Só era possível ouvir os sons dos pés batendo contra a terra. A noite estava tão silenciosa que dava para distinguir os sons que as folhas e galhos faziam ao raspar nos braços que me carregavam. O ritmo dos passos era característico de uma corrida, o balanço do corpo dele e do meu também. Assim como sua respiração acelerada.
Eu sabia que estávamos fugindo, não porque já estávamos correndo há muito tempo, mas sim porque, às vezes, era possível ouvir outros passos atrás de nós. Era uma fuga persistente.
Diante dos meus olhos, havia somente os galhos mais altos das árvores, com folhas e flores coloridas apesar da escuridão da noite. A lua ainda aparecia no céu, mas já estava começando a ser coberta pelas nuvens negras que escondiam as estrelas. Tudo aquilo não passava de um borrão enquanto prosseguíamos em linha reta e eu só conseguia distingui-los quando mudávamos de direção.
― Não se preocupe, criança, prometo que vou levá-la a um lugar seguro. ― O rosto do homem que me carregava virou para baixo por um instante e eu pude ver um lampejo dos brilhantes olhos dourados.
Alguns passos e árvores depois, ele parou e eu senti um pequeno calafrio na barriga quando ele se abaixou muito rápido. Todos os sons cessaram então, inclusive os passos que nos seguiam. De repente, minha visão foi ficando cada vez mais limitada à medida em que ele me afastava de seu peito. A aspereza que senti nas minhas costas, que nem mesmo o fino cobertor no qual estava enrolada conseguiu disfarçar, e as bordas da madeira, que limitavam minha visão, eram as únicas provas de que eu precisava para saber que estava sendo escondida dentro do tronco de uma árvore caída.
Fora do tronco, o rosto reto com nariz anguloso e fino, orelhas pontudas e olhos brilhantes era tudo que eu podia ver.
― Será uma guardiã muito poderosa algum dia ― ouvi-o dizer enquanto se levantava, iluminando a noite como um farol em um nevoeiro.
Eu ainda podia vê-lo pela pequena abertura quando se virou de costas para mim, demonstrando que realmente estava me abandonando.
De repente, os outros passos voltaram e o homem não começou a andar como pretendia. Ao cessar dos sons depois de chegarem perto de nós, percebi que o homem que brilhava estava cercado. Pude confirmar isso quando várias vozes oriundas de todas as direções ordenaram que ele devolvesse os poderes.
Vi os ombros do homem mexerem e ouvi sua risada melodiosa, apesar de firme, pouco antes de sua voz responder que eles, fossem quem fossem, jamais conseguiriam pegá-lo vivo. Eu nunca soube quem eram os outros, pois nunca apareciam no meu campo de visão.
Então, o homem levantou as mãos que me carregaram por tanto tempo e, aos poucos, a luminosidade que elas já possuíam começou a aumentar, adquirindo uma luz própria que ficava cada vez mais forte. Eu não sabia para quem ele estava apontando, mas depois deixou de ser necessário saber, pois a luz aumentou de uma tal maneira que, assim como deve ter feito com os outros, me cegou...
