A ansiedade tomava conta de mim desde o momento em que marquei a consulta. Descobri que Isaías havia retornado a rotina do seu hospital. Usei o nome Helena Misk — meu segundo nome e o sobrenome de solteira da minha mãe — porque sabia que, caso usasse meu nome real, Isaías declinaria. Ele me conhecia bem o suficiente para evitar o confronto, mas eu também sabia como usar as ferramentas à minha disposição para conseguir o que precisava. Ao entrar no hospital, senti meu coração disparar. Parecia que cada passo que eu dava era mais pesado que o anterior. Meu peito doía com o nervosismo, minhas mãos estavam suadas, e eu tinha a sensação de que todos podiam ouvir o tumulto que acontecia dentro de mim. Mas eu precisava continuar. Era agora ou nunca. A tela na recepção disparou a chamada, anunciando que o Doutor Castellar me esperava no consultório cinco. Respire
O silêncio no carro era tão pesado que parecia ter forma. Ele se espalhava pelo espaço fechado como uma neblina densa, engolindo qualquer tentativa de conversa. Enquanto Isaías permanecia imóvel, com os olhos perdidos em algum ponto distante, minha mente era um caos. Mil pensamentos corriam ao mesmo tempo, todos focados no que eu estava prestes a fazer. As palavras se misturavam, minhas inseguranças gritavam, e o medo do desconhecido me apertava o peito como um peso insuportável. Isaías sinalizou para o motorista, que esperava instruções. Respirei fundo e passei o endereço com uma voz firme que eu nem sabia que possuía. Por fora, talvez eu parecesse firme, mas por dentro eu era um turbilhão de sentimentos. Não olhei para Isaías enquanto o carro partia; sabia que ele estava mergulhado em seus próprios pensamentos, tão inacessíveis quanto a lua no céu. O caminho até o ender
A vida é estranha algumas vezes. Por mais que você se dedique a ela, a tentar compreender. A verdade é que essa compreensão nunca te alcançará. E comigo não foi diferente. Estar diante do túmulo da minha filha, não era algo fácil, mas muitas vezes nosso passado é a cura para o presente de alguém. E nesse caso, poderia ser o de Isaías. Ouvi passos atrás de mim. Isaías se aproximava, mas parou a poucos metros de distância. Não disse nada. Não precisava. Eu me virei lentamente, encontrando seu olhar. Ele estava fixo na lápide, os olhos endurecidos, mas havia algo mais ali. Algo que ele não conseguia esconder. — Ela se foi poucos meses depois de ter descoberto a traição do seu irmão — comecei, minha voz quebrada. — Eu sempre me cuidei quanto a isso, mas o danado do destino quis levar mais uma com a minha cara. Além de ser traída pelo Den
Isaías ainda estava calado, observando a lápide à sua frente.— Enquanto lágrimas silenciosas escorriam pelo meu rosto, eu soube que estava diante de um milagre. Alice não era apenas minha filha. Ela era a prova viva de que, mesmo na adversidade, a força pode surgir, inesperada e transformadora. Desde aquele primeiro instante, ela mostrou ao mundo que era uma guerreira. E eu sabia que faria de tudo para honrar essa força, para lutar ao lado dela em cada batalha que ainda viesse. Naquele momento, soube que, mesmo diante do caos, nós duas lutaríamos juntas. Alice era minha força, minha razão, e eu faria qualquer coisa para vê-la crescer e brilhar, apesar de todas as dificuldades. Respiro fundo. Essa era a primeira vez desde o ocorrido que falava para alguém da minha perda. — Minha florzinha foi uma guerreira. Lutou com todas as forças por sua vida, incansavelmente, desde o primeiro instante. E enquanto ela lutava, eu também travava minha própria batal
— A dor de perder minha filha nunca deixou de ser uma sombra em meu coração. Acabei confessando. — Alice Leclerc Foster, minha pequena florzinha, se foi muito antes do que deveria, e com ela, uma parte de mim também desapareceu. Os dias que se seguiram à sua partida foram como um deserto sem fim, onde cada passo era um esforço e cada noite, um abismo. A ausência dela era algo que eu não sabia como preencher. Respirei fundo, tentando conter a emoção. — Mas a vida tem formas misteriosas de nos oferecer recomeços. Quando Denis e Ana confiaram Alice a mim, confesso que hesitei. Não sabia se teria forças para ser o que ela precisava. A dor da perda ainda era tão intensa, tão cravada dentro de mim, que eu temia que a mesma dor de perder alguém me atingisse novamente. A ideia de amar outra criança, de criar um vínculo que pudesse ser arrancado de mim, me paralisava. Mas então, a surpresa: ela tinha o mesmo nome da minha florzinha. Alice. Isso mexeu tão profun
Ficamos ali, imersos no silêncio, enquanto o vento suave brincava entre as árvores, sussurrando palavras que não dizíamos, mas que de alguma forma compreendíamos. O ambiente estava calmo, mas havia uma tensão palpável, como se o peso das nossas dores finalmente tivesse encontrado um espaço para descansar. Cada um preso em seus próprios pensamentos, mergulhado nas memórias de perdas que ainda nos consumiam, mas, ao mesmo tempo, compartilhando o fardo invisível que havia sido carregado sozinho por tanto tempo. Era estranho. Estranho e ao mesmo tempo reconfortante. Porque, mesmo sem palavras, algo havia mudado. O silêncio, em sua vastidão, se tornou a ponte que nos conectava, uma conexão sutil que transcendia qualquer comunicação verbal. Aquela quietude que antes parecia pesada agora trazia uma sensação de leveza, como se, por um momento, o mundo tivesse desacelerado, nos permitindo respirar, finalmente, depois de tanto tempo.Eu olhei p
Isaías se foi sem olhar para trás, e, embora a ausência dele estivesse se tornando um eco doloroso em cada canto da minha vida, eu sabia que não poderia retê-lo. O amor, depois de tudo o que já havia acontecido entre nós, não era algo que pudesse ser forçado. No fundo, eu sabia que amor não se exige, não se cobra, e, pois se fosse assim, ele deixaria de ser amor e se transformaria em cobrança.A liberdade sempre foi uma parte essencial do que nos uniu, e agora, mais do que nunca, era o que ele precisava.No começo, foi difícil. O silêncio, que agora preenchia os dias, era como uma tempestade interna que tentava me consumir. Mas, ao mesmo tempo, eu sabia que, se quisesse que ele fosse feliz, se quisesse que esse sentimento que compartilhamos fosse verdadeiro e duradouro, precisava deixá-lo fazer a escolha que fosse melhor para ele.Amor não é controle; é a capacidade de aceitar a liberdade do outro, mesmo quando isso nos corta por dentro. E,
Eu sabia que o que estava prestes a fazer não seria fácil. Havia um peso em meu peito que carregava há tanto tempo, um fardo que me acostumei a suportar sozinho. Alby sempre teve essa habilidade de ser meu ponto de equilíbrio, alguém que me compreendia com um simples olhar, sem precisar que eu dissesse uma palavra sequer. Mas hoje, eu precisava mais do que sua compreensão silenciosa. Precisava abrir meu coração e deixar que ela soubesse o que realmente me consumia por dentro. Passei noites em claro, repassando cada lembrança, cada momento que me trouxe até aqui. Cada escolha, cada perda, cada dor que me mudou. Não foi fácil encarar essas sombras sozinho, mas cheguei à conclusão de que não poderia mais viver assim. Não podia continuar aprisionado pelos ecos do meu passado. Era hora de mudar, de virar a chavinha, de permitir que a luz entrasse novamente onde só havia escuridão.<