Em vez de entrar na arena do Centro de Treinamento como eu esperava, eu tinha entrado em uma terra estranha.
Era de se esperar que eu soubesse daquilo, mas, assim como era proibido falar sobre os testes com os Feys mais jovens que nunca participaram deles, também era proibido que esses Feys assistissem aos testes até que tivessem passado por eles. Tive esperança de saber o que acontecia quando Cooper passou por isso, mas tudo o que ele me disse era que queria esquecer da experiência.
Como não tinha mais o que fazer, eu olhei ao redor para me familiarizar com o lugar estranho em que eu estava. As casas não eram feitas de madeira ou de qualquer outro material criado pela natureza. Curiosa, fui até uma delas e coloquei minha mão na parede, confirmando que não era feita de ferro ou cristal ou argila. O que quer que fosse aquele material tinha pouca ligação com a natureza. As cores pareciam de mentira e, diante dos meus olhos sensíveis de Fey, não podiam disfarçar a cor cinza que ficava por baixo.
Comecei a percorrer o caminho entre aquelas casas que não pareciam em nada com as casas do Mundo Encantado. Na medida em que eu ia andando, pude notar dois detalhes: as casas estavam ficando maiores, tão grandes quanto as árvores mais antigas do Mundo Encantado, e, também, que não havia nenhuma árvore ali.
Aliás, não havia nem o mais mínimo sinal de verde. Até mesmo o chão era cinza e não deixava escapar nem um tufo de grama. A terra estava completamente coberta por um material duro e sem vida. Andar por ali estava se tornando cada vez mais difícil. Não era só o fato de eu não sentir nenhum contato com a natureza por mais que eu andasse, mas também porque o próprio ar que eu respirava parecia pesado. Eu sentia como se estivesse respirando aquele material estranho e, de algum jeito, estava ficando suja com todo aquele cinza.
Olhei para todos os lados e não vi nenhum Fey. Tinha imaginado que poderia ver e ouvir a plateia enquanto fizesse o teste, mas não tinha ninguém ali.
Se o teste era para saber quanto tempo viveríamos sem a natureza, eu tiraria notas piores que as de Cooper, pois já sentia minha aura diminuindo e minha respiração ficando mais difícil.
Fiquei com tanto medo de morrer de verdade naquele lugar que comecei a correr desesperadamente por aquelas estradas, procurando algum sinal de vida.
Devo ter corrido por mais de meia hora antes de sentir uma brisa fria com cheiro de terra, um aroma quase imperceptível que teria passado despercebido se eu não fosse uma Fey e não tivesse os sentidos aguçados.
Segui aquele cheiro desesperadamente, pronta para me atirar sobre a vida que ainda existia ali.
Parei abruptamente, abrindo muito os meus olhos azuis. Respirei fundo e engoli em seco.
Estava sendo destruída!
Uma pequena área arborizada, uma porção ínfima que sobrara de uma floresta, estava sendo destruída. Por seres que eu nunca tinha visto antes.
Num primeiro momento, eles eram iguais aos Feys, somente suas auras eram diferentes. Eles não tinham um brilho ao redor do corpo. Era mais como uma luz interior que pulsava fracamente. Mas esse único detalhe me garantia que eles eram diferentes e que eu não fazia ideia do que eles eram. De uma coisa eu tinha certeza, porém, não podia deixar que continuassem cortando aquelas árvores com seus machados e máquinas com lâminas que giravam sozinhas.
― Parem! ― Eu gritei, correndo ao encontro deles. ― Parem, todos vocês.
As máquinas pararam e eles se viraram para me olhar. O silêncio que se seguiu foi ensurdecer e pareceu durar muito mais que o segundo que levou para eu conseguir continuar com minha parca tentativa de colocar algum juízo na cabeça daqueles seres.
― Vocês não podem fazer isso ― eu disse ofegante quando cheguei perto deles. ― Estão destruindo a única vida que ainda existe aqui.
― Quem é você? ― Perguntou um deles, ignorando o que eu estava dizendo.
