Capítulo 5

Minha primeira reação é rir. Não apenas uma simples risada, não, não, é uma crise de risos tão forte que perco o ar e tenho que me sentar no chão da floresta, pois sinto que posso desmaiar a qualquer momento. Minha risada é alta, escandalosa, daquelas que precisamos bater em nossa própria perna para aliviar a sensação de estar sem ar quando o riso nos tira a voz.

Eu fui enganada. Eu fui enganada.


Não posso acreditar que caí em uma armadilha de outro mundo.

  Respiro fundo várias vezes, tentando controlar meus batimentos cardíacos e olho ao redor da floresta tão vasta, tão verde, enquanto o riso vai acalmando até finalmente morrer. Sinto Farall me olhando, todo o tempo, mas não retribuo o olhar. Ele me enganou. Me trouxe para outra dimensão com uma mentira.

   ㅡ Princesa... ㅡ ele chama, receoso, e o vejo de joelhos próximo a mim, mas ainda longe, como se temesse chegar perto demais.

  ㅡ Você me enganou. ㅡ digo com os dentes trincados e ele nega veementemente com a cabeça ㅡ Você me disse que o seu povo precisava de mim, e agora você me diz que vocês já tem um Rei.

  ㅡ Um Rei que é humano, Princesa. ㅡ Farall diz, baixinho ㅡ É ele quem governa desde que sua mãe e o falecido rei morreram. Logo após, as anciãs e governantes do Povo Encantado também morreram na fronteira da Guerra, então ele assumiu o governo de todo o território pertencente a Alroy.

  ㅡ Então... quando eu for coroada, irei governar apenas o Povo Encantado? 

  ㅡ Princesa... ㅡ Farall sorri de lado e seus olhos brilham ao falar ㅡ Seus poderes são desconhecidos e temidos por todos, inclusive pelo próprio Rei, acha mesmo que irá governar somente o Povo Encantado? ㅡ deixa escapar uma risada fraca ㅡ Sua volta é esperada por todos! És a nossa última esperança, sua palavra será mais forte aqui do que a do próprio Rei, porém as decisões de governo não serão apenas suas, terão de decidir tudo como Rei e Rainha, como dois iguais, com o mesmo poder político.

  ㅡ Então não serei respeitada por ter direito ao trono, mas sim porque meus poderes são desconhecidos. ㅡ afirmo e Farall abaixa a cabeça, confirmando o que disse ㅡ Poucas horas atrás eu estava em minha casa, em minha cama, com essa magia toda trancada aqui dentro, controlada e quietinha, e agora descubro que não serei respeitada por ser a futura Rainha, mas sim temida por ter poderes desconhecidos até por mim.

  ㅡ Sinto muito, Princesa, mas não se deixe abalar por essa informação. Ensine-os a amá-la e respeitá-la como pessoa, como uma Rainha, não utilize seu poder para amedrontar ninguém e dará tudo certo no final, espere e verá. ㅡ ele sorri e se levanta, estendendo sua mão ㅡ Agora precisamos ir, ainda não estamos totalmente seguros.

   Aceito sua mão e limpo minha calça suja de grama quando me levanto. Começamos uma caminhada lenta em direção a floresta, Farall pediu que tomasse cuidado e não pisasse em galhos, pois chamaria a atenção de animais e andamos com muito cuidado. No começo caminho fascinada com todo esse verde tão vívido, com o som de pássaros cantando no alto do céu. Os grossos troncos das gigantes árvores possuem uma casca tão grossa e intacta, que me faz pensar que aqui não é um lugar muito frequentado por qualquer humano, bruxo ou fada. 

   As horas se passam e minhas pernas já estão doendo, a floresta tem árvores tão altas que é quase impossível ver o azul do céu, apenas feixes de claridade conseguem ultrapassar os enormes galhos, o que dificulta minha visão e caminhada. Farall anda tranquilamente, como se tivesse o caminho gravado em sua mente, e não tropeça em nenhuma raiz. Ao contrário de mim, que tenho de andar como se pisasse em ovos para não chamar a atenção de ninguém.

   Alguns minutos se passam e ele interrompe sua caminhada, olhando para o alto de uma árvore. Olho também, mas não consigo ver absolutamente nada, apenas enormes galhos com suas folhas tão verdes que parecem pintadas à tinta óleo.

  ㅡ Fique aqui, irei subir e pegar nossas roupas. ㅡ ele diz e começa a subir na árvore, sem mais explicações ㅡ Beba água e coma alguma coisa enquanto espera.

  O vejo subindo, cada vez mais, e faço o que ele mandou. Sento-me na base da árvore e abro a mochila que Vanora mandou. Pego um dos sanduíches e começo a comer, intercalando com pequenos goles de água. Termino rapidamente e pego outro, mastigando devagar e repassando tudo das últimas horas em minha mente exausta. Alguns minutos se passaram e Farall finalmente desce de lá, já estava comendo a terceira banana.

