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A temperatura caiu de forma abrupta, uma anomalia imprevista em meio ao verão. O céu, antes azul e ensolarado, deixou-se encobrir de nuvens pesadas e escuras, e lá se foram os últimos vestígios do dia. Uma escuridão opressora engolfa o dia, e as ruas movimentadas ficaram logo desertas. O uivar do vento cortante empurra as folhas secas e detritos pelos passeios da metrópole. Antes mesmo das primeiras gotas de chuva se fazerem sentir, o cheiro de terra molhada já envadira as entranhas dos moradores. Duma vez as gotas de chuva caem com força, tamborilando contra vidraças, telhados e postes. A tempestade que chegara sem aviso, não vinha surpreender somente o mundo lá fora.

Dentro da cobertura do aranhaceu mais alto da cidade, Fátima sentava-se no chão frio, pernas dobradas contra o peito, seu corpo comprimido como se procurasse refúgio dentro de si mesma. O vento que se infiltrava sorrateiramente pelas frestas das janelas, fazia seus fios de cabelo desfrizado dançarem suavemente.

Mas ela não parecia fazer muito caso do que se passava lá fora, nem o vento que arrastava tudo o que encontrava, nem o raio de trovão que rasgara o céu; pois seu interior estava pior, uma tremenda tempestade. Chovia torrencialmente e logo as cheias que causava, transbordavam através de seus olhos. Seu olhar estava perdido, se fixava no vazio. Cada respirar era uma batalha, e cada piscar de olho trazia de volta flashes do que acabara de acontecer.

Através de sua visão nublada viajou, seus olhos pelo chão de marmore. Estilhaços de vidro por todo o lado e logo seu olhar viajou em volta da sala virada de cabeça para baixo, e em frente a seus olhos via como ele virou a mesa de centro com um simples movimento de sua mão.

O seu olhar cheio de raiva foi logo em direção àquele vaso de cristal que ela tanto o prezava por ser uma peça rara, presente de casamento; acabou em estilhaços contra a sua foto de casamento que estava na parede. Antes um simbolo de felicidade, agora tinha um corte que atravessava os rostos.

Fátima sacode a cabeça, tentando afastar aquela imagem, mas a voz dele ainda reverberava em sua mente, as palavras cheias de raiva cuspidas em sua direção.

Ela tentava acalma-lo, tentava fazê-lo parar, tentava fazê-lo entender. Mas ganhou nada mais que um punho que segurava seu cabelo com força. Ignorava qualquer lágrima de desespero dela, seu ego pensava apenas em acabar com ela.

O homem a jogou contra a parede sem hesitar e não se comoveu por um segundo com a fissura que deixara em sua testa, abriu a porta, saiu e jogou a porta fechada, estremecendo com tudo. O impacto ainda latejava em sua testa, e passando a mão, sentiu a textura pegajosa do sangue já seco.

Fátima sentiu o celular vibrar e saiu do transe. Adrenalina pulsou em suas veias. Procurando entre os escombros arrastava-se pelo chão até que finalmente encontrou, limpou a tela o mais rápido possível e viu que era uma mensagem de voz dele. Fátima não hesitou e queria ouvir o que ele tinha para dizer. Talvez ele dissesse que a amava pedisse perdão por perder a cabeça pela milésima vez. Dizer que estava a voltar para casa e que tudo estaria bem.

Ele se exaltou sim em várias ocasiões, arrastou-a pelos cabelos, e jogou contra a parede; mas era um bom homem e ela o amava. Ela nunca soube amar mais ninguém em sua vida. Ela só tinha que mudar sua atitude, e ele voltaria a amá-la.

- Talaq, Talaq, Talaq. - Foi tudo que ela ouviu, e repetiu varias vezes para entender se fora mesmo o que ele dissera. Aquela não podia ser a voz dele. Era idêntica mas tinha de haver algum engano.

Lágrimas se fizeram em seu rosto, sua garganta estava seca e doía. Mesmo com sua mão trêmula, seus dedos digitavam devagar uma curta mensagem

«O que quer dizer com isso?» enviou e a ansiedade aumentava dentro dela a cada passante segundo. O desejo daquilo ter sido um engano a consumia. Mas não conseguia parar de soluçar.

Seu coração quase disparou quando o celular vibrou mais uma vez, e uma nove mensagem chegou, e desta vez de texto.

«Eu te divórcio, estúpida.» Fátima sentiu mais lágrimas jorrarem de seus olhos, seus músculos faciais doíam, seu coração se apertava dentro de seu peito e ela desejava que sua alma abandonasse seu corpo de uma vez.

As palavras eram como um soco em seu abdomén. Queria gritar mas não conseguia. Ela não conseguia se acostumar ao gosto amargo e a dor sufocante da rejeição. Seu coração palpitava como se fosse explodir, e o ar parecia rarefeito.

A tempestade devastadora que se fazia lá fora, não se comparava á tempestade que tomava lugar dentro de Fátima. A tempestade de um amor que nunca foi amor. De um lar que nunca foi seguro. E de um homem que nunca foi bom. Somente estilhaços.

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