Capítulo 2

Na manhã seguinte, fui ver a dra. Vânia, a psicóloga e terapeuta. Contei tudo pra ela. Do silêncio da casa, das últimas com o Beto. Sobre exatamente, tudo.

Ela ficou me olhando, o tempo inteiro. E esperou eu terminar. Concordava com tudo. Balanceava a cabeça. Quando finalmente terminei com: e eu não sei qual é a dele!

- Entenda, que o que disser, não faz sentido, eu não trato ele. Não posso adivinhar o que se passa com ele. Eu tento me esforçar com você. Afinal, você quem é minha paciente. Eu prezo teu bem extar.

Conversamos. Ela me fez entender tais coisas. Em mim, com o ponto de vista dela. Ela me ajuda muito. Ela não resolve meus problemas, mas me dá uma orientada. Ela é aquela voz que diz sempre siga em frente. De um jeito mais profissional e diferente.

Eu fico mais confortável com ela. Ela fala que sou eloquente. Mas eu sou só com ela. As vezes a Flávia eu só escuto. Mas com a psicóloga não, eu falo, falo, falo e até chego a pensar: Coitada! Até agora ela não me sugeriu, nada de novo. Então está tudo sob controle.

-Obrigada, Dra.!

- Daniela!

- Oi?

- Boa sorte!

Talvez era o que eu estava precisando mesmo.

Os meses foram passando... já estava chegando meu aniversário.

Não falei pra ninguém. Mas lembrei de perguntar o do Beto, mas eu queria perguntar de uma maneira que não parecesse bobo. Que ele pensasse tipo, por causa de signo...ah! Eu não ligo para essas coisas, mas sério meninas, eles percebem e pensam que perguntamos para saber algo do tipo!

A grande maioria dos meus amigos, eu Daniela falando, eles ressaltam, "ah por causa do signo". Bom, não vou perguntar agora, vou esperar um momento certo. Aprendi que tudo tem seu tempo.

Já era final de semana, e assim nós dois combinamos, nos vemos sempre aos sábados, e talvez aos domingos, dá tempo de sentir saudade, e a gente não enjoa assim com facilidade.

Era domingo, dia do meu aniversário, eu não falei nada. Mantive segredo. Estava louca para perguntar o dia dele, mas ele ia querer saber o meu, e justamente naquele dia, eu estava completando 29 anos.

Meu telefone toca,

- Já estou procurando casa!

Era a Flávia, ela já estava tomando conta de tudo. 

- Então Beto, o que você mais gosta de fazer nesta cidade?

- Surfar! Apesar que não tenho ido com frequência."

- Pretende ficar aqui para o resto da vida?

- Meus pais, moram aqui. Tenho meus amigos, você, minha rotina! E você, sra. Daniela?"

- Preciso te contar uma coisa.

- Diga!

Acontece que a minha amiga Flávia, está querendo ir embora, e me convidou pra ir morar junto!

- Ah, legal, vocês duas se dão bem. E para onde?

- Viamão!

- Onde fica isso?

- Na terra dos pais dela, Rio Grande do Sul.

- Rio Grande do Sul, Daniela?" Me confrontou apavorado. Eu gesticulei positivamente com a cabeça. Ficamos em silêncio por vários minutos.

Olhando o mar, escutando as ondas, sentindo o vento, nossos rostos, penetrados pelo sol, tocando nossa pele.

- É o que você deseja? Beto quebrou o silêncio.

- Não sei, acho que sim, com um talvez não.

- As coisas andam muito confusas ultimamente. Queria ter certezas. Não se pode adivinhar o tempo inteiro.

- Concordo. Mas o que você acha que é difícil de dizer?

Sim, é. Pensei! Fiquei quieta. Afinal o que ele queria? Esse tempo inteiro!

- E você Beto? Acha difícil de dizer as coisas?

- Não, quando se quer falar de verdade não há empecilhos e impossibilidades."

Entendi! Eu estava gostando do rumo da conversa, eu estava conhecendo mais o Beto.

- E o que você quer no momento? Perguntei.

