Capítulo Cinco

Coloquei minha taça de vinho sobre a mesa de centro e me recostei na poltrona. 

- Pois, então aí papai não aguentou aquela crise. Acho que foi o ultimato dele para vida. – Harrison comentou já meio alto. 

Já tínhamos jantado e estávamos conversando na sala fazia algum tempo. Na verdade, Loren e Harrison conversavam enquanto eu fazia um bordado e bebericava um vinho de vez quando. A conversa deles se baseava apenas nos negócios e eu não entendia como eles conseguiam falar tanto disso. Minha cabeça já estava latejando, embora também fosse por meu tornozelo, que a pomada já começava a passar o efeito.

Suspirei e tomei mais um pouco. 

- Bem, mas logo, logo, Aria vai estar dormindo com nossa conversa. – Harrison sorriu com o mesmo carinho da noite toda. Aquilo ainda me causava medo. – Você nunca mais deu notícias. Acreditei que você tivesse ido para as Américas tentar algo novo. Mas, qual não foi a surpresa quando recebi sua carta? Você nem comentou comigo... Você se casou novamente? 

Meus olhos dispararam para Loren e ele não me olhou nos olhos, e sim olhava para Harrison. Senti um que de gelo em seus olhos frios. Eu não entendia como ele poderia ser tão quente e tão gelado as vezes. 

- Não. – ele respondeu levantando a taça entre os lábios. 

Harrison sorriu.

- Mas, deve ter uma pretendente... Não acredito, que você sendo assim rico e garboso não tenha ninguém... – Harrison riu.

Continuei bebericando o vinho, finalmente entretida na conversa. Loren olhou para mim por alguns instantes e senti seus olhos se aquecendo novamente. Eles viraram água e se transformaram em piscinas de um lago quente e cristalino. Sorriu e depois bebeu mais vinho. 

Ele tocou a borda da taça com os dedos. 

- Ninguém que eu queira até então. – ele sorriu.

Corei e baixei os olhos, passando a linha no pano.

- Sério? Mas, uma hora encontra. – Harrison insistiu. – Assim como encontrei Aria. Não é, querida? 

Levantei meus olhos novamente e me surpreendi em Harrison falando diretamente comigo. Balancei a cabeça confirmando e me mantive quieta. 

Meu vinho acabou e então coloquei os pés no chão delicadamente. Um silêncio se formou e Harrison se curvou para pegar um de seus papéis, parecendo avaliar alguma coisa. Olhei para Loren e seus olhos encontraram os meus. Meu coração disparou, mas tentei disfarçar diante de Harrison.

- Vou me deitar... O vinho me deixou um pouco aérea e meu tornozelo começou a doer. – murmurei.

Me apoiei na borda da poltrona e agora de verdade, ele estava doendo. Gemi quando não consegui levantar e dois pares de mãos se curvaram para me pegar, quando senti que não ia conseguir andar e tropecei. Harrison me pegou primeiro por que estava mais perto e ele me levantou nos braços. Me senti constrangida, tudo ainda na frente de Loren e meu marido sorriu.

- Tudo bem? 

- Acho que não. Está doendo muito. – falei. 

Loren me olhou preocupado. 

- Posso olhar isso... Tenho uma pomada em meu quarto para dores como essa. O que acha de levá-la para o quarto dela, Harrison? – Loren disse sério.

Harrison olhou para ele com o canto dos olhos e algo no que Loren disse não lhe agradou, mas ele tentou disfarçar, em seguida me levando escada a cima. Eu estava começando a perceber falhas na amizade deles e cogitando que eu não sabia de tudo. Aliás, eu não sabia nem do começo do que havia acontecido entre eles, e que talvez Loren não estivesse aqui exatamente só por mim. 

Claro que, seria prepotência de minha parte achar que ele só estivesse aqui por minha causa. Eu tinha ideia de que era um motivo. Como ele mesmo havia dito e no fundo eu acreditava nele. Porém, eu tinha certeza de que havia mais coisas não ditas, coisas que só ele e Harrison sabiam. E algo em mim doeu de curiosidade. 

- Pronto. – Harrison me depositou na minha cama no segundo andar. 

Olhei para ele e me senti indefesa, com ele tão perto de mim. 

- Obrigada. – falei. 