A criatura tinha cabelos loiros e olhos azuis. Era bonito, mas muito mais diferente dos Feys do que eu tinha imaginado. Seus olhos não tinham brilho e suas orelhas não tinham ponta. Ele parecia ter uns 400 anos, mas estava com uma aparência muito mais maltratada do que os Feys daquela idade.
― Sou Liss ― respondi, chegando mais perto, entrando no meio das árvores cortadas. ― Vocês não podem derrubar e destruir essas árvores. São a única vida que resta neste lugar.
Eles me deixaram passar até que eu chegasse nas árvores que ainda estavam de pé. Imediatamente senti o contato com a natureza e ouvi claramente ela clamando por socorro. A terra debaixo dos meus pés e as folhas roçando os meus braços fizeram com que eu me sentisse como se tivesse acabado de sair da água depois de um mergulho demorado, eram como um sopro de vida nos meus pulmões intoxicados.
― Do que está falando, garota? ― Perguntou outro deles, um com cabelo castanho. ― Tem muita gente vivendo aqui e por isso precisamos de mais espaço.
― Não há necessidade de destruírem as árvores ― tentei argumentar mais uma vez. Então olhei para trás, vendo as casas que eram vinte vezes maiores que as pobres árvores que eles estavam matando. Se podiam construir casas daquele tamanho, bastava aumentarem as casas menores; não tinham nenhuma necessidade de construir novas casas.
― Saia da frente, menina ― disse o loiro, chegando perto de mim com a mão estendida, mais uma vez ignorando o que eu dizia. ― Temos um prazo para terminar o serviço.
Dei um passo para trás, fugindo do contato no último instante.
― Se não pararem agora, farei com que parem ― ameacei, mesmo sentindo medo.
Eles riram, debochando de mim. O de cabelo castanho ligou a máquina que tinha nas mãos, puxando apenas uma corda que fez a lâmina girar de novo, e perguntou:
― E como pensa fazer isso?
― Assim ― disse, estendendo as duas mãos para frente.
Eles deram um passo para trás e eu imaginei o porquê. Meus olhos deveriam estar com um brilho vermelho, como ficavam os olhos dos Feys de fogo sempre que usavam seus poderes. Além disso, minha magia funcionou perfeitamente, criando chamas entre nós.
Enquanto as chamas que eu criava continuavam crescendo, eles davam mais passos para trás, tentando se manterem o mais afastados possível.
De repente, eu tinha criado uma barreira de fogo tão alta quanto nós e só podia ouvir os gritos dos homens do outro lado:
― Não cheguem perto!
― Onde estão os extintores?
― Isso só atrasa nosso trabalho.
― Achei!
O que quer que eles tivessem achado era poderoso, pois rapidamente minhas chamas começaram a diminuir na medida em que uma espuma branca as cobria.
Coloquei mais força, tentando aumentar as chamas antes que se apagassem completamente, mas aqueles cilindros vermelhos que eles tinham nas mãos eram mais fortes e sua espuma branca conseguia apagar as chamas mais rápido do que eu conseguia criá-las.
Aquilo foi me deixando nervosa. No Mundo Encantado, eu raramente precisava usar uma grande quantidade de poder. Esse era o principal motivo de eu ter conseguido esconder meus problemas por tanto tempo. Mas ali, enquanto eu estivesse sendo sobrepujada por aquelas criaturas estranhas e suas máquinas poderosas, eu precisava arriscar, cada vez mais, ser descoberta.
― Não! ― Eu gritei, sabendo que estava prestes a perder o controle.
E, então, aconteceu.
De repente, as árvores que tinham sido cortadas começaram a crescer novamente, envolvendo aqueles homens em seus galhos, separando-os dos cilindros vermelhos, praticamente arrancando-os de suas mãos – quase arrancando-os junto com as mãos. Exatamente o que eu tinha acabado de imaginar que deveria ser feito.
A natureza parecia estar me ajudando. No entanto, eu já tinha perdido o controle e as chamas cresceram descontroladamente, fazendo tanto as árvores quanto os homens se queimarem.
