Cooper deu uma risadinha do meu lado e murmurou:
― Que tarefa mais importante?
Assim que ouvi meu amigo falar aquilo, pensei que ele poderia ter um pouco mais de respeito pela tarefa que lhe fora incumbida. É claro que eu sabia que ele tinha potencial para ser até um membro do Conselho da aldeia, mas todas as tarefas eram importantes no Mundo Encantado, por isso Cooper deveria ter tanto orgulho pela própria tarefa quanto Fênix.
Fiquei quieta, porém, ao ouvir a brincadeira do meu amigo, pois vi que os olhos de Fênix ficaram vermelhos. Não apenas um brilho como em qualquer outro Fey, mas uma mudança completa. Normalmente, quando um Fey fica com raiva, ele faz com que o elemento de sua magia transborde em seus olhos. Assim, quando um Fey de Fogo como Fênix, Cooper, minha irmã e eu ficamos irritados ou bem próximos de nossa magia e de nosso elemento, nossas íris ficam vermelhas. Raramente, porém, existem Feys que são tão ligados ao próprio elemento que seus olhos se tornam completamente vermelhos – as íris, as pupilas e as escleras. Esse parecia ser o caso de Fênix. O que me deixou aliviada, pois, se ele era tão ligado ao próprio elemento, então sua magia de proteção realmente funcionara.
― Não brinque comigo, menino ― a voz de Fênix reverberou por toda a biblioteca de tão poderosa que ficou ―, se não quiser que eu expulse você e suas amigas daqui.
― É melhor calar a boca, Cooper ― Helen disse enquanto passava a mão por uma pilha de papéis. ― Eu não quero ser pega por aqueles Darkens.
Meu melhor amigo sorriu travessamente, mas não disse nada. Mesmo sem ter o poder de ler mentes, eu sabia o que se passava pela do meu amigo. Eu notei a mesma coisa que ele. Helen só tinha mandado Cooper ficar quieto para implicar com ele. Assim como Cooper, minha irmã não levou a sério a ameaça de Fênix. Eu ainda não tinha decidido se acreditava ou não.
― O que ocorreu no teste, afinal? ― Perguntou Fênix, olhando para mim intensamente apesar de seus olhos terem voltado à cor castanha normal.
― Minha amiga aqui mostrou para todos como é especial ― respondeu Cooper, apertando meus ombros.
Helen revirou os olhos e eu me senti corar. Eu nunca fui muito boa em receber elogios, mas já devia estar acostumada com o modo como meu amigo fazia aquilo.
― Por que não solta sua amiga e a deixa falar? ― Perguntou Fênix, puxando a orelha de Cooper e arrastando-o para longe de mim.
Helen riu quando Cooper chegou perto dela com a mão na orelha. Dessa vez, eu soube o que a minha irmã estava pensando. Helen queria muito dizer que Cooper tinha merecido aquele puxão de orelha, como merecera outros antes daquele.
― E então, criança, qual é seu nome? ― Perguntou Fênix, encarando-me.
Por algum motivo, com aquele ancião olhando dentro dos meus olhos, eu pensei que não precisava responder, mas como não queria que ele puxasse minha orelha também, eu o fiz.
― Sou Liss. Filha de Solomon e Satine da aldeia do Fogo.
Mencionar o nome dos meus pais fez lágrimas aparecerem nos meus olhos e minha irmã se virar de costas para mim, fingindo observar os livros nas estantes. Apesar de toda confusão e do nosso medo de sermos apanhados, tanto eu quanto minha irmã tínhamos plena consciência de que havíamos deixado nossos pais para trás para lidarem com os Feys das Trevas sozinhos. Nós duas sabíamos que ele seriam apanhados enquanto nos escondíamos. Saber que era assim que nossos pais preferiam não ajudava a aliviar nossa culpa por tê-los abandonado.
― Solomon e Satine, é?
Confirmei com a cabeça.
― Interessante ― disse Fênix, cruzando os braços, não parecendo nem um pouco interessado naquele fato. ― E como foi o seu teste, Luz?
― Não é Luz ― corrigi sem pensar, uma atitude que eu queria tomar há muito tempo com meu pai, mas não conseguia.
― Não? ― Fênix levantou uma sobrancelha e sorriu. ― Confundi-me, então. Por favor, perdoe-me. Agora, como foi o seu teste, Liss?
Olhei para ele tão atentamente quanto ele estava me olhando. Ele tinha errado o meu nome de propósito e me chamara do mesmo nome que meu pai utilizava. Ele também parecia conhecer os meus pais, apesar de não ter se interessado tanto por eles.
