Capítulo 3

Julia aproveitou a loja vazia para estudar. Ela era a melhor aluna da sua classe, e uma das melhores da escola. No ranking da escola, Julia era a número 3, tinha chance de ser a primeira se tivesse um pouco mais de tempo para estudar, ou se pudesse fazer cursinho como seus colegas. O 1° e o 2° do ranking, faziam 2 cursinhos e tinham aulas particulares com professores renomados, Julia tinha apenas o seu esforço e os livros que conseguia encontrar na biblioteca. Se Julia tivesse os mesmos recursos com certeza seria a número 1 da escola, mas não adiantava pensar em nada disso. Independentemente de suas notas Julia não conseguiria cursar a Universidade depois que se formasse.

Enquanto Julia virava a página do livro quando um grupo de estudantes de sua escola entrou. Julia as reconheceu imediatamente e já respirou fundo. Ashley Stuart e sua gangue. Esses era um dos momentos que faziam Julia acreditar com firmeza que o universo a odiava. Aquela era uma loja pequena em um bairro, o que elas estavam fazendo lá, elas são ricas.

As garotas pegaram alguns salgadinhos, raspadinha e algumas bebidas. Então 2 delas foram para o caixa enquanto as outras continuaram andando pela loja. Ashley foi para o caixa balançando uma latinha de refrigerante na mão.

― Só isso? ― perguntou Julia em tom frio, desejando que elas fossem logo embora.

― E essa latinha ― respondeu Ashley com um sorriso de superioridade de que quem estava pronta para causar problemas.

― 15 dólares ― disse Julia.

― Aqui — disse Ashley entregando uma nota de 20 dólares.

Julia colocou as compras em uma sacola, pegou o troco e estendeu para Ashley.

— Sabe meninas, esse troco é muito pequeno acho que nem adianta guardar — disse ela para as amigas.

— Acho que você deveria dar pra um mendigo — disse uma das garotas.

— Mas onde eu vou encontrar alguém tão deplorável? Espera! — falou Ashley virando novamente para Julia — Achei!

Julia fechou os punhos tentando conter a raiva e ficou alí sem falar nada enquanto todas as garotas na loja riam dela. Não era a primeira vez que Ashley e as amigas diziam coisas para humilha-la.

— Toma, mendiga — disse Ashley jogando o dinheiro em Julia.

Ashley deu um sorriso se sentindo superior enquanto todas as outras garotas riam e derrubavam coisas das prateleiras.

— Opa! — disse uma das garotas depois de derrubar de propósito algumas embalagens de salgadinhos.

— Vamos meninas antes que a gente pegue o azar dela — disse Ashley.

Todas as garotas pararam de vandalizar a loja e saíram ainda rindo de Julia e a chamando de perdedora. Ashley foi a última a sair da loja, antes de passar pela porta ela abriu a latinha que estava balançando e a jogou no chão da loja. A latinha girou e espalhou refrigerante por todo o chão da loja.

Julia olhou para os 5 dólares que foram jogados nela enquanto a latinha rodava no chão da loja e sujava tudo. Julia se perguntou o que deveria estar sentindo naquele momento. Raiva? Tristeza? Frustração? Será que ela deveria chorar? Gritar? Querer bater naquelas garotas? Esses seriam sentimentos normais para alguém naquela situação. Mas Julia não teve nenhuma reação naquele momento. É claro que ela não estava bem com aquilo, mas faria diferença se ela desse ouvidos a qualquer um daqueles sentimentos?

Assim que a latinha parou de girar Julia começou a limpar. Ela jogou a latinha no lixo, limpou o chão e juntou tudo o que as garotas tinham derrubado. No geral não demorou muito para ela terminar.

Depois que Julia guardou o esfregão ela foi em direção ao caixa e viu novamente os 5 dólares em cima do balcão. Julia pegou a nota na mão e olhando para ela a garota sentiu o sangue ferver. Julia segurou a nota e olhando para ela começou a gritar, jogando toda a sua frustração para fora. Depois de perder o fôlego de tanto gritar Julia se abaixou, sentindo a força nas pernas ir embora, e começou a chorar. Julia estava tão imersa na situação quem nem percebeu um garoto entrando na loja.

— Uau — soltou o garoto que parecia ter a mesma idade de Julia — Nunca vi alguém tão brava com dinheiro.

Julia se levantou rapidamente com um sobressalto, e enxugou o rosto com as mãos. Ela se sentiu um tanto constrangida e apenas ficou alí imóvel sem saber o que fazer.

— Hey, eu posso perguntar uma coisa? — disse o garoto se aproximando um pouco dela.

Julia apenas levantou a cabeça e olhou para o garoto, mas não teve coragem de dizer nada. Quando ele viu que Julia não ia dizer nada ele continuou.

— Você gosta de sorvete? — perguntou o garoto levantando dois sorvetes do freezer que ficava na frente da loja — Esse está em promoção, compre um leve outro, mas eu só consigo comer um. Você quer o outro?

— Quê? — falou Julia confusa.

— Na verdade é que eu não queria comer sozinho hoje — explicou o garoto.

Julia olhou para o garoto tentando entender. Ela a tinha visto gritar e chorar e não tinha perguntado nada e agora a estava lhe oferecendo um sorvete só para ter uma companhia para comer. Ele era, com toda certeza, muito estranho.

Enquanto Julia o encarava o garoto apenas abriu um sorriso e balançou o sorvete em frente ao rosto.

***

Os dois sentaram nos bancos da loja virados para janela. De início nem um dos dois falou nada, apenas tomavam o sorvete olhando para rua, até que ele decidiu quebrar o silêncio.

— Sempre que alguma coisa me deixava muito triste, minha avó me comprava um sorvete — ele disse sem olhar para Julia — Ela dizia que memórias ruins são como queimaduras se você não resfriar rapidamente vai ficar marcada pra sempre. E o sorvete e o único jeito de resfriar a mente. Verdade!

Ele então virou para Julia e deu outro sorriso. O sorriso dele era o tipo de sorriso contagiante que faz você querer sorrir também. Mas Julia viu que no fundo dos olhos dele havia um toque de tristeza escondida.

— Meu pai dizia algo parecido sobre comida picante — falou Julia — Ele dizia que a pimenta queima todos as memórias ruins.

— Será que deveríamos estar comendo algo picante então? — questionou o garoto.

— Não, mas talvez tenhamos errado a ordem — sugeriu Julia — Deveríamos primeiro ter queimado as memórias ruins e depois resfriado as queimaduras.

O garoto riu e, sem parecer, Julia também.

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