― Não ― dessa vez eu sussurrei, tremendamente assustada. Eu iria matar aquelas criaturas e a floresta junto com elas.
Tentei parar. Tentei diminuir as chamas ao mesmo tempo em que tentava dizer para as árvores pararem de se mover. Por mais que eu tentasse, porém, eu sabia que não conseguiria. A natureza e seus elementos eram muito mais fortes que eu e minha pobre magia. Eu tinha liberado a fúria dos elementos, mas era fraca demais para aplacá-la.
Quando ouvi um barulho bem alto atrás de mim, desviei minha atenção das criaturas que clamavam por socorro e me virei novamente para as casas.
Vi, ao longe, árvores brotando no meio do material cinza, partindo o chão e crescendo enlouquecidamente, com seus galhos invadindo as casas e destruindo suas estruturas, fazendo com que caíssem pesadamente no chão e levantassem poeira. Perto de mim, os galhos crepitavam ao serem corroídos pelo fogo e as criaturas gritavam de dor ao serem engolidas pelas chamas.
― Não ― gritei.
Senti o medo e o nervosismo tomarem conta de mim enquanto minhas mãos brilhavam tanto que as luvas se tornaram inúteis.
― Não ― continuei gritando, como se aquela palavra pudesse mudar tudo.
E, então, tudo o que vi foi o clarão que lancei ao meu redor. Como sempre fazia o homem no final do meu pesadelo.
Fiquei com os olhos fechados. Pela primeira vez estava com medo de saber o que aconteceria depois, e não curiosa.
Quando voltei a ver o ambiente ao meu redor, eu estava parada no meio da arena no Centro de Treinamento. As casas e estradas cinzas e sem vida, as criaturas estranhas, a pequena floresta e até o caos que eu tinha causado, tudo havia desaparecido para dar lugar a um círculo de areia rodeado por Feys do fogo e das trevas. A plateia estava em silêncio, todos os Feys estavam de boca aberta com expressões entre medo, surpresa e pena.
Porém, nada daquilo teria me perturbado se não fosse pelo exército de Darkens que vinha em minha direção por todos os lados possíveis.
Eu soube que estava muito mais encrencada do que imaginava quando ouvi a voz da minha mãe ecoar o meu grito.
― Não!
― Não! ― Minha mãe gritou.
Mesmo eu tendo gritado junto com ela, sua voz soou muito mais forte que a minha. Além disso, um filho reconhece o grito da mãe em qualquer lugar, inclusive no meio de uma multidão tagarela, afinal, ele ouve o grito desde sempre.
Segui sua voz com o olhar e a vi por trás dos Darkens, entrando na arena acompanhada pelo meu pai, Helen e Cooper. Eles deviam ter saído de seus lugares antes mesmo de eu acabar o teste, pois o caminho era meio longo desde as arquibancadas até a sala contígua a arena, o único lugar que tinha uma porta de acesso para o meio do Centro de Treinamento.
Mesmo que eu – ou qualquer outro – não soubesse exatamente o que os Darkens pretendiam fazer ao invadirem a arena e me cercarem, era de se esperar que não fosse algo bom, visto que nada que vinha dos Feys das trevas era algo bom, principalmente quando eles trabalhavam em conjunto. Desse modo, eu sabia que estava encrencada. E meus pais também sabiam, por isso entraram na arena e começaram a abrir caminho até mim à força.
Vi o fogo crescer a partir das pontas dos dedos de minha mão, rapidamente envolvendo suas mãos. Os dedos de Helen começaram a se movimentar em círculos, girando pequenas bolas de fogo que levaram uns dois segundos para aparecer. Como era de se esperar pela expressão determinada nas expressões das mulheres da minha família, bolas de fogo começaram a atingir os Darkens, derrubando-os de trás para frente na medida em que minha família e meu amigo avançavam em minha direção.