― Alguns seres estranhos estavam destruindo o que restava de uma floresta e eu tentei impedir ― falei rapidamente. Eu sabia que aquela explicação não abrangia nem metade do que havia acontecido nos testes, mas eu mesma estava com dificuldades de entender e falar sobre tudo aquilo.
― Sei ― Fênix dispensou minha explicação com um gesto de mão. ― Eram humanos. Esse é o teste padrão. Como tentou impedi-los?
― Humanos? ― Perguntei espantada.
Não foi o fato de Fênix saber aquela informação que me espantou, afinal, ele já fizera o teste quando tinha minha idade. O que me espantou foi o fato de ele dispensar essa parte da história com tanta facilidade.
Claro, pela idade dele, Fênix devia saber muito sobre os humanos, então aquilo também poderia ser uma informação comum para ele. Mas era diferente pra mim. Tudo que eu sabia sobre os humanos era que eles se pareciam conosco, os Feys, e que tinham uma vida muito mais curta que nós. Além disso, eu só sabia que era totalmente proibida a interação entre Feys e humanos. Agora eu podia entender o motivo. Eles eram matadores. Feriam a natureza sem piedade e ainda enfrentavam quem queria pará-los.
Se aqueles seres dos testes eram humanos, eu não queria encontrá-los de novo.
― Sim, pequena luz, eram humanos. Eles podem ser ruins quando querem ― Fênix respondeu minha pergunta calmamente, apesar de parecer impaciente.
No entanto, o que mais chamou minha atenção foi que ele tinha me chamado de "luz" outra vez. Se ele estava impaciente, então eu devia estar 10 mil graus além disso.
― Como os impediu, Liss?
― Tentei fazer uma barreira de fogo, mas...
― Eles apagaram. Sempre fazem isso. Continue.
Tudo bem, eu estava começando a ficar irritada. Podia entender porque Cooper o chamava de impertinente. Ele não só me impedia de terminar minhas frases como também tratava tudo o que eu dizia como se fosse informação óbvia.
― As árvores cresceram e agarraram todos eles, as chamas aumentaram e começaram a queimar tudo. Então, eu explodi em um clarão de luz.
Minha rápida sucessão de palavras fez com que Fênix ficasse quieto, parasse de bater os pés e descruzasse os braços. Até eu fiquei surpresa por conseguir aquilo.
― Agora ele ficou chocado ― disse Cooper, que estava nos observando do outro lado do cômodo e ficou tão espantado quanto eu por Fênix ter ficado sem palavras.
― Muito interessante ― Fênix disse, recuperando-se do choque e acariciando a barba. ― É a primeira vez que utiliza dois poderes de elementos diferentes?
― É claro que é a primeira vez ― respondeu Helen, sem me deixar falar, chegando perto de nós. ― Ninguém nunca teve afinidade com mais de um elemento antes.
― Isso não é verdade ― disse Cooper, também se juntando a nós, tanto na conversa quanto no pequeno círculo que formávamos em um dos poucos espaços livres dentro da biblioteca. ― Existia uma Fey que podia controlar os quatro elementos.
Eu e Helen ficamos muito surpresas. Aparentemente, não era só sobre os humanos que eu não sabia muita coisa.
― Existia? ― Helen perguntou. ― Por que nunca ouvi falar dessa Fey? Quem era ela?
― Nunca ouviu falar dela, criança ― respondeu Fênix ―, porque os Darkens proibiram qualquer menção à Rainha.
Não tinha como ficar mais surpresa do que eu estava naquele momento. Talvez Helen estivesse, pois estava com os olhos e a boca muito abertos, tão abertos que eu tive que rir da expressão dela.
Ao ouvir meu riso, Helen sacudiu a cabeça com força e se recompôs.
― Então, Liss é a nova Rainha?
A pergunta da minha irmã conseguiu me deixar ainda mais surpresa. Eu não sabia como ela tinha chegado àquela conclusão tão rápido, mesmo que eu estivesse ouvindo a mesma história que ela e também fosse capaz de ligar os pontos como ela tinha feito. A questão, na verdade, era que eu não conseguia ver a mim mesma como uma rainha.
― Na verdade, é um pouco mais complicado do que isso ― respondeu Fênix.
― Ótimo ― exclamou Helen, sentando-se em uma pilha baixa de livros qualquer logo atrás dela. ― Adoramos uma boa história.
Fênix olhou para Helen com os olhos apertados, provavelmente irritado por ela ter se sentado em seus livros. Era óbvio que ele amava o próprio trabalho.
Helen levantou uma sobrancelha para ele, desafiando-o a tirá-la do lugar. De verdade, não sei como ele não discutiu com ela, mas ele simplesmente se virou de volta para mim. Respirei fundo, tentando me preparar para o que viria a seguir, mesmo sabendo que seria inútil, como as luvas que eu ainda estava usando para esconder meu constante estado de nervosismo.
