Capítulo 2

Julia foi buscar Bel na escolinha como sempre, excerto no dia em que Leia saía mais cedo do trabalho. A metade dos colegas de Julia ia para cursinhos ou aulas particulares depois da escola, e ainda outros iam para fliperamas ou shoppings, mas Julia não. Até pouco tempo atrás Julia tinha um trabalho logo depois da escola, mas foi mandada embora depois que o chefe descobriu que ela levava Bel para o trabalho e a deixava desenhando embaixo do balcão. Julia sabia que teria que arrumar outro emprego para substituir esse, apenas o trabalho noturno na mercearia não ajudava muito.

― Tia Ju ― disse Bel abraçando Julia.

― Oi, coelhinho ― respondeu Julia ― Como foi o seu dia?

― Foi muito legal. A Dora falou que a mãe dela comprou um vídeo game com karaokê ― contou Bel toda animada.

― Que legal ― respondeu Julia com um sorriso. Julia só sorria quando estava com Bel.

― Podemos fazer isso também? ― perguntou Bel muito animada.

― Ah? ― questionou Julia.

― Karaokê ― respondeu Bel.

Julia conhecia alguns karaokês que não eram caros, mas em qualquer um deles correria o risco de encontrar garotas de sua escola e Julia não queria que Bel descobrisse como elas a tratavam.

― Eu tenho uma ideia ― respondeu Julia com um brilho no olhar.

Quando Leia chegou em casa Julia e Bel estavam cantando a toda altura usando estojos como microfone e dançando imitando a coreografia do grupo de K-pop. Julia tinha colocado à musica para tocar no celular; elas não tinham mais televisão desde a penúltima visita dos agiotas. Leia colocou as sacolas com comida no chão e começou a dançar com as duas. As três cantaram a plenos pulmões até o fim da música.

― O que é tudo isso? ― perguntou Julia, assim que a música acabou, vendo as sacolas.

― Nosso jantar ― respondeu Leia começando a tirar as coisas da sacola.

― Mas o que... ― soltou Julia vendo a quantidade de doces, bolos e pães que tinham nas sacolas ― Onde você arrumou dinheiro para isso?

― Meu novo chefe ― respondeu Leia.

― Uau ― disse Bel admirada com tantos doces ― Seu novo chefe deve ser um príncipe! Isso parece comida de castelo!

― Bel vai lavar as mãos ― disse Julia mandando a sobrinha para o único outro cômodo do apartamento.

― Mas elas estão limpas ― disse Bel ansiosa para comer logo.

― Vai logo ― mandou Julia.

― Tá bom ― disse Bel indo em direção ao banheiro desanimada.

― E não esquece de seguir o passo a passo, eu vou te perguntar todos depois ― falou Julia.

O comentário fez Bel fecha a porta do banheiro frustrada com a tia, que era exatamente o que Julia queria.

― Por que ele te deu tudo isso? ― sussurrou Julia.

― Ele não me deu, ele é doido. Ele me mandou comprar tudo isso, depois não quis. E eu não ia jogar tudo fora ― sussurrou Leia de volta ― Ainda dei um monte de café para o pessoal da empresa.

― Então, não tem o risco dele estar dando em cima de você, tem? ― perguntou Julia.

― Claro que não! ― respondeu Leia em choque com a ideia ― É impossível!

― Por que, impossível? Você é linda, se isso fosse uma comédia romântica você seria a protagonista ― continuou Julia.

― Você está assistindo filme de mais.

― Não estou assistindo filme nenhum, a gente não tem tv ― provocou Julia.

― Está me dizendo que não assiste pelo celular? ― questionou Leia.

Julia sempre assistia comédias românticas dos anos 2000 pelo celular com a sobrinha; Bel amava filmes e séries de romance.

― Prontinho ― disse Bel saindo do banheiro mostrando as mãos ― Posso comer agora?

― Primeiro o passo a passo ― disse Julia.

― Molha a mão, coloca sabão, esfrega a palma, entre os dedos, depois o pulso e aí enxagua ― respondeu Bel com cara de brava.

Leia deu um riso do rosto zangado da filha. Julia a puxou a sobrinha, a abraço e fez um carinho bagunçando o cabelo da pequena. Leia admirou a cena por um segundo, que parecia em câmera lenta, depois se aproximou e pegou as duas em um único abraço.

***

― Ficou afim dela? ― perguntou Hugo no telefone.

― Enlouqueceu? ― gritou Liam.

― Eu que pergunto, por que foi tão bonzinho com ela? ― questionou Hugo.

― Do que você está falando?

― 30 minutos? É sério? Quando eu comecei a trabalhar para o senhor me fez ficar 3 horas de pé, depois me mandou buscar 5 caixas muito pesadas e me proibiu de usar o elevador. Eu tive que subir 4 lances de escada 3 vezes ― lembrou Hugo.

― Eu precisava testar a sua resistência ― disse Liam se justificando.

― E por que a minha tinha que ser mais testada que a dela? ― perguntou Hugo.

― Ela só vai ficar 2 semanas não precisa ser perfeita ― explicou Liam.

― Então é porquê ela vai ficar só 2 semanas? E que tal aquele cara que foi me substituir quando o meu avô morreu? Você pegou mais pesado com ele do que comigo e ele ia ficar só 3 dias ― argumentou Hugo.

― Queria que eu tratasse ela igual um homem? ― questionou Liam.

― Então é por quê ela é mulher? Que tal então aquela moça que ficou no meu lugar quando...

― Não! Aquela mulher não sabia nem falar direito. Algum idiota a contratou ela só porquê era bonita ― disse Liam cortando-o com raiva só de lembrar.