O corpo do meu pai começou a tremer e não tinha nada a ver com sua corrida. Seus braços e pernas se alongaram enquanto seus dedos encolheram, suas unhas cresceram e se tornaram mais afiadas. Todo o corpo dele ficou coberto de um pelo dourado, inclusive sua cabeça. Em seguida, enquanto ele começava a correr sobre as quatro patas recém-criadas, ao redor de sua cabeça cresceu um pelo mais escuro e seu lindo rosto virou um focinho, do tipo com nariz gelado, bigode e uma boca cheia de dentes afiados. Quando essa boca agarrou um Fey das trevas, duas outras cabeças surgiram do pescoço do meu pai, uma com pelos brancos enrolados e uma com escamas vermelhas. Da parte de trás do corpo do meu pai brotaram um rabo de leão e uma cauda de serpente. De suas narinas saía fumaça enquanto encarava os Darkens que se aproximavam com a cabeça de dragão.
De tudo que ele podia fazer com sua magia para enfrentar os Darkens, Solomon, meu pai, tinha se transformado e liberado seu animal interior: a Quimera.
Ele começou a atacar os Darkens, abrindo caminho rapidamente para que todos chegassem perto de mim, e foi quando eu notei que estava justamente no meio da arena.
Eu não conseguia me mexer. Ainda estava tremendo pelo que tinha acontecido no teste e o medo de ser levada pelos Darkens me paralisou completamente. Tudo que eu podia fazer enquanto minha família chegava até mim e me rodeava em um círculo protetor era observar.
Minha família e meu melhor amigo lutavam com os Feys das Trevas, afastando-os de mim o máximo que podiam. No meio da injusta batalha, já que os Feys das trevas estavam em maior número – ainda que parecessem extremamente mais fracos que minha família –, minha mãe disse:
― Helen, tire sua irmã daqui. Cooper, leve-as para um lugar seguro.
Os dois assentiram e cada um pegou uma das minhas mãos. Mesmo Cooper sendo meu melhor amigo desde sempre – ou pelo menos desde que eu me lembrava – ainda era uma surpresa para mim ver que meus pais confiavam nele completamente. Claro, era normal confiar uns nos outros no Mundo Encantado, mas não quando se tratava de enfrentar os Feys das trevas. Assim como meus pais, eu também confiava plenamente no meu amigo, mas algo ainda me mantinha presa no mesmo lugar.
― Precisamos ir, Liss ― disse Cooper e, quando vi seus olhos com uma coloração dourada e duas fendas escuras, meus pés se mexeram sozinhos, ignorando o medo que paralisava o resto do meu corpo.
Meus pais formaram uma barreira de fogo atrás de nós enquanto corríamos para fora da arena. Eu não precisava olhar para trás para saber que a barreira que impedia os Feys das trevas de nos seguirem para fora também mantinha meus pais lá dentro da arena, lutando sozinhos.
No corredor, até a entrada do Centro de Treinamento, outros Darkens apareceram, mas foram lançados contra a parede pelas rajadas de magma que Helen lançava neles. Era como se minha irmã fosse um vulcão ambulante.
Finalmente, saímos do Centro e Cooper nos puxou para o caminho que seguia para dentro da floresta. De todos os lugares que meu amigo poderia considerar seguros, ele estava nos levando para o que eu menos acreditava que fosse: a biblioteca.
Depois de algum tempo correndo e atacando quem ousasse vir atrás de nós, finalmente tínhamos conseguido deixar os Feys das trevas para trás, provavelmente tentando lidar com os problemas causados dentro do Centro de Treinamento. Porém, eu sabia que eles nos encontrariam, não só porque eles não iriam ignorar nossa afronta, mas também porque, por onde passávamos, as plantas cresciam de forma acelerada e contrastavam com as outras que pareciam normais. Além disso, onde eu pisava, a grama e a terra ficavam queimadas, como se meus pés estivessem pegando fogo. Eu estava deixando um rastro nada discreto.