― Há 150 anos, quando os Darkens atacaram e tomaram o poder, a Rainha foi derrotada e seus poderes foram passados adiante.
― Para Liss ― disse Helen, tentando fazer como Fênix e adivinhar o que ele estava para dizer.
― Não ― disse Fênix sem olhar para minha irmã. ― Ela passou para o antigo guardião.
― Quem era ele? ― Eu perguntei, extremamente curiosa, principalmente depois que a imagem do homem em meus pesadelos invadiu minha mente.
― Era um Fey muito corajoso ― respondeu Fênix, assumindo um semblante triste. ― Muito mais corajoso do que os outros pensam.
― O que aconteceu? ― Eu queria muito saber, não só porque essa história poderia me ajudar a entender quem era o homem dos meus pesadelos, mas também porque aquilo poderia me ajudar a lembrar de mais coisas sobre o meu passado esquecido – e talvez entender o meu futuro.
― Ninguém sabe ao certo. Tudo o que sabemos é que ele foi encontrado sem os poderes, o que significa que ele os passou adiante.
― Para Liss ― Helen tentou de novo.
― É o que parece ― respondeu Fênix.
― Não estou entendendo ― eu interrompi, passando as mãos pelos cabelos, nervosa. ― Como não sabem o que houve com ele? Ele nunca disse nada? ― Minhas perguntas foram respondidas com um aperto dos lábios franzidos de Fênix e um dar de ombros. Se ele sabia a resposta àquelas perguntas, ele não tinha intenção de me contar. ― O que eu sou, afinal? ― Mudei de assunto, desejando algum tipo de resposta.
― Cooper mencionou um pesadelo?
Aquele era um assunto muito importante e delicado para mim. Mesmo assim, em vista a tudo o que estava acontecendo e a todas as perguntas que estavam surgindo em minha mente, aquilo parecia muito banal. Fênix, porém, também parecia pensar que tudo estava conectado, como eu pensei assim que ele mencionou o antigo guardião.
― Sim ― respondi. ― Eu sonho com um Fey que me carrega pela floresta. De repente, ele me esconde em um tronco. Quando é atacado, ele explode em um clarão de luz e eu acordo.
― Entendo. ― Fênix me olhava nos olhos o tempo todo e talvez fosse por isso que eu conseguia ver que ele estava realmente refletindo sobre o que eu lhe dizia. ― Ele lhe diz algo em seu sonho?
― Duas frases. Quando ainda está correndo, ele me diz que me deixará em um lugar seguro e, quando me esconde no tronco, ele me diz que serei uma grande guardiã um dia.
― Certo. ― Fênix olhou ao redor pela primeira vez desde que começou a falar da rainha e fixou o olhar na estante atrás de mim.
Quando olhei para trás, vi vários goblins reunidos de novo, observando-me com curiosidade. Eu também os olhei com curiosidade. Aquela não era a primeira vez na minha vida que eu via aquelas criaturas, mas certamente era a primeira vez que eu notava que elas olhavam diretamente para mim, como se eu fosse algo valioso para elas.
― Eles são atraídos por você ― Fênix explicou e logo lembrei de como ele me chamou.
― Certo ― respondi sarcasticamente. ― Porque eu sou luz.
Fênix voltou a olhar em meus olhos.
― Não faz realmente ideia de que isso é verdade, não é, criança? ― Fênix perguntou com um sorriso gentil. ― Junte-se a sua irmã e sente-se em qualquer lugar. Vou contar a história dos governantes do Mundo Encantado.
Eu queria tanto entender tudo aquilo que rapidamente sentei em uma pilha de papéis logo ao meu lado. De repente, os goblins foram saindo de seus esconderijos e se juntando ao meu redor.
― Isso é muito esquisito ― comentou Helen, olhando de rabo de olho para os goblins aos meus pés.
― Nada é mais estranho que você ― brincou Cooper, que teve que desviar do livro que minha irmã jogou nele.
Só então me lembrei que ele estava ali. Olhei para ele e recebi uma piscadela de volta. Ele estava ali para mim, permitindo que as explicações que eu tanto queria fossem dadas sem interrupções.
Agradeci silenciosamente e ele simplesmente sorriu de volta para mim, piscando de novo.
Cooper era meu amigo desde que ele me encontrou perdida na floresta quando eu tinha 50 anos. Minha mãe tinha levado minha irmã e eu para vermos seu trabalho no rio, mas eu fiquei curiosa e entrei na floresta escondida. Andei por muito tempo e depois não sabia voltar, então sentei em um tronco e comecei a chorar. Não muito tempo depois, eu ouvi um barulho e, quando me virei para olhar, aquele Fey de 90 anos me olhava com um sorriso no rosto.