- Eu? O que você quer ouvir? Disse ele.

- O que você tem para dizer. Os teus planos, o que faz parte, o que não faz, sobre você.

- Você não reparou nada?

- E tem coisas que são reparáveis?

- Muitas! Disse-me.

Eu não gosto desse tipo de expressão, você é péssimo em artes cênicas, pensei. Continua advogando!

Ele foi chegando perto. E eu saindo de fininho.

- Me tira uma dúvida?

- Qual?

- Porque você foge?

- Eu não sei tuas intenções comigo!

- Ah, é isso?

- Sim!

- Quer namorar comigo? Perguntou ele.

No dia do aniversário dela.

O sorriso de canto, coloquei o cabelo atrás da orelha.

Eu cheguei bem perto dele e falei sim, bem baixinho.

E assim, foi dando certo.

Poxa, Beto... eu já estava quase desistindo. Nossa que difícil. Mas estava melhor antes, pois agora, entraria toda aquela burocracia de compromisso.

Conversei com ele. Passamos o dia de domingo, na praia, de frente pro mar conversando. Ele concordou com tudo.

Me fez jurar até de "dedinho" sobre assuntos que fomos conversando dos quais ele queria ter certeza. Jeito nosso de conversar, parecíamos dois adolescentes, bobos!

Aos poucos eu fui conhecendo outro Beto. O homem culto estava, mais suave, tranquilo a vontade, é, e carinhoso. Desde o início eu mencionei que não deixaria de fazer as minhas coisas por causa dele. Qualquer coisa.

Ele concordou em praticamente tudo.

Eu disse que no Rio, eu só tinha a Flávia. E ele agora, poucos amigos, apesar de vários conhecidos. Ao contrário dele que era popular em várias cidades e estados. Inclusive no Sul, pelo o que ele foi falando.

Mas até aí tudo bem. Nós estávamos nos conhecendo e ele não era obrigado a contar tudo! Eu também não falava quase nada a respeito da minha vida. Até porque não tinha nada em oculto. Essa gente é meia assim, reservada! Mas faz sentido mesmo. Eu também não suporto que ninguém invada a minha vida e privacidade. Principalmente se for o namorado bancando o ciumento. Acho chato o vasculho. Dou preferência a uma boa conversa. E eu nesse tempo todo, não procurei olhar as redes dele, ou coisa assim. Exceto suas fotos. Eu ficava olhando algumas vezes, ele disse que fazia o mesmo. Aos poucos ele foi me contando tudo.

O dia estava terminando. Ele me deixou na porta do prédio. 

- Flávia, o Beto me pediu em namoro.

"Eba, mais um motivo pra fazer festa, amiga!"

Bem assim ela me mandou na mensagem de texto. Ela ficou tão feliz.

Na quarta-feira daquela semana, fomos convidados pra ir jantar no André. O André me passou umas dicas, levei meus textos dos quais ele adorou, falamos sobre um projeto dele, do qual queria que eu fizesse parte, eu disse que ia pensar. O Beto ficou super feliz, me deu total apoio. Porém pedi ao Beto, que não mencionasse nunca, nossas conversas, planos e etc, principalmente a eventual mudança de estado. Afinal, não estava nada certo.

Eu reagi com o sorriso de lado. O cabelo atrás da orelha. Ele entendia meu olhar, nós conversávamos sem dizer uma palavra.

Nós dois tínhamos nossos comandos. Bastava um toque ou um olhar pro outro e ele sabia quando eu não estava bem em algum lugar, se queria ir embora sem ser constrangedor ou talvez chamar atenção e fossemos notados. Não tinha discórdia. Nós mantínhamos a educação, tudo na maior singeleza.

Nós éramos aquele casal, que não havia vulgaridades em público. Porém sozinhos, éramos iguais crianças. Claro, que tínhamos uma compostura, eu não queria parecer muito boba. Mas o Beto, já sabia todos os meus porquês da vida e motivos. E ele disse que o que eu falava, a minha vida e história, explicava muitas coisas.

- Mais eu te admiro, ainda!