Acordei assustada, levantando de repente. Estava suando frio e com a respiração acelerada como se eu mesma tivesse corrido por toda a floresta. Era sempre assim quando eu tinha aquele pesadelo. ― Liss, anda logo. Temos que ir ao Centro de Treinamento ― a voz da minha irmã vinha de fora do meu quarto, junto com batidas sem ritmo que irritavam minha audição perfeita. ― Já estou levantando, Helen ― gritei para acalmá-la enquanto me deitava novamente e cobria meus olhos com um braço. Minha família não lidava muito bem com meus pesadelos e eu sempre precisava respirar fundo antes de começar um dia que se iniciava com eles. O pior era que naquelas últimas semanas eu tinha pesadelos todas as noites. Na verdade, eu não poderia dizer pesadelos, no plural. Levantei da cama e f
Em vez de entrar na arena do Centro de Treinamento como eu esperava, eu tinha entrado em uma terra estranha. Era de se esperar que eu soubesse daquilo, mas, assim como era proibido falar sobre os testes com os Feys mais jovens que nunca participaram deles, também era proibido que esses Feys assistissem aos testes até que tivessem passado por eles. Tive esperança de saber o que acontecia quando Cooper passou por isso, mas tudo o que ele me disse era que queria esquecer da experiência. Como não tinha mais o que fazer, eu olhei ao redor para me familiarizar com o lugar estranho em que eu estava. As casas não eram feitas de madeira ou de qualquer outro material criado pela natureza. Curiosa, fui até uma delas e coloquei minha mão na parede, confirmando que não era feita de ferro ou cristal ou argila. O que quer que fosse aquele material tinha pouca ligação com a
Cooper deu uma risadinha do meu lado e murmurou: ― Que tarefa mais importante? Assim que ouvi meu amigo falar aquilo, pensei que ele poderia ter um pouco mais de respeito pela tarefa que lhe fora incumbida. É claro que eu sabia que ele tinha potencial para ser até um membro do Conselho da aldeia, mas todas as tarefas eram importantes no Mundo Encantado, por isso Cooper deveria ter tanto orgulho pela própria tarefa quanto Fênix. Fiquei quieta, porém, ao ouvir a brincadeira do meu amigo, pois vi que os olhos de Fênix ficaram vermelhos. Não apenas um brilho como em qualquer outro Fey, mas uma mudança completa. Normalmente, quando um Fey fica com raiva, ele faz com que o elemento de sua magia transborde em seus olhos. Assim, quando um Fey de Fogo como Fênix, Cooper, minha irmã e eu ficamos irritados ou bem próximos d
Fiquei observando a saída da biblioteca em silêncio. Quando pedi que Helen e Cooper saíssem, tudo que eu queria era tempo para partir na minha viagem sozinha. Ignorei o perigo que eles corriam ao voltar para o lugar de onde tínhamos fugido e onde estavam os Feys que queriam nos prender. Eu sabia que o perigo, agora, seria temporário. Os Feys das Trevas logo teriam que me caçar pelo Mundo Encantado, então acabariam esquecendo de quem me ajudou no início de tudo, se eles fossem capturados. — Você é uma péssima mentirosa — disse Fênix, parando ao meu lado e me estendendo um documento dobrado. — Este é o mapa das aldeias do Mundo Encantado. — Estão todas aqui? — Perguntei sem discutir com ele. Eu sabia que era péssima com mentiras, mas ele também não era grande coisa. Tudo bem. Eu tinha acabado de concordar em lutar contra os Darkens com minha irmã – apesar de acreditar que o maior número deles era uma enorme desvantagem – e ela não perdeu tempo. Com o elemento surpresa do nosso lado, Helen iniciou nosso ataque lançando uma rajada de magma certeira no Darken que estava com a criança. Ele conseguiu se desviar, mas acabou se desconcentrando e soltou o pequeno Fey. Helen não parou. Ela continuou seu ataque, impedindo que o Darken se concentrasse novamente na criança. Aproveitei que Helen estava fazendo o trabalho pesado e completei com a parte fácil. Lancei-me sobre a criança, agarrei-a e levei-a para longe da briga entre Helen e o Darken. Sabendo que não tínhamos muito tempo até que os outros Darkens entrassem na luta, deixei que Helen continuasse o que tinha começado e olhei ao redor. Minha atenção se prendeu nos Darkens quCapítulo V - Nomeação
Não ficamos muito tempo naquela aldeia. Eu tinha feito a minha parte, livrando-os dos Feys das Trevas. Naquele dia que ficamos por lá, eu também tive a oportunidade de observar os Feys que moravam ali. Apesar de serem tranquilos até demais para Feys de Fogo, suas auras vermelhas brilhavam constantemente, sem alteração, sem um destaque. Eu sabia que eram bons Feys, mas nenhum deles poderia ser o governante. Ainda assim, fiz questão de pedir-lhes a promessa de que não deixariam os Darkens tomarem conta do lugar outra vez; eles prometeram que continuariam livres. No outro dia de manhã bem cedo, pegamos duas bolsas com suprimentos – grãos, frutas e alguns cantis de água, mesmo que fôssemos seguir pela beira do rio – e nos despedimos de todos, principalmente da mãe e da criança que salvamos, cuja casa nos serviu de abrigo durante a noite. Seguimos, então, a margem