― Não precisa chorar, menina ― ele tinha dito. ― Eu posso te levar para casa.
Ele não pôde. Continuamos perdidos até nossas mães nos encontrarem de noite. Mas, pelo menos, eu não estava sozinha e não estava chorando.
Cooper sempre era capaz de me fazer sorrir, mesmo quando eu não queria ou achava que não conseguiria.
― Já que estamos todos acomodados ― disse Fênix, tirando-me de minha reflexões e aparecendo com uma cadeira para se sentar também. ― Vou começar a contar.
― Odeio histórias sem fogueira ― resmungou Cooper, sentando-se no chão de pernas cruzadas.
Eu sorri, porque sabia que era isso que ele queria.
― Desde sempre ― começou Fênix ―, os elementos da natureza confiam os seus poderes a nós, seres do Mundo Encantado. No início, há uns 20 mil anos mais ou menos, eles nos concediam afinidades múltiplas, então dominávamos mais de um elemento. Com o passar do tempo, mesmo nós, que éramos seres da natureza, fomos ficando gananciosos, querendo mais poder. Assim surgiram os primeiros Feys das Trevas, Feys que tomavam os poderes dos outros e os matavam. Suas auras se tornavam escuras e eles eram banidos de suas aldeias.
Pensei nos Feys que controlavam tudo e ditavam as regras agora. Eles eram amedrontadores, então era fácil entender por que ninguém gostava de ficar perto deles. Perguntei-me como tudo havia mudado.
― A natureza ficou muito triste, sentindo próximo o desequilíbrio ― continuou Fênix. ― Por isso, os elementos foram nos abandonando e quase nos tornamos humanos sem a conexão. ― Vi os olhos de Fênix ficarem totalmente vermelhos de novo. Ele odiava o modo como nossa espécie perdeu o controle. No entanto, ele sabia que não podia mudar o passado, então se acalmou antes de continuar: ― Um Fey, desesperado para salvar sua filha, fez uma prece para a Lua. Ele prometeu que seria capaz de encontrar um Fey que não se tornaria ganancioso e que ajudaria esse Fey a manter o controle do Mundo Encantado se os elementos o ajudassem a curar sua filha. Naquela noite, ele recebeu a visita de quatro espíritos da natureza, cada um representando um elemento. Eles lhe explicaram que ele ficaria responsável pelos poderes até encontrar o Fey do qual ele tinha falado. Quando o encontrasse, ele passaria o poder para esse Fey e só então a natureza retomaria as conexões que tinha extinguido. Mas ele teria até a próxima lua cheia para cumprir a tarefa ou sua filha não poderia ser salva.
Engoli a seco. A que ponto os Feys chegaram de estragar tudo para que a natureza precisasse dar um ultimato como aquele? O quanto nós éramos corruptíveis?
Lembrar dos Feys das Trevas dominando o Mundo Encantado, tão mais fortes e em maior número que nós, era a resposta às minhas perguntas. Não só éramos corruptíveis, como estávamos chegando ao limite de novo. De forma muito pior dessa vez.
― Ele aceitou, desesperado ― Fênix interrompeu minha linha de raciocínio ao continuar sua história. ― Quando ele recebeu os poderes, sentiu seu corpo mais forte e teve esperança de poder cumprir a tarefa. Percorreu, assim, todas as aldeias do Mundo Encantado. Mas nenhuma aura tinha um brilho tão benevolente para ser o escolhido. ― Dessa vez, seus olhos não ficaram totalmente vermelhos, mas pude ver a tristeza dominá-los. Fênix sentia muito por tudo o que aquele Fey tinha passado. ― Nos últimos dias antes da lua cheia, aquele Fey voltou para casa possuído por uma tristeza profunda. Sentou-se ao lado de sua filha na cama e lhe disse que não conseguiria salvá-la. ― Fiquei feliz por aquele não ser o fim da história. ― Enquanto ele chorava, a menina sorria. Ela então lhe disse que não se importava, que, pelo menos antes de morrer, ela tinha visto seu pai forte de novo e que aquilo era muito mais importante para ela do que a própria vida. Com os olhos cheios de lágrimas, o Fey disse para a filha que ela deveria ganhar aqueles poderes, pois, mesmo perto da morte, seu espírito era mais forte e gentil que todos os outros.
Sorri, mesmo estando triste por aqueles dois, pois sabia que aquele Fey estava certo e também por saber que a menina fora sincera em suas palavras. Toquei a pele entre minhas clavículas ao pensar que amor pelo seu pai era algo que eu podia entender facilmente, assim como sentir.