Chegou sábado, estava tudo certo. Nesse dia nós não nos vimos, ele estava ocupado. Me falou os motivos dele. Eu aproveitei, almocei com a Flávia, demos umas voltas, fizemos umas compras, aproveitei a carona mesmo.

- Então, pensou na minha proposta? Agora com o Beto na história.

- Flávia essa situação é delicada, não quero falar disso agora.

Era quase dezembro, e ela queria uma resposta. A proposito casa com três quartos. Mania de tudo pra última hora e eu precisaria ajeitar tudo, entrega do apartamento, mudança e etc.

Aquela noite eu devia pensar um pouco, planejar um pouquinho. Pensar nas coisas. Estava na hora. Comecei a pesar tudo na balança, estava tudo quase equilibrado. Faltava o quê pra dar certo? A Flávia não indo embora. 

Minha mãe diria, "não nasceu com ela."

Mas eu de certa forma, já era sozinha. E com ela era tudo diferente, sempre do lado.

Mas pensei. Fiquei a noite acordada. Já era domingo.

Bom dia! 6h27

Tomei a iniciativa, mandei para o Beto.

Ele acorda cedo. Esperei, uns dez minutos, tinha fechado a aba, e ido ver outra coisa. 

Já se passaram quinze minutos. 

Visto por último ontem, ás 22h52.

Bem o Beto responde daqui a pouco.

Levantei fiz um café. Tomei um banho. Naquele domingo, eu não estava afim de nada. Mas já tinha me decidido. 

8h34

Bom dia flor do dia!

Ele respondeu.

Visualizei e mandei pra Flávia, um bom dia, e disse que já tinha pensado.

Voltei a responder o Beto.

Como é que você está?8h37

Conversamos. Legal nos íamos nos ver hoje. Fiquei quieta. Eu não ia falar pra ele que precisávamos ter uma conversa, logo cedo. Da maneira que ele pensasse " nossa, problema!" Eu queria que ele entendesse tudo da forma mais clara e a melhor possível. Pra que estragar o que estava bom?

Esta bom, nos vemos ás 16h.

Depois do café, conversei com a Flávia, nessas alturas ela já estava sabendo, nós trocamos muitas confidências, ela é um pouco exagerada as vezes, mas muito esperta. 

- Tchau amiga, fica bem!

Encerramos a chamada.

O Beto é muito pontual. Ele é organizado com a rotina, o jeito e com tudo. As vezes acho tão chato. Ele mantêm tudo certinho, eu também, mas ele é o extremo. 

Como não gostava de surpresas, ele perguntou se eu queria fazer um passeio diferente. Perguntei o que era, então ele me falou, resisti um pouco, mas na segunda tentativa, concordei. Iria conhecer os sogros. 

-Voltaremos cedo? Perguntei.

Sim ele respondeu 

A sogra! Era gente boa. Conheci a família dele. Pai, muito sério, mas simples e gentil.

Se fosse igual o filho, eu estava tranquila.

Nos deixaram a vontade na varanda. O Beto sobre a rede. Eu em uma cadeira.

Sentada de frente, o Beto se divertindo, eu vendo uma forma de não estragar a diversão dele.

Fui lá dentro pegar uma água. Encontrei a mãe dela. Ela me contou coisas engraçadas, me deu dicas, confesso que não precisava, e em descontração, perguntei sobre seu nascimento, como foi e o aniversário dele. Como era quando criança, se era arteiro.

Ela me disse, toda entusiasmada o dia do aniversário, não tinha como esquecer, o dia da minha mãe. Eu logo percebi porque os dois haviam dado tão certo.

Bom, vou voltar para a varanda. 

- Certo querida! Se precisar é só chamar! Disse-me a mãe dele.

Obrigada.

- Beto, a tua mãe é tão gentil.

- Ela é muito na dela."

- Ela não parece ser introvertida.

- Dani, estava olhando o seu jeito, você quer me contar algo?

Estava visível assim?

- Desde o carro! Completou ele.

- Pois bem então, Beto eu decidi ir embora!

Ele ficou quieto. Olhando para o chão.