De repente, ouvi uma trovoada e, no meio da corrida, olhei para cima – nem sei como não tropecei no caminho irregular. O céu, que antes estava limpo e azul, foi escurecendo, com nuvens cinzas e carregadas. Faltava pouco para que uma grande tempestade caísse sobre nós.
Voltei a olhar para frente e, em poucos minutos, uma árvore anciã de mais de dez metros de altura surgiu na nossa frente. O que mais chamava a atenção, porém, era a porta que tinha entre suas raízes – muito bem escondida e camuflada, já que os detalhes da porta combinavam perfeitamente com a madeira da árvore.
Cooper me soltou e correu na frente, batendo na porta. Apesar de estarmos desesperados e com a respiração acelerada da corrida, a batida de Cooper na porta tinha um ritmo: duas batidas rápidas, uma lenta, três rápidas e, por último, duas lentas. No mesmo instante, identifiquei aquilo como um código e não me enganei.
A porta se abriu, mas ninguém apareceu. Cooper pegou minha mão e me puxou para dentro junto com Helen, levando-nos para um dos maiores lugares que eu já tinha visto no Mundo Encantado – um dos maiores lugares que não fosse a céu aberto. Olhando por fora, seria impossível pensar que a árvore anciã era oca. No entanto, o que chamávamos de Arquivos se estendia desde as raízes até os galhos mais altos, com estantes abarrotadas de livros e pergaminhos e duas escadas gigantes que iam desde a primeira até a última prateleira. No meio do lugar, provavelmente por não ter mais espaço nas prateleiras, havia diversas pilhas do mesmo material que ocupavam as paredes, mas que impediam que se caminhasse por ali de maneira livre e segura.
Por mais que eu soubesse que Cooper e mais alguém cuidavam do lugar, olhar ao redor me dava a impressão de abandono. Traças e teias de aranha estavam por toda parte e inclusive havia goblins – criaturas miúdas do tamanho de melões com corpos feitos de galho – correndo e tentando se esconder. Além disso, não tinha mais ninguém ali. Onde estaria o superior de Cooper?
Helen e Cooper tentavam controlar a respiração ofegante adquirida na fuga, a primeira com as mãos no joelho e o segundo apoiado em uma das pilhas de livro. Eu estava ocupada demais tentando entender aquele lugar para me preocupar com o ar que entrava e saía rapidamente de meus pulmões.
― Que foi que aconteceu? ― Perguntou Helen, sendo a primeira a se recompor. ― Desde quando pode controlar dois elementos, Liss? E o que foi aquela luz cegante?
― Precisamos nos proteger ― disse Cooper se recompondo e me impedindo de responder. ― Fênix! Onde está, seu velho impertinente? Precisamos de ajuda.
Enquanto Cooper gritava pela biblioteca, eu olhei ao redor e descobri que os goblins escondidos nas estantes estavam me observando atentamente.
Aquelas pequenas criaturas eram conhecidas pela ligação que tinham com as árvores de todo o mundo. Nasciam entre galhos e raízes e seus corpos eram feitos da mesma madeira da árvore de nascimento; quando essa árvore morria, o mesmo acontecia com eles. Não gostavam de ter contato com qualquer outra criatura e eram atraídos pela luz. Por isso, quase sempre só eram vistos durante o dia e, quando o mesmo acontecia durante a noite, era porque estavam sendo atraídos pelas chamas das velas. Alguns diziam que eles eram travessos e ladrões, mas isso era apenas porque gostavam dos objetos brilhantes que carregamos.
Fui andando até uma estante em que vários estavam juntos e, quando cheguei perto o suficiente para tocá-los, ouvi um barulho de livro batendo em algo e o grito de surpresa e de dor de Cooper. Os goblins se assustaram e voltaram a se esconder longe de mim.
Virei a tempo de ver um Fey de Fogo ancião batendo repetidamente com um livro na cabeça de Cooper, antes que meu amigo o pegasse das mãos idosas.
― Garoto tolo ― exclamava o ancião. ― Como se atreve a me chamar de impertinente? Sabe quantos anos mais eu vivi além de você? Quem é o impertinente aqui?