― Sem que nenhum dos dois esperasse ― Fênix continuou ―, os poderes saíram de dentro dele e entraram na menina, que foi fortalecida instantaneamente. Enquanto comemoravam, receberam a visita dos espíritos da natureza. Eles disseram para o pai e para a filha que a verdadeira ligação com a natureza estava no espírito e não na aura, apesar de esta ser a única capaz de mostrar a força do espírito. Disseram também que o espírito mais brilhante não era o da menina e, sim, o do pai, que teria entregado a própria vida para salvá-la. Quando os espíritos foram embora, os dois saíram para a aldeia e notaram que as afinidades estavam retornando. Ao fazer o teste da própria afinidade, aquele Fey descobriu que seu elemento era a luz, um elemento que somente ele era capaz de controlar.
― Ah! ― Gritei, surpresa, quando um goblin caiu no meu colo de repente, interrompendo a comovente história.
Quando olhei para trás para entender o que aconteceu, percebi que a estante estava tão cheia que aquele pequenino acabou caindo em cima de mim. Olhei de volta para o goblin em meu colo e ficamos nos olhando até ele se mexer e começar a subir até o meu ombro, limpando com sua mão áspera de madeira as lágrimas no meu rosto.
― Ah, sim ― expliquei sorrindo. ― Foi uma história emocionante.
― O que aconteceu depois? ― Perguntou Cooper, ignorando meu breve interlúdio com o pequeno goblin, e eu voltei minha atenção para Fênix.
― Eles viveram felizes ― respondeu Fênix. ― A menina foi a primeira governante e seu pai foi o primeiro guardião. ― Fênix suspirou antes de continuar, como se não quisesse explicar aquela parte. ― Mas a menina se cansou rapidamente, então pediu a seu pai que encontrasse outro Fey para quem ela pudesse passar o peso de seus poderes. Já sabendo o que procurar, o pai partiu em busca do novo governante e voltou com quatro escolhidos, um de cada elemento, para que sua filha o ajudasse a escolher.
Fiquei espantada com aquela informação. Fazia sentido que todos os elementos estivessem presentes na escolha, mas espantou-me o fato de o guardião ter encontrado quatro Feys com aqueles espíritos, visto que antes só encontrara sua filha. Aquilo fez eu me perguntar se a natureza não havia escondido aqueles Feys de propósito para que aquela Fey fosse escolhida. Ou talvez a falta de afinidade com algum elemento tenha enfraquecido seus espíritos. De qualquer forma, era bom saber que nem tudo estava perdido.
― Juntos, eles decidiram quem tomaria os poderes da Rainha e o pai fez a transição ― continuou Fênix. ― O que ele não sabia era que, quando os poderes abandonassem sua filha, ela morreria. ― Ouvi Helen puxar o ar com força, mostrando audivelmente o espanto que todos sentimos. ― Devastado e sem rumo, ele partiu em outra busca. Dessa vez, por algum Fey que fosse tão brilhante quanto ele. Ao encontrar, ele lhe passou a afinidade com a luz e os poderes de guardião. Despedindo-se de seu elemento, ele também morreu.
A biblioteca caiu em um silêncio profundo.
― Por que suas histórias nunca têm um final feliz? ― Perguntou Cooper, fungando logo em seguida ao quebrar o silêncio do lugar.
― Não precisa ter um final feliz, precisa ter um objetivo ― respondeu Fênix.
Então ele se levantou e foi em minha direção, parando na minha frente. Arregalei os olhos. Eu sabia que tudo aquilo tinha o propósito de responder às minhas perguntas, mas eu sempre me espantaria com toda a atenção voltada para mim.
― Quando a natureza sente que está chegando a hora do guardião partir ― explicou Fênix ―, ela traz ao Mundo um espírito mais brilhante que os outros e lhe dá a afinidade com a luz. Somente os governantes e os guardiões aguentam carregar os poderes dos 4 elementos e somente o guardião pode entregar os poderes a alguém. Antes de morrer, Liss, o antigo guardião lhe entregou os poderes da Rainha. Não porque você é a nova governante, mas porque você é a única que pode encontrá-lo.
Engoli a seco e olhei para os goblins ao meu redor. Aqueles pequenos seres eram atraídos pela luz e estavam perto de mim porque eu era conectada a ela. Olhei para minha irmã, que tentava limpar as lágrimas que derramara pela história contada. Olhei para Cooper, que deu de ombros.
― O que isso significa? ― Perguntei, olhando de novo para Fênix.
― Significa que você deve encontrar o novo governante e só então o equilíbrio será restaurado. Significa que você é a nova guardiã.
