O som de passos no corredor interrompeu o sono conturbado do príncipe em seu leito real. Em um sonho, onde corria por uma densa e morta floresta, ele perseguia alguém… ou ele era o perseguido? Não saberia dizer com a pouca experiência de vida em seus 5 anos de idade, mas não seria a última vez que teria sonhos assim.
ㅡ Nasceu… ㅡ vozes cochichavam em meio às árvores em seu sonho ㅡ Ela nasceu. Nasceu…
Batidas na porta o fizeram pular de susto e abrir os olhos, olhando freneticamente para todos os cantos de seu quarto. O suor escorria de seu rosto e seus lençóis, úmidos, colavam em sua pele pegajosa. Nos últimos meses esses sonhos estavam sendo recorrentes, mas nunca fora tão real como este. O menino podia jurar que sentiu uma mão fria lhe pegando pelos pés.
ㅡ Pequeno Rei? ㅡ a voz da cozinheira real soou do outro lado da porta ㅡ Está acordado?
ㅡ Não sou pequeno e ainda não sou rei! ㅡ respondeu o menino, carrancudo.
A mulher riu e entrou no quarto. Suas bochechas cheias estavam vermelhas devido ao esforço de estar carregando uma bandeja cheia de bolinhos e pães. Não era comum que lhe servissem esse tipo de alimento quando já havia escurecido, o que fez o menino franzir as sobrancelhas e fixar seu olhar sério sobre a cozinheira.
ㅡ Hora do seu lanche da tarde. ㅡ disse ela ao depositar o objeto em cima de uma mesa de carvalho.
ㅡ Mas, oras! ㅡ o menino se espantou ㅡ Já é noite! Como me trazes apenas o lanche da tarde? E por quê nenhuma das preceptoras veio me acordar? Jamais dormi uma tarde inteira desde que iniciei minhas lições!
A criança pula da cama e corre para seu cômodo de vestir.
ㅡ Venha, Kira! Me ajude a encontrar o traje para o jantar! ㅡ o menino grita ㅡ Meu pai não perdoa atrasos, sabes disso.
ㅡ Pequeno… ㅡ Kira o chama com carinho ㅡ Venha, ainda não é hora do jantar. Ainda não é noite.
ㅡ Como não? ㅡ ele para na porta do cômodo, com os braços cruzados ㅡ Como explica então a escuridão através de minha janela?
A cozinheira engole com dificuldade e olha para o chão. Como explicar para uma criança tão pequena o que está acontecendo lá fora? Como poderia explicar que, no meio de um dia ensolarado, uma nuvem escura escondeu o sol e a lua tomou conta do céu?
ㅡ Kira? ㅡ ele chama, com a voz trêmula, e se aproxima ㅡ Por que está tremendo tanto?
ㅡ Eu não sei explicar o que aconteceu, meu príncipe. ㅡ ela olha para a porta no exato momento em que um guarda chega ㅡ Seu pai está a sua espera, ele lhe explicará tudo.
Mas o Rei não explicou.
O menino foi levado por uma enorme quantidade de guardas reais até a entrada do jardim. Nenhum deles ousou responder às suas infinitas perguntas.
Outro grupo de guardas, desta vez com armaduras completas e espadas em punhos, o cercou e o guiou floresta adentro.
ㅡ O que está havendo? ㅡ ele questionava a todo instante ㅡ Onde está meu pai? Para onde estão me levando?
Mas os guardas mantinham seus olhos a frente, sérios e firmes em sua caminhada.
O menino ouviu a voz de seu pai ao longe e correu ao seu encontro. Ao ver o filho ali, o Rei acenou para os guardas, que se espalharam em volta de uma enorme cabana enfeitada com flores coloridas e plantas carnívoras.
ㅡ Boca fechada, ouviu bem, menino? ㅡ o Rei disse ao se abaixar para olhar nos olhos do filho ㅡ Apenas faça o que eu mandar e mantenha a sua boca fechada.