― Ah, já chega, Fênix ― reclamou Cooper, afastando-se da mão que teimava em acertar sua cabeça mesmo sem o livro. ― Eu sabia que era a única maneira de trazê-lo rápido ao nosso encontro. Você é mais recluso que esses goblins.
― E o que você quer que pode ser tão urgente?
O ancião parou e olhou para Cooper por cima dos óculos de meia lua.
Ele tinha cabelos curtos completamente brancos e uma barba felpuda da mesma cor. Tinha até rugas e mãos manchadas, características muito raras no Mundo Encantado. Seus olhos azuis pareciam capazes de ver através da alma e escondiam um conhecimento que eu nem poderia imaginar.
― Precisa proteger a biblioteca ― respondeu Cooper, ficando sério pela terceira vez naquele dia.
O ancião suspirou entediado e levantou as mãos, de onde saíram faíscas douradas. Era óbvio que o ancião estava usando magia, mas fiquei com receio de que não tivesse funcionado, já que só saíram faíscas de seus dedos e eu não senti nem um leve calor, que era comum em encantamentos com fogo. Ou aquele ancião tinha problemas para usar a magia ou era muito bom com ela, visto que seria quase imperceptível.
― O que aprontou dessa vez, Cooper? ― Perguntou o ancião, abaixando as mãos e espremendo os olhos para meu amigo. Aquela era uma expressão comum para usarem com Cooper, eu mesma a usava com frequência.
― Não fiz nada dessa vez ― respondeu Cooper fazendo careta.
― Dessa vez ― enfatizou o ancião.
Cooper bufou para o velho e veio para o meu lado, passando um braço pelos meus ombros. Depois, começou a explicar, sem nem mesmo olhar para mim:
― Liss estava fazendo o teste hoje, mas coisas estranhas aconteceram e precisamos fugir. ― Ele me virou de frente para ele e olhou fundo nos meus olhos. Eu sempre tinha gostado dos olhos de Cooper. Apesar de terem uma cor castanha normal para os Feys de fogo, eles sempre eram muito intensos, mesmo quando ele estava só brincando – o que não era o caso naquele momento. ― Liss, não sei o que aconteceu na arena, mas esse é o Fey que eu disse que poderia te ajudar com os pesadelos. Ele sabe tudo e deve saber sobre seus poderes também.
― Quem é ele, afinal? ― Perguntou Helen, olhando para o ancião de lado, desconfiada.
Todos nos viramos para o ancião enquanto ele respondia:
― Sou o ancião da aldeia, o único com poderes sobre as temperaturas, o classificado para a tarefa mais importante, o único amigo dos goblins. Eu sou Fênix, o bibliotecário.
Cooper deu uma risadinha do meu lado e murmurou: ― Que tarefa mais importante? Assim que ouvi meu amigo falar aquilo, pensei que ele poderia ter um pouco mais de respeito pela tarefa que lhe fora incumbida. É claro que eu sabia que ele tinha potencial para ser até um membro do Conselho da aldeia, mas todas as tarefas eram importantes no Mundo Encantado, por isso Cooper deveria ter tanto orgulho pela própria tarefa quanto Fênix. Fiquei quieta, porém, ao ouvir a brincadeira do meu amigo, pois vi que os olhos de Fênix ficaram vermelhos. Não apenas um brilho como em qualquer outro Fey, mas uma mudança completa. Normalmente, quando um Fey fica com raiva, ele faz com que o elemento de sua magia transborde em seus olhos. Assim, quando um Fey de Fogo como Fênix, Cooper, minha irmã e eu ficamos irritados ou bem próximos d