― Só pode estar brincando comigo ― falei sem perceber, deixando o pensamento vazar pela boca. Encontrar a pessoa que derrotaria os Darkens e governaria o Mundo Encantado era uma tarefa importante demais para ser deixada nas mãos de uma Fey fraca, descontrolada e esquecida como eu. Ou Fênix estava brincando ou a natureza estava.
― Pareço alguém que brincaria com um assunto tão importante? ― Rebateu Fênix.
― Nesse momento, qualquer um parece ser um brincalhão ― respondi passando a mão pelos cabelos.
Aquilo era desesperador. Como eu poderia ser responsável por uma missão dessas? Que tipo de louco confiaria a mim o equilíbrio do Mundo Encantado?
― Estou sonhando ― falei, levantando-me e derrubando o goblin que estava no meu ombro. Ele podia não ser responsável por aquilo, mas estava ali provando que poderia ser verdade, então não me senti muito mal por tê-lo deixado cair. ― É isso! Ainda estou tendo um pesadelo.
― Não está sonhando, Luz ― disse Fênix, ajeitando os óculos sobre o nariz.
Fui até ele e comecei a cutucar seu peito quando falei:
― Nunca mais me chame assim. Meu nome é Liss e, apesar de você achar que sou uma guardiã ou sei lá o quê, não lhe dou o direito de me chamar por outro nome.
― Liss, fique calma ― disse Helen levantando-se. Não era comum minha irmã pedir calma a alguém, principalmente por ela normalmente ser a mais estressada e irritada de todos. Mas eu estava tão desesperada que ignorei aquilo também.
Gritei com ela antes que chegasse perto de mim. Não era só desespero, era medo de que eu fosse incapaz de cumprir a tarefa.
― Como vou ficar calma, Helen? Não quero essa responsabilidade, nunca quis. Não vou nem dizer que também não quero os Feys das Trevas atrás de mim ou que minha família brigue para me salvar.
― Já está dizendo ― murmurou Cooper, alto e em bom tom para que eu pudesse ouvi-lo.
Virei-me para ele. Estava sentado no chão, encostado em uma pilha de livros, com uma perna dobrada para cima e um braço apoiado nela. Ele olhava para a mão como se estivesse examinando as unhas. Ele parecia a personificação da tranquilidade e aquilo me irritou.
― Agora não é hora de brincadeira, Cooper.
― Não, Liss, não é. ― Cooper olhou para mim e se levantou, andando em minha direção enquanto falava. ― Você está nervosa, cansada e em perigo. Acabou de receber notícias que são muito difíceis de digerir. Seus pais provavelmente foram presos ou mortos. E você é obrigada a cumprir uma missão que muitos tentarão impedir. Não é hora para brincadeiras, Liss, mas, se te fizer sentir melhor, podemos brincar para sempre.
Ele estava na minha frente quando terminou de falar, com as mãos nos meus ombros.
Cooper sempre tinha sido capaz de interromper minhas lágrimas. Meu melhor amigo nunca tinha me feito chorar. Mas, naquela hora, olhar dentro daqueles olhos castanhos e ouvi-lo dizer que me faria sorrir se eu quisesse, tudo aquilo fez meus olhos se inundarem e enterrei a cabeça em seu peito antes de começar um choro convulsivo.
Ninguém falou nada nem se mexeu. Apenas Cooper passava a mão no meu cabelo e nas minhas costas, me consolando.
Deixei que as lágrimas levassem com elas todas as minhas dúvidas e tristezas. Eu não tinha como lutar contra aquilo.
Nós somos um povo que acredita em destino, que acredita em tarefas cumpridas. Se eu tinha recebido uma missão, então eu deveria cumpri-la, mesmo que não tivesse pedido por isso. De alguma forma, eu tinha recebido a tarefa que me deveria ser dada depois dos testes. Só não tinha sido com uma bela cerimônia e com meus pais por perto para dizer que se orgulhavam de mim e que sabiam que eu conseguiria ser boa na minha tarefa.
Lentamente, meus soluços pararam e eu me acalmei. Cooper me afastou de seu peito e perguntou se eu me sentia melhor. Eu assenti.
― Não posso fugir disso, Cooper. Não se esse é meu destino.
― Não tem necessidade de fugir. Vamos dar um jeito de cumprir essa tarefa.
De repente, a imagem da minha família, meus pais, minha irmã e meu melhor amigo, lutando contra os Feys das Trevas no Centro de Treinamento surgiu em minha cabeça. Pensei mais uma vez no fato de que meus pais não estavam ali para verem eu receber minha tarefa, pensei no perigo que corriam, que eu corria. Enfim, tive certeza de que eu não deixaria minha irmã e meu melhor amigo correrem o mesmo perigo.