A criança apenas acenou, sentindo o frio na barriga se intensificar pelo medo que sentia do pai. Ao entrarem na cabana o menino percebeu que era muito maior do que aparentava sua fachada, e também percebeu que se tratava de uma casa de Fadas.
Seres altos, de olhos amarelos, acompanhavam seus passos enquanto andava ao lado de seu pai até uma cama em um canto do lugar. O Rei posicionou o menino ao lado de um pequeno berço de balanço, de onde mãozinhas minúsculas tentavam sair de um embrulho de pano. Ao perceber que o bebê começaria a chorar, Alaric resolveu ajudar. Puxou as duas mãozinhas para fora da manta, em completo silêncio.
E então algo estranho aconteceu… o bebê segurou seu dedão com tamanha força que um choque percorreu todo o seu braço, fazendo o menino se assustar e puxar a mão com uma certa brutalidade. Um choro estridente preencheu o ar.
ㅡ O que você fez, seu pirralho? ㅡ o rei puxou o filho pelo braço, com raiva, mas logo foi impedido por uma voz doce que fez os pelos de sua nuca se arrepiarem.
ㅡ Deixe-o.
O rei largou o príncipe como se estivesse sendo queimado, e o menino encarou o ser pálido de pé a sua frente que acabara de lhe salvar de uma tremenda surra.
ㅡ Por que seu cabelo é branco? ㅡ o menino perguntou encantado.
ㅡ Porque sou uma deusa. ㅡ a mulher lhe sorriu e piscou um olho ㅡ Já ouviu falar de mim?
ㅡ Eu conheço todos os deuses, faz parte das minhas aulas semanais. ㅡ ele sorriu e o choro do bebê aumentou ㅡ Faça ele calar a boca!
ㅡ É ela. ㅡ a suposta deusa disse, se aproximando do berço ㅡ É uma linda menina.
ㅡ Daire, eu imploro! ㅡ uma fada que estava deitada na cama gemeu ㅡ Salve minha filha!
ㅡ Estou aqui para isso, querida. ㅡ ela cantarolou e olhou para o príncipe ㅡ Acredita em Destino, pequeno Rei?
O menino, que odiava ser chamado assim, sentiu seu coração aquecer ao ouvir as palavras da boca da deusa.
ㅡ Eu não sei o que é isso. ㅡ todos ao redor riram, inclusive seu pai ㅡ Mas saberei logo.
ㅡ Não se preocupe. ㅡ a mulher com longos fios prateados se ajoelhou, pegou a mão do príncipe e a pousou sobre o berço ㅡ O Destino é um ser muito sábio que guia nossas vidas. Mas ele também pode ser muito cruel as vezes…
ㅡ Então ele é do mal? ㅡ o príncipe sussurrou, assustado.
ㅡ Depende… ㅡ respondeu a deusa, pensativa ㅡ Mas não se preocupe. Ele planejou que vocês dois estivessem aqui hoje. ㅡ ela apontou do menino para a bebê ㅡ O Destino quer unir suas vidas.
O menino olhou para a pele clara da menininha que agora dormia tranquilamente. Seus fios ruivos ainda eram ralos, mas se podia notar a mesma cor em suas sobrancelhas e cílios.
ㅡ Tem de ser feito logo. ㅡ a voz do rei reverberou por todo o lugar ㅡ Eles logo chegarão.
ㅡ Daire, por favor. ㅡ a fada rogou, de pé ao lado do rei ㅡ Tire-a daqui. Antes que a encontrem, tire-a daqui!
A deusa olhou para as crianças a sua frente, e achou graça da forma que o menino brincava com os pés da bebê, alheio a toda a comoção a sua volta. Alheio a guerra que já se iniciava do lado de fora.
ㅡ Sim, está na hora. Vamos tirar a Filha da Lua de Alroy. ㅡ Daire se levantou e tirou um pergaminho de um lugar invisível em sua roupa ㅡ Preparem o sangue das crianças.
