Capítulo 02

ALEJANDRO

OS RUÍDOS QUE SAÍRAM por entre os meus lábios penetraram na escuridão. Meu corpo todo estava em chamas e o suor descia pela minha face. Meu coração batia muito forte, enquanto os meus pulmões estavam funcionando aos espasmos.

Lutando contra a dor aguda que me envolveu por completo, consegui alcançar o abajur e no instante em que a claridade invadiu o ambiente, por uma fração de segundo fechei os meus olhos e, quando os abri novamente, assim que meu olhar ficou fixado na enorme cicatriz em meu peito, as lembranças que tanto tentei esconder invadiram a minha mente.

Trinta anos atrás...

— Por favor! Tenha piedade.

— Faça agora, Alejandro!

Minhas mãos não paravam de tremer enquanto eu segurava firme o objeto, que no final da sua extensão estava em brasas. Sem que eu pudesse controlar, as lágrimas surgiram no meu rosto e com a voz carregada de medo, levantei a cabeça, me deparando com os olhos do homem que não refletiam nada, além de um ódio descomunal.

— Eu não consigo — falei, enquanto o homem que estava ajoelhado no chão não parava de se debater e gritar, tamanho era o seu pânico. Mas, a voz horripilante do meu pai logo me tirou do estado catatônico que me encontrava, fazendo um tremor violento tomar conta de todo o meu ser.

— É permitido chorar, Alejandro?

Sacudi a cabeça em negativa, pois a minha garganta se fechou e nem a minha própria saliva descia por ela. No entanto, o meu gesto só o deixou mais possuído de raiva.

— Tudo que você precisa é só encostar o ferro no peito desse desgraçado.

Todo o meu corpo paralisou, eu permaneci no mesmo lugar, totalmente imóvel. Segundos, que foram o estopim para a raiva do meu pai atingir cada polegada do seu corpo e num movimento brusco, ele pegou o objeto escaldante das minhas mãos e pediu que um dos seus homens me segurasse. E, em seguida minha camisa foi arrancada do meu corpo.

— Você vai aprender que medo ou esses sentimentos tolos não podem fazer parte da sua vida. Um maldito ladrão deve receber a punição que merece e como meu único herdeiro, terá que comandar tudo isso e não será demostrando fraqueza que se tornará temido por todos.

Suas palavras no tom frio ecoaram no espaço e quando ele moveu o objeto em minha direção, a voz de Joseph reverberou no espaço.

— Senhor! Ele é só um menino.

— Calado ou você será o próximo.

O que veio em seguida foi o pior momento de toda a minha vida. Eu nunca havia sentindo uma dor tão imensurável, capaz de fazer cada fibra do meu corpo latejar, ao ponto de eu perder o controle das minhas ações e fazer xixi nas calças, tamanha foi à dor que envolveu todo o meu ser.

Como num estalar de dedos, eu fui arrancado dos meus devaneios e imediatamente me levantei indo em direção ao banheiro.

Naquele dia, eu aprendi que jamais deveria ter medo. Que piedade não fazia parte da vida de um Casillas, pois o meu pai havia quebrado algo dentro de mim, que jamais seria restaurado. Ele me moldou para me tornar tão sombrio quanto ele era e, se ainda existe algum fio de luz dentro de mim, deve ser por influência de Joseph, que contra as ordens do seu chefe e tudo de ruim que meu pai me ensinava, ele sempre dizia que eu deveria escolher quem realmente queria ser.

Assim como perdi a minha mãe antes mesmo de conseguir dar os meus primeiros passos, quando completei a maior idade, o homem que nunca me tratou como um filho: morreu. Mas eu, Alejandro Casillas, em pouco tempo conquistei muito mais que o meu pai que se julgava tão superior, não só me tornei temido, mas respeitado e uma coisa jamais irei esquecer.

Um traidor, um ladrão não merece piedade.

Três dias depois...

— Alejandro!

O som da voz de Joseph soou do outro lado da porta. Olhei para o relógio em meu pulso, eram quase cinco horas da manhã. Com passos largos, fui em direção à porta e assim que ela foi aberta, novamente o som da voz do meu fiel companheiro ressoou no espaço.

— Tudo está pronto.

— Então vamos!

Passamos pelo longo corredor e depois descemos os inúmeros degraus e ao passar pela porta dupla de madeira, um sorriso surgiu em meu rosto. Meus olhos ficaram cravados nos três monstrinhos a minha frente, que foram treinados exatamente para uma situação dessas e ao meu comando, eles irão estraçalhar qualquer infeliz.

— Hoje eu farei aquele miserável lamentar por cada dia da sua existência.

EMMA

Acordei logo nas primeiras horas da manhã. Meus pais ainda estavam dormindo, enquanto eu e Luana já estávamos prontas. Havia colocado uma roupa toda preta. Puxei o capuz do casaco, cobrindo minha cabeça. E com as lanternas em mãos, seguimos para o lugar que se tornou parte da nossa rotina.

Teríamos pouco tempo antes que a escuridão da noite desse lugar de vez a claridade do dia e, aproveitando que esse horário era o melhor para que ninguém viesse a nos descobrir, com passadas precisas e apressadas, seguimos o nosso caminho. Embora já conhecesse o trajeto como a palma da minha mão, e, até de olhos fechados conseguiria chegar ao meu destino, tanto eu, quanto Luana gostava de trazer as lanternas, minutos se passaram até que chegamos ao refúgio da minha irmã.

Enquanto ela ficou me aguardando, com a sacola em mãos, aumentei o ritmo dos meus passos. Instante depois, andando praticamente nas pontas dos pés, entrei no galinheiro e as coitadas pareciam que já estavam tão acostumadas com a minha visita, que o ambiente permaneceu em silêncio.

Eu estava com a sacola cheia, peguei tudo para que só precisasse voltar na próxima semana. Mas, o silêncio foi cortado pelo pio de uma coruja, fazendo tremores percorrer todo o meu corpo. Aquilo era um presságio de morte iminente, não perdi tempo e saí rapidamente dali.

No entanto, assim que ouvi sons de vozes se aproximando e o latido de cachorros, meu coração gelou. Saí feito uma louca, morrendo de medo, pois já estava acostumada com o peso da sacola. Meu coração estava a ponto de sair pela minha boca, meus pulmões funcionando a todo vapor e quanto mais eu corria, sabia que estava sendo seguida, pois os latidos dos cães eram cada vez mais altos. Naquele momento eu só conseguia pensar na minha família e quando já estava me aproximando de onde a minha irmã estava, com toda minha força, joguei a sacola a distância e me movi em outra direção.

Seja quem for, eu não poderia deixar que pegasse Luana. Mas, não demorou muito para que o meu corpo fosse de encontro ao chão e várias patas ser colocadas em cima de mim. Levantei a cabeça me deparando com três cães furiosos, mostrando seus dentes afiados.

"— Este será o meu fim” — pensei apavorada.

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