― Não vamos, não ― falei, afastando-me de vez de Cooper e negando veementemente com a cabeça. ― Essa missão é minha e eu vou cumpri-la sozinha. Não preciso de mais ninguém correndo perigo por mim.
― Como se eu fosse deixar você sozinha nessa ― disse Cooper dando de ombros, como se aquela fosse a decisão mais simples de sua vida.
― Mas você vai ― insisti. Ele não podia ver o quão perigoso era ficar perto de mim? E talvez, bem lá no fundo, eu não estivesse pensando apenas nos Darkens. Afinal, eu não tinha controle nenhum sobre mim mesma e meus poderes.
― Liss, você não precisa fazer isso sozinha ― disse Helen, vindo para perto de mim e de Cooper.
― Você também não. ― Eu dei alguns passos para trás, afastando-me deles. ― Não importa o que digam, eu não posso perdê-los também. Já me basta não saber o que aconteceu com nossos pais, Helen.
― Nossos pais fizeram o que tinham que fazer, Liss ― respondeu Helen, colocando as mãos na cintura e assumindo a expressão que nossa mãe usava para nos repreender. ― Todos nós fizemos e vamos continuar fazendo.
― Discutir não vai funcionar ― interrompeu Fênix enquanto eu continuava negando com a cabeça, sem conseguir responder à lógica da minha irmã. ― Se ela quer completar a missão sozinha, então assim fará a guardiã. Sempre foi assim.
― Assim como? ― Perguntou Cooper, sarcástico e, ao mesmo tempo, preocupado. ― Os guardiões sempre ficam sozinhos?
― Os guardiões sempre fazem o que querem.
― Não vai rolar dessa vez. ― Cooper cruzou os braços.
Ver minha irmã e meu melhor amigo naquelas posições me fez pensar nos meus pais. Solomon e Satine, meus pais, meus protetores, minha família, minha vida. Oh, Lua! Eu já sentia saudade deles e nem tinha passado uma hora desde que eu os vira na arena. Durante toda minha vida, meus pais tinham me apoiado, animado, protegido. O que eu seria realmente capaz de fazer sem eles?
Ao mesmo tempo, eu pensava em Helen e Cooper, meus companheiros, meus irmãos, meus amigos. Eu nunca tinha feito nada sem eles ao meu lado e temia começar naquele momento. No entanto, como eu poderia deixá-los a mercê do meu destino? Como eu poderia levá-los comigo e arriscar que fossem capturados pelos Darkens? Com um destino tão incerto quanto o dos meus pais?
― Vocês querem me ajudar? ― Perguntei de repente, surpreendendo todos ao redor. Aquela podia não ser a melhor ideia que eu já tivera, mas era a única em que eu conseguia pensar.
― É claro ― respondeu Helen enquanto Cooper apenas assentiu.
― Não vou conseguir fazer nada antes de saber se eles estão vivos.
― Nossos pais? ― Helen pareceu confusa e triste, mas nem um pouco desconfiada.
Eu assenti.
― Podemos descobrir isso com facilidade ― garantiu Cooper, sorrindo, nem um pouco desconfiado também.
― Não se esqueça de não ser pego, garoto ― disse Fênix, pegando alguns livros na estante. Ele também não parecia desconfiado. Na verdade, parecia entender perfeitamente o que eu estava fazendo – e estava deixando tudo mais óbvio do que eu.
― Não sou idiota ― reclamou meu amigo, fazendo uma careta. Felizmente, ele não tinha percebido nada.
― E eu estarei ao seu lado, impedindo-o de fazer alguma besteira ― disse Helen dando de ombros. Tão focada na tarefa como Cooper para desconfiar de algo.
― Por favor, sejam rápidos ― pedi, segurando as duas mãos da minha irmã. ― Eu preciso saber.
― Não se preocupe, irmãzinha.
Helen acariciou meu rosto, sorrindo para mim com ternura. Depois, soltou-me e agarrou a mão de Cooper, saindo correndo com ele pela porta. Os dois deixaram a segurança da biblioteca para fazer o que eu pedi e isso apertou meu coração.