E ali, dentro de uma cabana no meio da floresta, em um dia que se tornou noite, o Destino resolveu unir a vida de duas crianças inocentes. E elas pagariam um preço muito alto por isso, que já começou sendo pago com sangue.
Acordo assustada com socos na porta do meu quarto. ㅡ Acorda, Ana! ㅡ ouço minha irmã gritar e dar mais alguns socos. Me reviro na cama e encaro o teto, forçando meus olhos cansados a permanecerem abertos. Devo estar atrasada para a reunião, e Vanora já está querendo me matar. Mais um dia normal aqui em casa. ㅡ ANA! ㅡ ela continua berrando.Puxo o travesseiro e tento abafar meus ouvidos do barulho insistente do seu punho contra a madeira. A risada de Zephan chega até mim, já acostumado com a rotina maluca que tem nossa pequena e amável família. ㅡ Querida, com toda a certeza sua irmã já deve estar acordada, ela só está te ignorando. ㅡ ouço a voz calma do meu cunhado.Eu amo esse home
Há momentos na vida que parecem congelar no tempo... aqueles que parecem rodar em câmera lenta, capazes de te fazer enxergar as poeiras do ambiente quando a luz reflete de algum lugar, te fazem ouvir o som da gota d'água que cai na pia porque a torneira não está fechada corretamente.Aqueles momentos que parecem durar horas em sua mente travada, mas que, na verdade, duram apenas alguns poucos segundos. Estou em um momento desses agora.Olho para o homem ajoelhado e com a cabeça baixa no tapete da minha sala, e só consigo pensar que isso só pode ser uma piada. De muito mau gosto, por sinal. Como um homem bate a minha porta de madrugada dizendo que veio buscar uma princesa? É algo que só pode ser classificado como surreal. E ele disse bruxas? Fadas? De que livro infantil esse homem retirou essas ideias?Vanora está paralisada, assim como eu, e Zephan me olha com olhos cheios de lágrimas. Ninguém diz nada por um bom tempo, e a cena a
ㅡ Então, essa é a profecia. ㅡ eu afirmo e Farall me encara, seu semblante sério em clara expectativa ㅡ Quem garante que sou eu? Quem garante que eu sou essa pessoa? Porque, que eu saiba, a profecia não citou meu nome em momento algum. Então, onde está a prova?Todos os presentes na sala me olham como se eu não estivesse em meu perfeito juízo, quando, na verdade, são eles os que precisam urgentemente de uma intervenção psiquiátrica. ㅡ Querida... ㅡ Vanora diz, me segurando quando eu tento levantar do sofá ㅡ Acalme-se, Ana, por favor! Deixe-o falar! ㅡ Van, não tem provas de que eu sou a pessoa dessa profecia maluca! Você está acreditando nisso? ㅡ eu grito e rio ao mesmo tempo ㅡ Pelo amor de Deus, um completo desconhecido chega aqui e diz que sou princesa? Fala sério! Como acreditar em uma loucura dessas? Eu sei que não sou normal, mas princesa? Bruxa? Isso é demais, Vanora! &nbs
Me lembro do dia exato em que senti que eu era diferente. O momento em que eu percebi que as coisas ao meu redor sempre eram estranhas por um motivo… eu. Estava brincando na hora do intervalo da escola com meus poucos amigos, tinha apenas 6 anos. Um menino, que adorava bater e implicar com as meninas e crianças pequenas, estava atacando novamente. E, daquela vez, ele me escolheu como alvo. ㅡ Ei, cenoura fina, o que você trouxe de lanche hoje para mim? ㅡ o menino, que devia ter seus plenos 10 anos, já chegou tirando a lancheira da minha mão. ㅡ Solta meu lanche, seu feio! Vou chamar a tia! ㅡ lembro que gritei e tentei pegar meu lanche de volta, mas em vão. O garoto era bem alto para sua idade, e aproveitava a falta de alguns dentes para ser ainda mais amedrontador. ㅡ A cenoura quer ser gente é? Quer me enfrentar? ㅡ ele gritou no meu rosto e me encolhi de medo, o que o deixou ainda mais confiante de su
Minha primeira reação é rir. Não apenas uma simples risada, não, não, é uma crise de risos tão forte que perco o ar e tenho que me sentar no chão da floresta, pois sinto que posso desmaiar a qualquer momento. Minha risada é alta, escandalosa, daquelas que precisamos bater em nossa própria perna para aliviar a sensação de estar sem ar quando o riso nos tira a voz.Eu fui enganada. Eu fui enganada. Não posso acreditar que caí em uma armadilha de outro mundo. Respiro fundo várias vezes, tentando controlar meus batimentos cardíacos e olho ao redor da floresta tão vasta, tão verde, enquanto o riso vai acalmando até finalmente morrer. Sinto Farall me olhando, todo o tempo, mas não retribuo o olhar. Ele me enganou. Me trouxe para outra dimensão com uma mentira. ㅡ Princesa... ㅡ ele chama, receoso, e o vejo de joelhos próximo a mim, mas ainda longe, como se temesse chegar perto demais.