Fiquei observando a saída da biblioteca em silêncio. Quando pedi que Helen e Cooper saíssem, tudo que eu queria era tempo para partir na minha viagem sozinha. Ignorei o perigo que eles corriam ao voltar para o lugar de onde tínhamos fugido e onde estavam os Feys que queriam nos prender. Eu sabia que o perigo, agora, seria temporário. Os Feys das Trevas logo teriam que me caçar pelo Mundo Encantado, então acabariam esquecendo de quem me ajudou no início de tudo, se eles fossem capturados. — Você é uma péssima mentirosa — disse Fênix, parando ao meu lado e me estendendo um documento dobrado. — Este é o mapa das aldeias do Mundo Encantado. — Estão todas aqui? — Perguntei sem discutir com ele. Eu sabia que era péssima com mentiras, mas ele também não era grande coisa. Tudo bem. Eu tinha acabado de concordar em lutar contra os Darkens com minha irmã – apesar de acreditar que o maior número deles era uma enorme desvantagem – e ela não perdeu tempo. Com o elemento surpresa do nosso lado, Helen iniciou nosso ataque lançando uma rajada de magma certeira no Darken que estava com a criança. Ele conseguiu se desviar, mas acabou se desconcentrando e soltou o pequeno Fey. Helen não parou. Ela continuou seu ataque, impedindo que o Darken se concentrasse novamente na criança. Aproveitei que Helen estava fazendo o trabalho pesado e completei com a parte fácil. Lancei-me sobre a criança, agarrei-a e levei-a para longe da briga entre Helen e o Darken. Sabendo que não tínhamos muito tempo até que os outros Darkens entrassem na luta, deixei que Helen continuasse o que tinha começado e olhei ao redor. Minha atenção se prendeu nos Darkens quCapítulo V - Nomeação
Não ficamos muito tempo naquela aldeia. Eu tinha feito a minha parte, livrando-os dos Feys das Trevas. Naquele dia que ficamos por lá, eu também tive a oportunidade de observar os Feys que moravam ali. Apesar de serem tranquilos até demais para Feys de Fogo, suas auras vermelhas brilhavam constantemente, sem alteração, sem um destaque. Eu sabia que eram bons Feys, mas nenhum deles poderia ser o governante. Ainda assim, fiz questão de pedir-lhes a promessa de que não deixariam os Darkens tomarem conta do lugar outra vez; eles prometeram que continuariam livres. No outro dia de manhã bem cedo, pegamos duas bolsas com suprimentos – grãos, frutas e alguns cantis de água, mesmo que fôssemos seguir pela beira do rio – e nos despedimos de todos, principalmente da mãe e da criança que salvamos, cuja casa nos serviu de abrigo durante a noite. Seguimos, então, a margem
Só era possível ouvir os sons dos pés batendo contra a terra. A noite estava tão silenciosa que dava para distinguir os sons que as folhas e galhos faziam ao raspar nos braços que me carregavam. O ritmo dos passos era característico de uma corrida, o balanço do corpo dele e do meu também. Assim como sua respiração acelerada. Eu sabia que estávamos fugindo, não porque já estávamos correndo há muito tempo, mas sim porque, às vezes, era possível ouvir outros passos atrás de nós. Era uma fuga persistente. Diante dos meus olhos, havia somente os galhos mais altos das árvores, com folhas e flores coloridas apesar da escuridão da noite. A lua ainda aparecia no céu, mas já estava começando a ser coberta pelas nuvens negras que escondiam as estrelas. Tudo aquilo não passava de um borrão enquanto prosseguíamos em linha reta e eu só conseguia disti
Acordei assustada, levantando de repente. Estava suando frio e com a respiração acelerada como se eu mesma tivesse corrido por toda a floresta. Era sempre assim quando eu tinha aquele pesadelo. ― Liss, anda logo. Temos que ir ao Centro de Treinamento ― a voz da minha irmã vinha de fora do meu quarto, junto com batidas sem ritmo que irritavam minha audição perfeita. ― Já estou levantando, Helen ― gritei para acalmá-la enquanto me deitava novamente e cobria meus olhos com um braço. Minha família não lidava muito bem com meus pesadelos e eu sempre precisava respirar fundo antes de começar um dia que se iniciava com eles. O pior era que naquelas últimas semanas eu tinha pesadelos todas as noites. Na verdade, eu não poderia dizer pesadelos, no plural. Levantei da cama e f