Jéssica
Deixar Gustavo, sem dúvida alguma, havia sido a decisão mais doída de Jéssica, ainda que ao lado dele sofresse pelas noites em que o dividia com outras pessoas, não estar com ele era infinitamente pior.
Passou dias sem sair de casa e nem ao menos conseguiu ir até a empresa, não atendeu aos telefonemas, e-mails ou qualquer outro tipo de contato. Seu pai já estava de partida, precisava voltar para a matriz, mas a falta de contato com a filha no terceiro dia, despertou sua preocupação.
— Então, você está ai? — a voz paternal invadiu o quarto escuro e ela sentiu o colchão se mover com o peso do corpo masculino. — O que aconteceu com você, princesa?
Não sabia o que poderia responder ao pai, como dizer o motivo de romper com o namorado? Como explicar que o trabalho dele os afastou
Acreditou que a dor física em seu corpo infantil fosse a pior que teria que enfrentar no decorrer de sua vida, ou até mesmo a dor da perda de seus pais, os dias de miséria e fome, as noite mal dormidas em bancos de praças, quando fugiu do orfanato. Gustavo acreditava que nada mais em sua vida poderia lhe causar tamanho desespero, mas estava completamente enganado. Sentia em seu corpo e sua alma a dor da perda, como se o respirar fosse um ato complicado e o pensar não estivesse mais no controle de suas mãos.Doía.Os dias que se seguiram sem a presença de Jéssica o devastou, ligou o automático e não se preocupou com as consequências que aquela atitude lhe traria. Ainda trabalhava, passava as noites com os poucos clientes que procuravam por ele, mas não se importava em dar o seu melhor. Sua má fama correu tão rápido quanto a boa e, em pouco tempo, os clientes vi
Dentro da pequena mala, somente os presentes que ganhou das clientes que se envolveu. Todas as roupas, perfumes, sapatos, tudo, foi deixado para trás. Transferiu todo o dinheiro que tinha para uma nova conta, deixando sobre a mesa da cozinha, ao lado do celular, os cartões vinculados à empresa, fechou a porta, colocando dentro de um envelope, deixando na portaria, aos cuidados de Olivia e partiu.Seis meses na empresa de Olivia havia garantido a ele um tempo para respirar e colocar as coisas em ordem. Saiu de lá e foi para o único lugar que conseguia pensar. Claudia abriu a porta de sua mansão e o encarou, enquanto ele entrava e se jogava no sofá de sua sala.— Mas o que aconteceu com você? — Quis saber, verdadeiramente preocupada. — Deixei um jovem renovado e encontro um homem acabado, somente algumas horas depois.— Uma avalanche passou por cima de mim e me soterrou — declarou
JéssicaEnquanto Gustavo caminhava na direção da mulher sentada no bar à sua espera, Jéssica ouvia as palavras ditas por ele repetidas vezes, como se todo o cenário ao seu redor simplesmente tivesse desaparecido e a única verdade que realmente importava era aquela: ele sentiu-se sozinho, abandonado. E Claudia foi a pessoa que o acolheu quando ninguém mais o ajudou. Viu quando o homem que amava, envolveu a cintura de outra mulher e os dois saíram, trocando um olhar carregado de cumplicidade, e ela ficou ali, sentada, sozinha, sem saber até que ponto a sua falta de posicionamento prejudicou sua vida.— Jéssica. — Sentiu o toque em seu ombro. — Jéssica. — Alguém a balançava com mais firmeza. — Jéssica, querida.Olhou para o lado e viu Olivia parada, a sacudindo levemente, observando-a com certa preocup