Hugo começou a rir só de lembrar o quanto Liam ficou irritado falando de quando a mulher perguntou se ele queria que ela “reguase as prantas”. Liam não entedia como Hugo poderia ver graça nisso.

― HUGO! ― gritou Liam.

― Me desculpe senhor, mas é impossível não rir nessa situação. Ai! ― disse Hugo sentindo a dor da cirurgia depois de rir tanto.

― É isso que você ganha por rir de mim ― disse Liam se sentindo vingado ― Bem feito!

― Valeu a pena ― disse Hugo em resposta.

― Olha que eu desligo ― avisou Liam.

― Pra fazer o que? Eu sou seu único amigo e você não tem hobbies, nem namorada ― disse Hugo.

― Ei!

― Enfim, eu andei pensando no seu plano de casamento e encontrei algumas pretendentes para o senhor ― disse Hugo mudando de assunto.

― Você está hospitalizado, e dando uma de cupido? ― comentou Liam.

― Ficar sem fazer nada me deixa estressado ― explicou Hugo ― Enfim vai querer saber o que eu descobri?

― Fala ― falou Liam.

― Certo ― disse huy assumindo seu tom de Secretario ― Fiz uma lista com 15 moças de boas famílias, que estão em idade de se casar. Quer que eu marque o primeiro encontro?

― Me mande a lista, vou dar uma olhada primeiro ― respondeu Liam no tom que usava quando estava em reuniões de negócios.

― É melhor eu começar a procurar mais moças, você vai eliminar metade da lista ― disse Hugo em tom depressivo.

― Ei você deveria estar descansando ― brigou a enfermeira vendo Hugo com o notebook no colo.

― Eu tenho que ir ― disse Hugo desligando o celular.

Liam riu imaginando a enfermeira gritando e tentando arrancar o notebook das mãos de Hugo. Mas ele merecia, como poderia pensar em algo tão absurdo quanto ele estar a fim daquela senhorita. Bom, ela até era bonita, mas como ele poderia se interessar por uma funcionária, isso seria extremamente inapropriado.

― Ele realmente tem um parafuso a menos ― disse Liam pensando em voz alta.

Liam ouviu o celular vibrar, era uma mensagem de Hugo com as pretendentes. Só de dar uma olhada ele já eliminou 4 moças da lista, Hugo tinha razão, não que Liam fosse admitir isso para ele. Mas também era culpa do Hugo, ele deveria saber que Liam jamais aceitaria essa senhoritas. Hugo também as conhecia, elas eram insuportáveis.

A primeira senhorita que Liam eliminou, ele já tinha conhecido em uma festa beneficente. Ela passou meia hora falando sobre seu vestido, que só tinha um no país e 3 no mundo. Conversar com ela fez Liam querer dar com a cabeça na parede e desmaiar só para poder acabar com isso. A segunda eliminada Liam conheceu em uma partida de golfe com seu pai e alguns investidores. Ela passou o jogo inteiro se gabando. Ela falou sobre onde estudou, os projetos em que trabalhou, os artigos em que ela apareceu. Ela não fez nenhuma pergunta sobre ele ou qualquer uma das pessoas com quem eles estavam jogando.

As outras 3 seguiam o mesmo padrão, ou eram fúteis ou narcisistas, as duas coisas que ele mais odiava. Liam só conhecia uma pessoas que odiava essa características mais do que ele, sua mãe.

Esse plano só daria certo se ele encontrasse alguém que sua mãe gostasse, alguém que a fizesse ficar animada com o casamento e talvez até com o futuro.

A Madame Fisher não era nada tradicional. Não apresentaria objeções em relação a mulher com quem ele escolhesse se casar, mesmo que ela não fosse de boa família ou não tivesse grande escolaridade. Se ela não gostasse da pessoal ficaria calada e diria apenas que estaria feliz se ele também estivesse. Mas se gostasse isso se tornaria um verdadeiro carnaval. Ela iria querer estar na prova do vestido, ajudar a escolher as flores, escolher o cardápio, contratar um cantor para música ao vivo, e talvez até mesmo querer ajudar a escolher a mobília para sua nova casa.

Enquanto Liam pesava sobre o assunto seu celular tocou novamente mas ao invés de uma mensagem dessa vez era uma ligação, de seu pai. Liam respirou fundo antes de atender.

― Alô ― disse Liam ao atender.

― O que você vai fazer amanhã à noite? ― perguntou o Presidente Fisher.

― Por que? Vai me chamar para um encontro? ― brincou Liam.

― Moleque insolente! ― resmungou o Presidente Fisher ― Sua mãe quer que você venha jantar.

Desde que Liam tinha descoberto da doença de sua mãe ele ficava meio tenso em estar com ela, mas ao mesmo tempo sabia que mais do que nunca seu tempo com ela era precioso. Mas era tão difícil fingir que não sabia de nada. Se ele ainda morasse em casa seria impossível.

― Tá bom ― disse Liam ― Eu vou.

― Não se atrase ― disse o Presidente Fisher desligando o telefone.

Liam revirou os olhos. Seu pai era tão sensível quanto uma pedra, toda a emoção era tarefa de sua mãe. Seu pai sempre foi mais o presidente do que um pai. Ele sim, seria um problema em ralação as pretendentes. Ele não aceitaria ninguém que não considerasse apropriada. As 4 moças que Liam eliminou da lista ele conheceu graças a seu pai, que teria aprovado qualquer uma delas só por serem de família rica. Enfim, ele pensaria sobre isso outro dia, agora ele iria terminar de olhar a lista e ir dormir.

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