Acordo em uma cama enorme e macia, com lençóis de seda me cobrindo do pescoço aos pés. Fico encarando o teto e repassando a minha vida nas últimas 24 horas. Nunca imaginei que pudesse viver uma loucura assim. Ontem estava em minha vida pacata e normal, e hoje estou em um Palácio, em outro mundo, em um quarto que não tem absolutamente nada a ver comigo… Sem falar nas pessoas me olhando com medo o tempo inteiro, como se eu fosse capaz de transformar todos em besouros comedores de carne. Logo após o Rei sumir pelos corredores, duas mulheres apareceram e me pediram para acompanhá-las, e, depois de longas escadas e longos corredores, chegamos aqui, em um enorme quarto, com uma cama enorme, e um closet enorme. Não posso esquecer da sala de banho enorme… pelo menos eles tem vaso sanitário e chuveiro, o que me deixou um pouco mais aliviada. Elas queriam me ajudar a tomar banho, mas eu neguei veementemente, é claro; disse que queria apena
Depois de pouquíssimas horas de sono, Winnie bate à minha porta dizendo que me esperam na sala de reuniões. Ela coloca um vestido sobre a cama, e depois vai abrir as cortinas para a luz do Sol entrar enquanto vou ao banheiro. Aqui em Alroy não existe creme dental, eles usam uma espécie de pó verde para a limpeza bucal, que possui um gosto muito forte de menta e eucalipto, e só saberei o efeito deste produto a longo prazo. A escova de dentes é muito parecida com a que eu tinha na Irlanda, porém um pouco maior e com as cerdas um pouco duras. Shampoo e condicionador? Não sabem o que é isso. Eles usam o bom e velho sabão neutro para absolutamente tudo. Termino minha higiene matinal e tento controlar o meu cabelo apenas com água, o que é uma missão quase impossível, devido ao frizz. Volto para o quarto e reparo no ve
ㅡ Deve estar cansada, Princesa. ㅡ Keshua diz, próxima ao meu ouvido e concordo, não conseguindo mais segurar um bocejo. Depois da mudança, houve ainda mais festa na pequena vila. Todos queriam falar comigo, me tocar, e me presentear. Minhas mãos já estavam cheias de anéis, e pulseiras balançavam a cada vez que me mexia.Ainda não escureceu, então é melhor ir antes que não consiga enxergar o caminho de volta. ㅡ Obrigada pelo dia maravilhoso. ㅡ sorrio ao falar com o grupo que me cercava, já na entrada da floresta ㅡ Espero vê-los amanhã na minha coroação. ㅡ Não somos bem vindos no Castelo. ㅡ Keshua diz e vejo as fadas concordando, cabisbaixas ㅡ Não nos curvamos para o Rei humano, Princesa. ㅡ Mas vocês se curvam &ag