Ele me olhou durante alguns segundos e tocou os machucados que ainda pintavam meu rosto, assim como os cortes. Não doeu, mas aquilo era incomodo, principalmente sendo ele o feitor daquilo. 

- Como eu pude fazer isso com você? – ele murmurou. 

Seus dedos passearam pelo meu pescoço e ele olhava dentro de meus olhos. 

- Eu trouxe a pomada... – Loren disse da porta e me assustei. 

Assim como Harrison que se afastou e se sentou na borda da cama. Harrison afastou o olhar de mim e parecia concentrado em alguma outra coisa enquanto olhava o padrão de madeira no chão. 

Loren se aproximou de mim, e delicadamente puxou a ponta de meu vestido até metade da panturrilha. Como eu estava sem meias por causa da atadura, minha perna estava completamente exposta. Corei, e no fundo, sabia que não precisava disso. Ainda mais depois de ele quase me ver pelada ontem, em sua camisa. 

Ele soltou as ataduras e gemi ao ver a cor de meu tornozelo. Ele estava com hematomas roxos e azuis, mas pelo que parecia não estava quebrado, se não estaria ainda pior e inchado. Loren passou a pomada e senti na hora, refrescando os machucados e um alivio me tomou. Ele passou uma nova gaze e colocou o vestido no lugar. Harrison ainda continuava olhando o vácuo e Loren pareceu se sentir desconfortável.

- Vou dormir. Ainda estou cansado da viagem e um pouco de sono pode me fazer bem. Boa noite. – ele olhou para mim enquanto saía, e não encostou a porta. 

Olhei em seus olhos e sussurrei com os lábios um “obrigada” e ele simplesmente assentiu.

Harrison ainda olhava o chão, mas pareceu despertar assim que me movi na cama. 

- Também estou indo. Amanhã tenho uma longa viagem e preciso descansar. – ele se levantou e se aproximou de mim. Olhei para ele e me afastei para trás, acuada de repente. Ele olhou minha reação e senti um pesar dentro dele. O que diabos será que estava acontecendo com ele? Senso de humanidade? Finalmente? – Eu sinto muito. Boa noite, Aria. – ele se curvou e beijou minha testa. – Vou pedir que Desirre suba e fique com você. 

Ele se levantou e não me olhou enquanto saía. 

Alguma coisa ainda continuava errada. Tremendamente errada. O Harrison que eu conhecia não era desse jeito. Não mesmo. 

Desirree entrou em meu quarto e fechou a porta.

- A Senhora gostaria de se trocar? – ela perguntou.

Ainda meio assustada, assenti e ela caminhou para meu closet, pegando uma camisola minha. Me arrastei até a borda da cama e puxei meu vestido para cima e então Desirree me ajudou a me vestir a camisola. Me senti mais confortável com minha camisola de seda rosa. Ela era toda rendada e revelava bastante do meu busto e era aberta nas costas completamente longa. 

Ela ajeitou os travesseiros e depois fechou a janela. 

- Você precisa de mais alguma coisa, Senhora? – ela perguntou educadamente.

- Não, Desirre. Muito obrigada. – sorri. 

- Qualquer coisa me chame. – ela sorriu e saiu, encostando a porta. 

Apaguei a vela do lado da cama, e me cobri, afundando nos travesseiros. Fechei os olhos e me preparei para dormir. 

Mesmo cansada e ainda com sono, eu não conseguia relaxar. Os olhos de Loren ainda estava em minha mente. Seus mistérios. O carinho de Harrison. Tudo ainda estava embaralhando minha mente, fazendo com que eu não pudesse pensar em mais nada. 

Eu estava completamente encantada com Loren... Se não, apaixonada, como ele mesmo havia dito. E eu não queria nem pensar nessa possibilidade. Ainda mais com ele dormindo no quarto ao lado, com Harrison passando alguns dias fora. Senti um sorriso se formando em meus lábios ao pensar na tarde maravilhosa que tivemos, talvez a melhor de toda a minha vida. Por que eu tinha conseguido tocar, depois de tanto tempo... Por que eu me sentia completamente à vontade com ele. De uma forma que eu não me sentia com ninguém. 

Ainda pensando nele, ouvi um toque sutil. Uma batida. 

Me levantei rapidamente e apertei a coberta entre os dedos. Se fosse Harrison eu estava totalmente perdida. Por que além de não conseguir correr, era tarde da noite já. 