Passado alguns minutos, ele perguntou:

- É isso mesmo que você quer?

Na verdade não, mas eu  vou tentar.

- Se não der certo, você promete que volta?

Sorri de canto... falei sorrindo

- Prometo!

- Correndo?

- De avião!

Rimos. Eu dei um sorriso largo e tímido. Beijei o peito dele e ele a minha fronte.

Estava chegando natal. O que eu menos queria era dificultar as coisas. Natal nós passaríamos ainda no Rio. Mas a Flávia queria estar no Sul, antes do ano novo. Ai, ai, o ano novo! Que venha!

Nós estamos propensos a fazer tudo dar certo. Era sim que eu queria, apoiar ele. E que ele me apoiasse. Aos poucos eu fui conhecendo o Dr. Roberto de Gusmão e M.

Natal, eu ia passar com a Flávia, nós éramos a única família. A Sofia iria passar com o pai dela, e Roberto com os pais dele, e eu e a Flávia, juntas. Mas o Roberto sugeriu que passássemos juntos, que não teria muita gente, assim eu conheceria mais um pouco da família dele antes de ir embora para o Sul.

O que você acha Flávia?

Ta bom! Por mim é uma ótima ideia. Disse-me ela.

Passamos em um mercado, compramos algo pra ceia. O Roberto vinha nos buscar. Eu, tive que comprar o presente da sogra. Assim, de última hora. Orquídeas! Compra de mercado mesmo! Foi dada com carinho.

E pro Roberto? Um bambu da sorte! Para o novo escritório dele de advocacia. Depois daquela enrolada que tivemos pra iniciar o namoro, ele aceitou que não levava jeito para artes cênicas. E eu não precisei falar muito.

E olha que não estava atuando. Foi bem simples! Risos.

Pra Flávia eu dei um par de chinelos, assim, bem fofinhos. A dona Zazá, kit de sabonetes, a higiene é tudo! Incentivando-a no banho, com sabonetes novos. Eu ganhei dela e da filha uma blusa, linda, regata, salmão. Inclusive, para ceia botei ela. Possuía brilhos.

O Roberto, chegou, estava lá em baixo. Eu não me arrumei muito. Estava natural. Diferente da outra vez que enchi o rosto de maquiagem para chamar atenção do Roberto. Essas coisas são frescuras.

-Oi. Ele abriu a porta.

A Flávia, cochichou:

- Ele leva jeito.

Rimos. Ela deu uma gargalhada, e eu? De canto. Ele ficou todo sem jeito. Percebi ao olhar pra ele. Depois falei, ela não está acostumada com homens educados ao extremo.

Durante o trajeto, a Flávia pediu pra ligar o rádio, nós éramos acostumados com o silêncio, mas com certeza respeitamos a acompanhante, ligamos, 

- O que você quer ouvir, Flávia? perguntou o Roberto.

- Ah, pode ser a fm 91.1

O Roberto me olhou sério, e disse:

- Procura você pois eu estou dirigindo, por favor.

Me explicou onde e como mexia e eu assim fiz.

- Aumenta um pouquinho. Disse ela.

- Está bem. Concordei

- Mais um pouco? Ah, vamos animar isso aqui.

É natal, e está com cara de enterro.

A Flávia era muito modesta.

- Está bom assim?

- Tá ótimo! O samba não pode morrer."

Até o Roberto começou a ritmificar na direção. A Flávia é mesmo, contagiante.

Eu iria sentir falta dela.

Chegamos. Entreguei os presentes, eram singelos, o Roberto pensou que as flores era tudo para a mãe dele. Ele mostrou-se fraterno, e gentil, ao receber. Se não gostou, ele expressou bem ao contrário, não percebi nada. Ele até pensou e já decidiu de cara, onde ficaria o Bambu. 

- O seu presente, após a meia noite! Falou o Roberto em tom sarcástico.

Entreguei o prato da ceia. Nos deixaram bem a vontade. Conheci alguns parentes. Rimos um pouco.

- Não vamos te cansar muito. Disse uma tia dele.

