Filha da Lua
Filha da Lua
Por: Rô Santtiago
Prólogo

O som de passos no corredor interrompeu o sono conturbado do príncipe em seu leito real. Em um sonho, onde corria por uma densa e morta floresta, ele perseguia alguém… ou ele era o perseguido? Não saberia dizer com a pouca experiência de vida em seus 5 anos de idade, mas não seria a última vez que teria sonhos assim.

ㅡ Nasceu… ㅡ vozes cochichavam em meio às árvores em seu sonho ㅡ Ela nasceu. Nasceu… 

Batidas na porta o fizeram pular de susto e abrir os olhos, olhando freneticamente para todos os cantos de seu quarto. O suor escorria de seu rosto e seus lençóis, úmidos, colavam em sua pele pegajosa. Nos últimos meses esses sonhos estavam sendo recorrentes, mas nunca fora tão real como este. O menino podia jurar que sentiu uma mão fria lhe pegando pelos pés.

ㅡ Pequeno Rei? ㅡ a voz da cozinheira real soou do outro lado da porta ㅡ Está acordado?

ㅡ Não sou pequeno e ainda não sou rei! ㅡ respondeu o menino, carrancudo.

A mulher riu e entrou no quarto. Suas bochechas cheias estavam vermelhas devido ao esforço de estar carregando uma bandeja cheia de bolinhos e pães. Não era comum que lhe servissem esse tipo de alimento quando já havia escurecido, o que fez o menino franzir as sobrancelhas e fixar seu olhar sério sobre a cozinheira.

ㅡ Hora do seu lanche da tarde. ㅡ disse ela ao depositar o objeto em cima de uma mesa de carvalho.

ㅡ Mas, oras! ㅡ o menino se espantou ㅡ Já é noite! Como me trazes apenas o lanche da tarde? E por quê nenhuma das preceptoras veio me acordar? Jamais dormi uma tarde inteira desde que iniciei minhas lições! 

A criança pula da cama e corre para seu cômodo de vestir.

ㅡ Venha, Kira! Me ajude a encontrar o traje para o jantar! ㅡ o menino grita ㅡ Meu pai não perdoa atrasos, sabes disso.

ㅡ Pequeno… ㅡ Kira o chama com carinho ㅡ Venha, ainda não é hora do jantar. Ainda não é noite.

ㅡ Como não? ㅡ ele para na porta do cômodo, com os braços cruzados ㅡ Como explica então a escuridão através de minha janela? 

A cozinheira engole com dificuldade e olha para o chão. Como explicar para uma criança tão pequena o que está acontecendo lá fora? Como poderia explicar que, no meio de um dia ensolarado, uma nuvem escura escondeu o sol e a lua tomou conta do céu?

ㅡ Kira? ㅡ ele chama, com a voz trêmula, e se aproxima ㅡ Por que está tremendo tanto?

ㅡ Eu não sei explicar o que aconteceu, meu príncipe. ㅡ ela olha para a porta no exato momento em que um guarda chega ㅡ Seu pai está a sua espera, ele lhe explicará tudo.

Mas o Rei não explicou. 

O menino foi levado por uma enorme quantidade de guardas reais até a entrada do jardim. Nenhum deles ousou responder às suas infinitas perguntas. 

Outro grupo de guardas, desta vez com armaduras completas e espadas em punhos, o cercou e o guiou floresta adentro. 

ㅡ O que está havendo? ㅡ ele questionava a todo instante ㅡ Onde está meu pai? Para onde estão me levando?

Mas os guardas mantinham seus olhos a frente, sérios e firmes em sua caminhada. 

O menino ouviu a voz de seu pai ao longe e correu ao seu encontro. Ao ver o filho ali, o Rei acenou para os guardas, que se espalharam em volta de uma enorme cabana enfeitada com flores coloridas e plantas carnívoras.

ㅡ Boca fechada, ouviu bem, menino? ㅡ o Rei disse ao se abaixar para olhar nos olhos do filho ㅡ Apenas faça o que eu mandar e mantenha a sua boca fechada.