  Ele já está com outra roupa. Parece com um tipo de armadura, mas não tenho certeza... uma blusa de couro marrom, presa com cadarços nos pulsos, sua calça, também de couro, porém em um tom mais escuro, cai perfeitamente em suas pernas musculosas, e uma placa de metal protege seu tórax e costas. Seus cabelos e barba cor de mel, junto com seus olhos cinza, combinam perfeitamente com suas vestes... E na sua cintura uma enorme espada. UMA ESPADA. 

  ㅡ Sua vez de trocar a roupa, Princesa. ㅡ ele me entrega uma sacola de seda e aponta com a cabeça ㅡ Aí dentro tem tudo o que precisa, pode se trocar atrás da árvore, irei ficar aqui de guarda.

   Apenas concordo, pegando o saco de suas mãos, e dou a volta na árvore. Tiro meu moletom e estendo em cima de uma das enormes raízes, e começo a retirar os itens da bolsa.

   Um sapato de couro duro, ao que parece nada confortável, branco e com pedrinhas azuis, um tipo de shorts com tirinhas de cetim penduradas dos lados, uma tiara com pedrarias pretas e, por último, um vestido. O vestido mais lindo que já vi em toda a minha vida! O tecido é tão macio e fino que não sei se sou capaz de vesti-lo sem rasgar. Tiro minhas roupas rapidamente, e decido que colocar apenas essa peça já basta. Passo o tecido pela cabeça, com todo cuidado, e fecho os botões, que mais parecem pérolas, que ficam na parte da frente e dão um toque especial.

  É de um azul tão claro, quase água, com flores que descem do busto até a cintura, com mangas em renda até os cotovelos e camadas e mais camadas de seda que caem até os joelhos, dando um aspecto de leveza ao caminhar. Termino de guardar os outros itens de volta na bolsa, e continuo com meu tênis confortável. Coloco a tiara na cabeça e passo os dedos pelos meus cabelos, para dar uma melhorada. Pronta. 

  Dou a volta na árvore e encontro Farall sentado comendo tudo que pode da mochila. Ele para com a maçã no meio do caminho de uma mordida, e me encara com a boca aberta. 

  ㅡ Estou pronta. ㅡ digo, um constrangida com seu olhar.

  ㅡ Então vamos continuar, estamos mais perto agora. ㅡ ele guarda as coisas na mochila e me olha da cabeça aos pés, parando ao ver meu tênis ㅡ Humm... o sapato não coube?

  ㅡ Não sei, não testei. ㅡ digo e o encaro ㅡ Vou continuar com meu tênis, se não for incômodo algum.

   ㅡ Sua vontade é o que importa, Princesa. ㅡ ele diz e sorri, um sorriso que me causa um frio na barriga ㅡ Agora precisamos ir, daqui a pouco anoitece e ficará ainda mais difícil de caminhar por aqui.

   Voltamos a caminhada mais uma vez, e a floresta parece mais viva do que nunca. Começo a reparar em pequenas coisas estranhas: uma brisa fresca passa por mim sempre que começo a suar, não sei se é meu poder, ou as árvores me ajudando, mas os gravetos do chão abrem caminho para que eu possa caminhar sem tropeçar, e os feixes de luz do sol invadem os galhos e iluminam a minha frente. Farall olha para trás de vez em quando, e sorri toda vez, como se não acreditasse no que está vendo.

  Percebi que por aqui há mais árvores frutíferas, mais espaços entre uma e outra, e muitas flores espalhadas por canteiros devidamente podados.

  ㅡ Estamos chegando. ㅡ Farall diz e vira o corpo para me olhar ㅡ Vamos sair do bosque diretamente para os Jardins do Palácio, não se assuste com os guardas armados.

   ㅡ Tudo bem. ㅡ digo, engolindo em seco.

  Chegou a hora. Não sei o que fazer. Como vou ajudar esse povo? Como lidar com um Rei? Nunca conheci um Rei em minha vida! Aonde eu fui me meter, meu Deus do céu!

  Andamos ainda por alguns metros e saímos em um enorme jardim. Paro de andar e encaro o monumento gigante ao longe. Um Palácio. É uma construção enorme, com vigas e colunas em mármore branco e cinza, com janelas impossíveis de contar com meus olhos. Não há como dizer quantos andares possui, mas posso dizer que são muitos. Precisarei de um mapa para aprender a andar sozinha dentro desse lugar.

  Há muitas flores e pequenas árvores espalhadas pelo Jardim, e tento memorizar cada detalhe que meus olhos conseguem alcançar. Vejo guardas andando em patrulhas, todos com armaduras e enormes espadas na cintura e nas costas. 

   Farall olha para o alto e olho junto, uma ave vem em sua direção e ele sorri, mas ela não vai para seu braço estendido, surpreendendo a nós dois, ela vem em minha direção. Uma coruja para acima da minha cabeça, ainda batendo suas asas, e estico meu braço para ela. Suas garras apertam minha carne suavemente, sem machucar, e ela me encara. A ave da sabedoria. É tão surreal!