Mas eu estava gostando. Mesmo? Sério!

A música de fundo. Era tão, suave.

- Não conhece? Perguntou o Roberto.

Não faço a mínima ideia. 

E foi assim que eu conheci, Chopin!

Postei no face, "ouvindo música, com Chopin!" Essa era a legenda. A galera começou a dar vários like. É natal. "Essa é das minha" tinha um comentário, com um emoji de like.

Imagino que confundiram o Chopin com cerveja. Chopp no diminutivo! Eu não me aguentei, mas não falei nada pra ninguém. 

- O que houve? Perguntou o Roberto. Se estamos em sintonia, ele entenderá. Mas dessa vez não.

Insistiu ele, porque eu ri daquele jeito?

Então contei a piada. Ele estava de pé, em volta do Home, monitorando as músicas, mexeu no celular por um breve momento. Sentou- se ao meu lado e falou:

- Está na hora de colocarmos um relacionamento sério nessa rede social.

Eu não falei nada. Sorri. E continuei a observar os parentes.

Ele ficou por um momento me olhando.

Eu disse: - Está bem! Você quem sabe!

- Depois a gente vê isso. Falou-me, de um jeito calculista e sério.

Abri um sorriso, ele sorriu de canto, agora ele aprendeu.

Embora estava tudo numa boa, eu não sou muito de festas. Já estava afim de ir embora.

Olhei pro Roberto, com uma cara e fiz um gesto, como quem diz "olha as horas", ele fez uma cara, como se dissesse "fazer oquê?"

Chegou do meu lado e falou em meu ouvido,

É véspera meu amor!"

Faltavam 5 minutos pra meia noite. O Roberto sumiu. A casa não tinha muitos convidados, as ordens básicas do governo, pra não aglomerar muito.

Eu mantive-me afastada, perto da varanda, a Flávia se enturmou com as primas do Roberto. Elas estavam muito unidas. Aquela coisa de afinidade. Já era quase meia noite. Faltavam dois minutos.

- Vem Dani, vamos para o outro lado, a visão é bonita, e se tiverem poucos fogos, não vamos perder o clima. Falou a mãe dele.

O Roberto tinha voltado! Não ousei em perguntar onde ele estava, acho ainda indiscreto. Mas deixa a gente casar, ele acha que vai continuar dando sumiço. Ahaha, eu estou brincando.

Contagem regressiva. "Roberto, abaixa o rádio por favor". Pediu o pai dele.

O Roberto fechou-se em minha frente e falou:

- Daniela eu vou te mostrar para onde você deve olhar agora.

Todos ficaram olhando, o Roberto se abaixou, a contagem regressiva ficou mais baixa e lenta.... 3, 2, 1.

- Sra. Daniela Machado, aceita noivar comigo?

E pegou algo no bolso da camisa. Abrindo uma caixa, o anel de compromisso.

Talvez você pense ou imagine, até tente deduzir os meus gestos.

Mas eu não esperava. Eu não sou de surpresas, eu não sei reagir a estas coisas.

Mentira saiu fazendo fiasco, pulando. Com as mãos na boca.

A minha mania de brincar com tudo. O senso do humor é ela.

Mas não, a Daniela, sorriu, sorriu e sorriu. Não conseguia dizer nada. Mas o sorriso falou por ela.

Como o dia de namoro, ela chegou mais perto do ouvido do Roberto; "e falou sim, bem alto, que deixou ele bem surdo." Mentira! Falou baixinho. Sim!

Todos pularam. "Uhuuul! Tamo juntooo!"

Feliz natal! Eeeeee. Tinha gente falando até feliz ano novo. "E tamo junto."

- Gostou do presente?

- Adorei!

- Menina, deixa eu vê! Olha só! Olha ela! Está noivinha. Que bonita! A Flávia não tinha jeito.

O Roberto mudou o relacionamento dele.

Roberto De Gusmão Ficou noivo Com Daniela Machado.

Era muita gente! Meus amigos? Eram poucos. Mas os essenciais. Os de sempre!

