... — Levei a mão à barriga, tentando disfarçar.— O que foi isso, Halu? — Macla perguntou, alarmada, me encarando com preocupação.— Acho que está na hora. — Respondi, tentando manter a calma.— Na hora? Como assim? Você está só com oito meses, mulher! — Ela se levantou num pulo, já agitada.— Eu sei... Mas estou sentindo que é a hora. — Respirei fundo e peguei meu celular para ligar para Matheus.O telefone chamou algumas vezes até que ele atendeu com aquela voz despreocupada de sempre.— Fala, amor. Onde você tá? — perguntei.— Tô com o Luizinho recebendo um carregamento grande. Tá tudo bem aí?— Acho qu