Esperei para ver se a porta seria aberta, por que com ele nunca se precisava pedir permissão. Mas, novamente o toque soou e dessa vez notei que não era da porta que ele vinha e sim da janela. Ergui a sobrancelhas e fiquei confusa. Será que algo estava batendo na janela sem querer? Me levantei, mesmo mancando e me apoiei na parede indo até lá. O toque soou um pouco mais forte e então abri a janela. 

O vento frio bateu em minha face, mas então quase soltei um grito de susto. Antes que minha voz saísse, uma mão branca tampou minha boca. 

- Não grite. Só vim para ver se você estava melhor. – disse Loren.

Ele soltou minha boca e empoleirado no parapeito estreito, ele estava agachado. 

Olhei para baixo e engoli em seco. 

- Venha. – puxei ele pela gola da camisa. 

Loren pisou no chão do meu quarto e sorriu me abraçando. 

- Não conseguia dormir e precisava ver se você estava bem. Se Harrison não tinha tentado nada com você. – ele disse e afundou o rosto em meus cabelos. 

Sorri e passei os braços por ele. Eu não sabia o que estava fazendo, só que era muito bom para parar. 

- Você é louco. Poderia ter se matado tentando pular a janela de meu quarto. – falei rindo baixo. 

Ele se afastou, mas manteve as mãos em minha cintura. 

- Desculpa. – ele disse rindo junto. 

Ele me puxou para minha cama e então me sentei. 

- Vou dormir aqui. – ele anunciou. 

Olhei para ele e meu riso parou.

- O que? 

- Vou dormir aqui. – ele disse novamente. – Juro que não vou tentar nada. Mas, só vou conseguir relaxar se tiver certeza de Harrison não vai tentar nada. E que você está bem e segura. E isso só vai acontecer se eu mesmo me certificar de que isso aconteça. 

Olhei para ele, estupefata.

- Você ficou mais louco ainda? Bateu a cabeça? – sussurrei alto. – Se Harrison te pegar aqui, você é um homem morto. 

- Você me subestima demais. Confie em mim. – ele disse sério.

Encarei aquele olhos de gelo e vi que ele não mudaria de ideia. 

Como eu poderia confiar em alguém que mal conhecia? 

Mas, meio sendo loucura, eu confiava.

- Tá bom. – falei.

Loren me olhou mais aliviado. 

Ele se sentou perto da janela e vi que não tinha outra escolha a não ser deitar. Puxei as cobertas e me sentei, colocando um dos travesseiros em minhas costas. Loren puxou uma manta e fechou a janela. Reparei que ele tinha tirado o terno e estava apenas de camisa branca e calças. Estava até mesmo descalço. 

Ele se cobriu e me olhou.

- Harrison estava estranho no jantar. – comentei. 

- Ele não é alguém que se possa confiar, Aria. Não deixe que apenas algumas palavras bonitas a façam acreditar que ele mudou. – Loren se encostou e observou o céu lá fora. 

- Eu deveria. Ele é meu marido. – falei.

Loren esticou os lábios numa linha rígida e seus olhos escureceram. 

- Estou tentando te ajudar e não complique as coisas para mim. Ele se parece com um ser humano, e as vezes age como tal. Mas, é um monstro que se agita por debaixo daquela pele. Ele não é alguém que pode se chamar de simplesmente mal humorado, ele não vale o pão que come. É cruel. Frio. E mesquinho. E acima de tudo, vendo quem ele é durante dois anos, deveria acreditar no que falo. Ainda mais por experiência própria. – ele olhou para mim quando terminou de falar. 

Olhei para ele e fiquei com raiva. 

Ele estava tentando me ajudar, mas as vezes também era mandão e irritante. 

- Claro. Eu adoro ser espancada todo santo dia. – falei. 

Loren baixou os olhos. 

- Me perdoe. Não quis ser rude. Mas, não tem nunca como acreditar que um homem desses pode haver mudanças. – ele disse.

- E quem é que está falando isso? – perguntei. 

- Eu posso ver a esperança em seus olhos, Aria. Você não o ama, mas tudo que mais quer é que ele a ame. Mas, monstros não amam. Isso seria pedir demais. 

Baixei os olhos dessa vez e por mais que suas palavras estivessem doendo dentro de mim, eu sabia que era verdade. Eu por algumas horas pensei nessa possibilidade. E não, eu não o amava. Mas, seria demais pedir um pouco de carinho?