Minha mãe não tinha  redes sociais, os parentes eram poucos, já vai pensando nesse casamento.

Falei baixo pro Roberto:

A dona Zazá ligando.

Ele respondeu com uma piscada.

E falei alto: Dão licença.

Alguns olharam, mas não deram bola, estavam todos empolgados, conversando só a sogra mexeu com a cabeça e fez uma expressão fraterna positivamente como quem diz pode ir

Alô, sra. Zazá!

Oi minha filha, feliz natal, viu, para tí aí! Alguém falava de fundo. A Renata também estava solicitando um bom natal!

Esperei ela parar, e comecei:

Está bem senhora Zaheda! Muito obrigada, pra senhora também, um ótimo natal. 

Eu lhe desejos muitos e muitos prósperos natais. Que a senhora possa celebrar essa benção por muitos anos.

A essa altura ela já sabia que eu ia embora, queria acordo, mas eu disse que não tinha possibilidades. Terminou a chamada com as mesmas palavras da despedida: vai ser sempre como uma neta!

Obrigada!

Na hora que eu ia mandar saudações para a Renata, ela encerra a chamada.

- A ceia está servida. Disse a sogra.

Fiquei um pouco enjoada. A ligação me fez pensar em tudo. Olhei o telefone, felicitei minha mãe e a Vânia. Também o André e a Soraya. Amanhã eu saudaria o resto.

- Come um pouco! Ficou nervosa? Acho que o casamento mexeu contigo.

- Bobo! Respondi o Roberto.

Depois da janta, vimos as trocas dos presentes, a televisão exibia uma jeitosa lareira. Alimentei-me um pouco, o Roberto não, era eufórico pela comida, cada minuto ia servindo um pouco e aos poucos!

A Flávia também não passava batido.

Uhm, tá tudo uma delícia."

Fica a vontade! Disse o Roberto.

Ah Daniela fazendo boquinha! As brincadeiras continuaram, mas eu não estava bem.

Naquele momento o que eu queria, era a minha cama, olhar pro meu anel, pensar em tudo. O Roberto já sabia, mas ele disse que eu ia esperar ele arredar o pé da mesa.

Eu saí pedindo licença, o Roberto segurou o meu braço, e me olhou como: "espera só mais um pouco." Claro! Era o natal deles, e em família! Eu sentei-me no sofá, fiquei olhando a lareira. Comecei a pensar em tudo, os natais no meu tempo, quanta coisa, quantas festas, quantas risadas, os últimos anos eu passava as vésperas sozinha. E agora o Roberto, mudando todos os planos. Os quais eram novidades pra mim, era tudo novo. Ele estava dando sentido, mas porque eu ainda estava daquele jeito? Devia estar feliz por tudo. Mas, a vida nem sempre é perfeita, e eu estava as vésperas de uma mudança, drástica por sinal. E agora, noiva! Do cara mais sensacional do Rio de Janeiro. Talvez do mundo inteiro. Para eu, no caso!

Obrigada querida pela sua presença! - - Volta sempre que quiser, ainda mais agora que está entrando na família." Falou a sogra, sobre a família dela. Disse a mãe dele.

- Obrigada! 

Eu despedi-me de um por um, todos me deram abraços e boas vindas, foram muitos receptivos e solidários.

Eu queria era chegar logo em casa. O Roberto segurou a minha mão o tempo todo no carro. 

- Amiga, vou pegar as minhas coisas e ir embora. Amanhã a gente fala!

- Está certo!

- Tranca a minha porta! Ela ouviu.

- Pena que era surpresa não é ?

Falou o Roberto.

- Mas eu gostei!

- Mesmo?

- Bem provável.

- Você identifica-se casada?

- Não sei! Se estiverem naquelas condições do início de namoro, assim vai dando certo.

- Tudo é adaptar-se. Você não mudou para cá, não acostumou? Você vai conseguir.

Era a opinião dele, ele não sabe a metade do que eu passei esses longos anos. Mas ele tinha razão, porém está sendo bem fácil deixar a cidade. De repente porque eu já passei por isso. Então não é nenhuma novidade.