  ㅡ Ela não pousa em ninguém além de mim e do Rei. ㅡ Farall diz, realmente espantado ㅡ O nome dela é Luzi. É a coruja da Família Real.

  ㅡ Luzi. ㅡ digo baixinho, e a coruja pisca os olhos lentamente para mim, como se dissesse "Sim, sou eu." ㅡ É linda! 

   Luzi logo levanta voo e vai em direção ao Palácio, em um bater de asas lento e ritmado. Olho para Farall, que faz um gesto com sua mão indicando o caminho, e vou andando em sua frente. 

  O primeiro guarda a nos ver arregala os olhos, puxa algo do bolso e leva a boca. Logo ouço uma espécie de apito, que faz com que todos os outros guardas do Jardim parem o que estão fazendo e olhem para o guarda a nossa frente. Ao notarem Farall ao meu lado, todos pegam o mesmo objeto e começam a apitar. O som não é forte, mas é agudo, e com tantos apitos juntos o som se propaga por todo lugar rapidamente.

   ㅡ FORMAÇÃO! ㅡ alguém grita de algum lugar e o som cessa imediatamente. 

   Guardas formam um corredor a nossa frente e vejo tudo isso com olhos arregalados, enquanto Farall tem um brilho de orgulho em seu olhar. Eles começam a bater em suas próprias armaduras, uma batida ritmada, e de repente param. 

Silêncio. Ouço apenas minha respiração por alguns segundos.

  ㅡ A Filha da Lua está de volta ao lar! ㅡ Farall diz, alto e forte, e os guardas batem duas vezes em suas armaduras ㅡ A PRINCESA VEIO NOS SALVAR! ㅡ gritou.

  Os guardas começam a gritar e bater em suas armaduras ao mesmo tempo, Farall me olha e indica com a mão para andarmos em frente.

   Andamos por entre eles, e os gritos ficam cada vez mais alto, mais forte, conforme chegamos perto de cada um. Tento olhar para todos, alguns tão jovens e outros parecem mais experientes, mas em todos eu vejo a mesma coisa: esperança.

   Eu sou a esperança desse povo. 

  Passamos por todos eles e então o silêncio vem novamente. Estamos na porta gigante do Palácio, e um grupo de cinco homens nos olha de longe.

   Pela formação, quatro deles são guardas, e o homem que está sendo protegido entre eles só pode ser o Rei. Farall se ajoelha e abaixa a cabeça, mas o Rei continua mantendo seu olhar em mim. Ele está esperando que eu me ajoelhe também? Que espere sentado então. 

  O encaro, com meu queixo elevado e olhos semicerrados, como fazia quando convencia algum empresário a fazer o que eu queria nos negócios, e ele dá alguns passos a frente, até os degraus da entrada.

  ㅡ Levante-se, meu amigo. ㅡ o Rei diz, em uma voz tão grossa e rouca que me arrepia a nuca, meu corpo reconhecendo a voz que me atormentou por longos anos em muitos pesadelos ㅡ Vejo que foi feliz em sua missão, pode ir descansar agora.

  E, assim, Farall se vai, sem ao menos olhar para trás, me deixando sozinha com um Rei desconhecido e que claramente não está feliz com minha presença aqui. 

  ㅡ Bom... ㅡ ele começa a dizer com a voz grave, e sinto meu coração acelerar por finalmente dar um rosto ao timbre de meus sonhos. Mas ele me olha da cabeça aos pés e, assim como Farall, franze a testa para meu tênis ㅡ Precisamos falar sobre a guerra imediatamente, sua vinda aqui não será um passeio. Me siga, bruxa.

  Bruxa? Ele me chamou de bruxa?

 A palavra não me incomoda, mas sim o tom usado.

O vejo caminhar para dentro do Palácio e meu sangue ferve em uma velocidade impressionante. A magia pulsa na ponta de meus dedos.

  ㅡ Eu fui tirada de minha casa no meio da noite! ㅡ grito, e ele para de andar imediatamente, mas não se vira para mim ㅡ Eu deixei minha família, as pessoas que me amavam, e vim ajudar vocês. ㅡ respiro fundo, tentando manter a calma ㅡ Eu andei o dia inteiro. Estou suja, com fome e com sono.ㅡ digo entre os dentes ㅡ A única coisa que irei fazer neste momento é descansar. Estamos entendidos, humano?

   Ao ouvir o tom de nojo explícito em minha voz ao chamá-lo de humano, o Rei se vira lentamente e abre um enorme sorriso, que não chega aos seus olhos. 

  ㅡ É perceptível o quanto iremos viver em harmonia, princesa. ㅡ ele diz, e rapidamente some dentro do Palácio com seus guardas.

  Acho que minha luta aqui acabou de começar.

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