Fiquei observando a saída da biblioteca em silêncio. Quando pedi que Helen e Cooper saíssem, tudo que eu queria era tempo para partir na minha viagem sozinha. Ignorei o perigo que eles corriam ao voltar para o lugar de onde tínhamos fugido e onde estavam os Feys que queriam nos prender. Eu sabia que o perigo, agora, seria temporário. Os Feys das Trevas logo teriam que me caçar pelo Mundo Encantado, então acabariam esquecendo de quem me ajudou no início de tudo, se eles fossem capturados. — Você é uma péssima mentirosa — disse Fênix, parando ao meu lado e me estendendo um documento dobrado. — Este é o mapa das aldeias do Mundo Encantado. — Estão todas aqui? — Perguntei sem discutir com ele. Eu sabia que era péssima com mentiras, mas ele também não era grande coisa. Tudo bem. Eu tinha acabado de concordar em lutar contra os Darkens com minha irmã – apesar de acreditar que o maior número deles era uma enorme desvantagem – e ela não perdeu tempo. Com o elemento surpresa do nosso lado, Helen iniciou nosso ataque lançando uma rajada de magma certeira no Darken que estava com a criança. Ele conseguiu se desviar, mas acabou se desconcentrando e soltou o pequeno Fey. Helen não parou. Ela continuou seu ataque, impedindo que o Darken se concentrasse novamente na criança. Aproveitei que Helen estava fazendo o trabalho pesado e completei com a parte fácil. Lancei-me sobre a criança, agarrei-a e levei-a para longe da briga entre Helen e o Darken. Sabendo que não tínhamos muito tempo até que os outros Darkens entrassem na luta, deixei que Helen continuasse o que tinha começado e olhei ao redor. Minha atenção se prendeu nos Darkens quCapítulo V - Nomeação
Não ficamos muito tempo naquela aldeia. Eu tinha feito a minha parte, livrando-os dos Feys das Trevas. Naquele dia que ficamos por lá, eu também tive a oportunidade de observar os Feys que moravam ali. Apesar de serem tranquilos até demais para Feys de Fogo, suas auras vermelhas brilhavam constantemente, sem alteração, sem um destaque. Eu sabia que eram bons Feys, mas nenhum deles poderia ser o governante. Ainda assim, fiz questão de pedir-lhes a promessa de que não deixariam os Darkens tomarem conta do lugar outra vez; eles prometeram que continuariam livres. No outro dia de manhã bem cedo, pegamos duas bolsas com suprimentos – grãos, frutas e alguns cantis de água, mesmo que fôssemos seguir pela beira do rio – e nos despedimos de todos, principalmente da mãe e da criança que salvamos, cuja casa nos serviu de abrigo durante a noite. Seguimos, então, a margem
Só era possível ouvir os sons dos pés batendo contra a terra. A noite estava tão silenciosa que dava para distinguir os sons que as folhas e galhos faziam ao raspar nos braços que me carregavam. O ritmo dos passos era característico de uma corrida, o balanço do corpo dele e do meu também. Assim como sua respiração acelerada. Eu sabia que estávamos fugindo, não porque já estávamos correndo há muito tempo, mas sim porque, às vezes, era possível ouvir outros passos atrás de nós. Era uma fuga persistente. Diante dos meus olhos, havia somente os galhos mais altos das árvores, com folhas e flores coloridas apesar da escuridão da noite. A lua ainda aparecia no céu, mas já estava começando a ser coberta pelas nuvens negras que escondiam as estrelas. Tudo aquilo não passava de um borrão enquanto prosseguíamos em linha reta e eu só conseguia disti
Acordei assustada, levantando de repente. Estava suando frio e com a respiração acelerada como se eu mesma tivesse corrido por toda a floresta. Era sempre assim quando eu tinha aquele pesadelo. ― Liss, anda logo. Temos que ir ao Centro de Treinamento ― a voz da minha irmã vinha de fora do meu quarto, junto com batidas sem ritmo que irritavam minha audição perfeita. ― Já estou levantando, Helen ― gritei para acalmá-la enquanto me deitava novamente e cobria meus olhos com um braço. Minha família não lidava muito bem com meus pesadelos e eu sempre precisava respirar fundo antes de começar um dia que se iniciava com eles. O pior era que naquelas últimas semanas eu tinha pesadelos todas as noites. Na verdade, eu não poderia dizer pesadelos, no plural. Levantei da cama e f
Em vez de entrar na arena do Centro de Treinamento como eu esperava, eu tinha entrado em uma terra estranha. Era de se esperar que eu soubesse daquilo, mas, assim como era proibido falar sobre os testes com os Feys mais jovens que nunca participaram deles, também era proibido que esses Feys assistissem aos testes até que tivessem passado por eles. Tive esperança de saber o que acontecia quando Cooper passou por isso, mas tudo o que ele me disse era que queria esquecer da experiência. Como não tinha mais o que fazer, eu olhei ao redor para me familiarizar com o lugar estranho em que eu estava. As casas não eram feitas de madeira ou de qualquer outro material criado pela natureza. Curiosa, fui até uma delas e coloquei minha mão na parede, confirmando que não era feita de ferro ou cristal ou argila. O que quer que fosse aquele material tinha pouca ligação com a