A criança apenas acenou, sentindo o frio na barriga se intensificar pelo medo que sentia do pai. Ao entrarem na cabana o menino percebeu que era muito maior do que aparentava sua fachada, e também percebeu que se tratava de uma casa de Fadas. 

Seres altos, de olhos amarelos, acompanhavam seus passos enquanto andava ao lado de seu pai até uma cama em um canto do lugar. O Rei posicionou o menino ao lado de um pequeno berço de balanço, de onde mãozinhas minúsculas tentavam sair de um embrulho de pano. Ao perceber que o bebê começaria a chorar, Alaric resolveu ajudar. Puxou as duas mãozinhas para fora da manta, em completo silêncio. 

E então algo estranho aconteceu… o bebê segurou seu dedão com tamanha força que um choque percorreu todo o seu braço, fazendo o menino se assustar e puxar a mão com uma certa brutalidade. Um choro estridente preencheu o ar.

ㅡ O que você fez, seu pirralho? ㅡ o rei puxou o filho pelo braço, com raiva, mas logo foi impedido por uma voz doce que fez os pelos de sua nuca se arrepiarem.

ㅡ Deixe-o. 

O rei largou o príncipe como se estivesse sendo queimado, e o menino encarou o ser pálido de pé a sua frente que acabara de lhe salvar de uma tremenda surra. 

ㅡ Por que seu cabelo é branco? ㅡ o menino perguntou encantado.

ㅡ Porque sou uma deusa. ㅡ a mulher lhe sorriu e piscou um olho ㅡ Já ouviu falar de mim?

ㅡ Eu conheço todos os deuses, faz parte das minhas aulas semanais. ㅡ ele sorriu e o choro do bebê aumentou ㅡ Faça ele calar a boca!

ㅡ É ela. ㅡ a suposta deusa disse, se aproximando do berço ㅡ É uma linda menina. 

ㅡ Daire, eu imploro! ㅡ uma fada que estava deitada na cama gemeu ㅡ Salve minha filha! 

ㅡ Estou aqui para isso, querida. ㅡ ela cantarolou e olhou para o príncipe ㅡ Acredita em Destino, pequeno Rei?

O menino, que odiava ser chamado assim, sentiu seu coração aquecer ao ouvir as palavras da boca da deusa.

ㅡ Eu não sei o que é isso. ㅡ todos ao redor riram, inclusive seu pai ㅡ Mas saberei logo.

ㅡ Não se preocupe. ㅡ a mulher com longos fios prateados se ajoelhou, pegou a mão do príncipe e a pousou sobre o berço ㅡ O Destino é um ser muito sábio que guia nossas vidas. Mas ele também pode ser muito cruel as vezes… 

ㅡ Então ele é do mal? ㅡ o príncipe sussurrou, assustado.

ㅡ Depende… ㅡ respondeu a deusa, pensativa ㅡ Mas não se preocupe. Ele planejou que vocês dois estivessem aqui hoje. ㅡ ela apontou do menino para a bebê ㅡ O Destino quer unir suas vidas.

O menino olhou para a pele clara da menininha que agora dormia tranquilamente. Seus fios ruivos ainda eram ralos, mas se podia notar a mesma cor em suas sobrancelhas e cílios. 

ㅡ Tem de ser feito logo. ㅡ a voz do rei reverberou por todo o lugar ㅡ Eles logo chegarão.

ㅡ Daire, por favor. ㅡ a fada rogou, de pé ao lado do rei ㅡ Tire-a daqui. Antes que a encontrem, tire-a daqui!

A deusa olhou para as crianças a sua frente, e achou graça da forma que o menino brincava com os pés da bebê, alheio a toda a comoção a sua volta. Alheio a guerra que já se iniciava do lado de fora.

ㅡ Sim, está na hora. Vamos tirar a Filha da Lua de Alroy. ㅡ Daire se levantou e tirou um pergaminho de um lugar invisível em sua roupa ㅡ Preparem o sangue das crianças.

E ali, dentro de uma cabana no meio da floresta, em um dia que se tornou noite, o Destino resolveu unir a vida de duas crianças inocentes. E elas pagariam um preço muito alto por isso, que já começou sendo pago com sangue. 

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