Assim como prometido, antes mesmo de Gustavo chegar no carro, o endereço de onde Jéssica estava foi recebido por mensagem no celular. Ele olhou e viu que não era muito longe e em menos de quarenta minutos estava parado na frente de um grande salão. Após se identificar para um dos seguranças e reconhecer a eficiência de Olivia, pois a mesma garantiu que sua entrada fosse liberada sem nenhum empecilho, Gustavo foi recebido por sorrisos gentis, alguns acenos educados, servido por um dos garçons que cruzou o seu caminho enquanto reconhecia o território atrás de seu verdadeiro alvo. De forma discreta e se misturando ao mundo que ele passou a conhecer tão bem no último ano, retribuía os sorrisos, entendia o rubor na face de alguns rostos conhecidos, mas foi o riso baixo e o jeito alegre e contagiante dela no canto mais discreto do salão, cercada de pessoas que sorriam com a mesma intensidade d
— Sabe que não vejo problema algum nisso, mas você disse não me queria com os clientes.Jéssica arrumava as malas enquanto conversa com a madrasta no viva voz, não entendia o porquê do pedido de Olivia, mas iria atender mesmo assim.— Você irá se divertir, será uma turma pequena e seletiva, somente umas cinco pessoas. Campos do Jordão é uma delícia essa época do ano.— Olivia, sei como é Campos essa época do ano: frio, frio e frio. — Ela riu, colocando na mala mais uma jaqueta. — Mas ok, irei com prazer, eu adoro o chocolate quente de lá.Ouviu a risada contagiante do outro lado da linha e não entendeu mesmo o porquê daquela empolgação toda, sempre soube o quanto ela levava a empresa a sério, mas aquilo era um pouquinho demais. Jéssica acabou de arrumar suas coisas e, a
Três meses depois...— Gustavo, respira! — Claudia repetia a mesma frase.— E se ela não vier? Vai ver que cometeu um erro, que não sou bom o bastante para ela, Otavio vai mostrar a ela toda a verdade. — As palavras saíam com dificuldade, ele já não conseguia respirar direito.Estavam todos do lado de fora da igreja, faltavam minutos para o casamento começar. Olivia teve somente três meses para preparar tudo e desempenhou o papel com a ajuda de Claudia. A igreja Nossa Senhora do Brasil, que tem uma fila de espera de mais ou menos um ano, rapidamente abriu uma exceção quando o pedido veio de três nomes tão conceituados. Desde pequena Jéssica dizia que iria se casar ali, como uma princesa dos desenhos que assistia, e seu pai não iria decepcioná-la. Tudo, ainda que em meio a c
— Só eu acho estranho essa mania que ela tem de “experimentar” os contratados? — Jéssica falava de sua mesa, na mesma sala em que Gustavo trabalhava.Após o casamento e o mês que tiraram para matar a saudade que diziam sentir um do outro, e colocar a casa e duas vidas em uma só dentro do apartamento, Jéssica foi trabalhar com Gustavo e Claudia. Dividia com ele a sala no escritório, suas mesas ficavam uma de frente para a outra e mesmo depois de cinco meses gerenciando o financeiro da Clímax, não conseguia entender a forma que Claudia, agora sócia de Gustavo, escolhia os funcionários.— Não, amor. — Ele riu, tirando sua atenção da tela do notebook para olhar sua esposa que o encarava. — Mas eles não se importam e vem dando certo assim, não vejo motivos para mudar. — Deu de ombros.Ficaram
Acordou com os primeiros raios de sol em seu rosto, pegou no sono onde estava, com a taça vazia de vinho na mão. Espreguiçou-se e curtiu a preguiça do momento, sabia que ainda teria tempo para um banho e um bom café da manhã, e assim o fez. Às oito horas em ponto estava do lado de fora do hotel, de frente para o grande carro preto. Armando desceu o vidro escuro e esboçou o que pareceu ser um sorriso para o rapaz que, meio sem jeito, abriu a porta da frente, sentou-se e puxou o cinto sobre o corpo. — O que foi? — perguntou ainda sem graça, o grandalhão ao seu lado o encarava. — Não vai aqui na frente. — A voz rouca e forte, ecoou entre eles. — Vou sim, não é meu motorista, não vou lá atrás sozinho — respondeu dando de ombros, acomodando-se ainda mais no banco de couro. Armando pareceu pensar sobre o que acabou de ouvir, olhava intensamente para o jovem ao seu lado e foram os dez segundos mais longos da vida de Gustavo, mas não abaixou a cabeça, sustentou o olhar do grandalhão. — Ok