Me senti magoada com tudo, por que no fundo eu não merecia. Eu não era digna disso e sabia. 

- Ei. – Loren se levantou e se sentou ao meu lado. Senti algumas lágrimas nos cantos dos olhos, mas baixei ainda mais a cabeça para que ele não visse. – Você é linda. Merece muito mais do que um porco que fingi que mudou. Estou tentando fazer você ver o quão incrível é sua alma e seu coração. E que você deveria abrir um sorriso a cada dez minutos por que merece. O que mais preciso fazer para ver isso? – ele pegou meu rosto e o levantou para seus olhos. 

Nossas respirações se misturaram e seu hálito gelado e doce bateu em meu gosto. Meu coração começou a bater mais rápido. 

Ele se aproximou e fechei os olhos, esperando. 

Eu queria tanto que ele me beijasse que doía. Meu corpo começou a se aquecer e o meio das minhas pernas a latejar. Meu Deus como eu precisava tanto dele e ainda nem havia percebido. 

Mas, o beijo não veio. 

Abri os olhos e Loren olhava para o lado, parecendo trincar o queixo. 

- Eu sei que sou repugnante. Desculpa. – afastei a mão dele, mas Loren não deixou e apertou seus dedos em meu queixo. Não estava desconfortável, porém me fazia ficar quieta. 

- Você nunca mais fale isso. – ele se aproximou. Sua boca ficou um centímetro da minha. – Eu quero beijá-la. Mais do que qualquer outra coisa que já quis na vida, mas quando isso acontecer quero que seja a uma reação de paixão e felicidade, não por que estou no seu quarto e você está quase chorando. Pretendo fazer isso acredite, e muito em breve. Mas, não assim. Como eu disse quero fazer tudo certo e lhe mostrar que se eu puder vou lhe dar o mundo. E não só por que quero você, mas por que merece. 

Ele beijou o canto dos meus lábios e em seguida minha bochecha. Gemi com meu rosto esquentando como fogo. Ele puxou minha coberta e então se deitou comigo. Lembrei de minha camisola e me senti envergonhada. 

Ele sorriu e me puxou para seu peito. 

- Não deveria ter vergonha de você. – ele passou os dedos por meu braço, quando ainda espantada, me deitei nele. – Você é a mulher mais linda que já vi. 

Eu tinha uma noção por fora de que tudo isso estava indo rápido demais, que eu era casada, que se fossemos pegos assim poderíamos morrer, que eu nem o conhecia... Era infinitos os motivos. Mas, eu tinha uma certeza apenas. 

Que eu não queria que parasse.

                             ***

Acabei adormecendo nos braços dele, segundos depois disso. 

Ele não deixou de me abraçar nenhum segundo e tive um sono tranquilo, mesmo que fosse a maior aventura da minha vida ficar abraçada com ele daquele jeito, ainda vestida daquela forma. 

Mas, eu não me importava. Se a vida era tão boa quanto o que eu estava sentindo, que fosse para vivê-la como se não houvesse amanhã. Eu tinha uma ideia de que poderia acabar mal. 

Acordei na manhã seguinte, quase renovada e totalmente feliz. 

Abri os olhos e senti no mesmo instante que ele não estava lá. 

Olhei ao redor e não tinha qualquer sinal dele ou de que ele estivera lá. O que talvez denunciaria que mais sonhei com ele do que qualquer outra coisa. Por que ele era perfeito demais para ser real. Mas, notei a bandeja de café da manhã no sofá ao lado da janela, que estava aberta. Uma rosa estava recém colida e perfeita ao lado dela. 

Coloquei os pés no chão e consegui caminhar sem dor. A pomada dele era mesmo milagrosa. Depois eu perguntaria para ele do que era feita. 

Peguei o copo de suco e abri o cartão que também ele havia deixado. 

Tive a leve sensação essa manhã de que tudo foi um sonho e na verdade dormi com um anjo. 

Você vale a pena cada segundo. 

Tive que cuidar de algumas coisas hoje. 

Como sei que deve estar melhor, se prepare por que vamos a um baile. 

                                                                                                   Sempre seu, 

                                                                                                            Loren

Eu engoli em seco, mas suspirei.

Eu estava apaixonada, não tinha como definir o que eu sentia. 

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