- Sr.Gusmão, eu amei o presente, e peço-lhe mil desculpas não corresponder-te ás alturas.

- Correspondeu sra. Machado, disseste um nobre sim! Fazendo-me o cavaleiro, mais feliz desta noite. Dessa genuína cidade.

- O sr. sempre muito gentil.

- A sta. na verdade!!!!

- Ahaha, chega, não tenho mais idade para cortejos!

Rimos. Eu abri um largo e modesto sorriso. E ele? De canto. Essa risada era minha.

Já vou destacar a cara de sério, com o cenho franzido, ele falou "vai descansar.

- Boa noite, sr. Gusmão.

- Boa noite Sra. Machado.

Esse cara podia fazer-me a mulher mais feliz do mundo inteiro. Ele tinha lá seus defeitos, os quais eu não destaco, mas o seu jeito educado e autêntico, mantinha-me envolvida. Mas sempre com os pés, fincados no chão. Você está perdendo a oportunidade de ser feliz, indo embora. Não, eu pensava diferente, estava indo em busca da felicidade. Indo contra a maré? Talvez! Jogando contra, que vergonha! Mas eu não queria viver algo, que eu já sabia, o que acontece. E mais uma vez eu estava sozinha. Pensando em todas decisões tomadas. E acabaria sozinha, de novo, exceto com a Flávia, morando juntas.

Estava tão bom assim, desde o tempo de namoro. A gente tinha as mesmas afinidades, só a distância ia estragar tudo. Mas eu estava me sentindo pronta. Pronta pra viver um romance, á 1.569 km.

- É loucura! Filha você está louca?

Não faz isso, fica na tua casa, continua em teu emprego, não vai embora. A Flávia é muito louca.

- Está bom mãe, então a gente vai dar certo, pois você acabou de chamar nós duas de loucas.

- Não eu não quis dizer isso.

- Mãezinha, feliz natal. Beijos.

- Faz o que teu coração mandar. Beijos Dani.

Mãe é uma coisa estranha, adora dar pitaco mas não quis insinuar nunca aquilo. Eu estava indecisa, mas queria viver o novo. Fazer diferente! E de certa forma, já estava tudo certo.

Eu não consigo tornar as coisas mais difíceis para os outros, mas eu nunca consigo sentir nada fácil pra mim.

Eu queria me esconder, não ouvir ninguém, me afundar no travesseiro, e abrir meus olhos, não existisse mais nada. Só eu, sem problemas, sem namorado, (noivo),

sem nada. Como se as coisas fossem desse jeito. O mínimo era ficar parada por algum tempo. E deixar o tempo passar. Eu conseguia! Peguei no sono. Acordei na manhã seguinte com a cara toda inchada vermelha e estranha. 

Intoxicação alimentar. Tomei um chá para o fígado, desses que também são bons pro estômago. Era normal acontecer por causa de alguns alimentos.

Não falei nada pro Roberto. Não queria assustá-lo.

- Vem almoçar comigo hoje?

- Não vai dar, eu ainda estou enjoada. Era mais do que isso, acordei com uma alergia alimentar.

- Tudo bem! Disse-me

Ele entendeu, porque sabia tudo ao meu respeito, as minha impertinências.

- Não falou mais com a tua psicóloga? Qual o nome dela mesmo?

- Não. A Vânia.

- Do que? Talvez eu conheça!

- Todder!

- Ah, não conheço. Mas adoraria. Respondeu sarcástico.

Eu vou dormir mais um pouco, depois nos falamos. Fiquei olhando ele online no whatsapp, esperando ele responder. Ele saiu primeiro. Visto por último hoje ás 10:02.

Ah toma coca cola, a mãe falou que é bom para o estômago." 10h03

Está bom Roberto. Agradece, por favor.

Sim senhora." 10h04

(Emoji Coraçãozinho)"

A noite eu estava melhor, aquele enjoo foi passando.

Já eram mais 18h, eu passei o dia deitada, entre um sono e outro.

Folhava meu livro, da Kay Jamison, olhava um pouco de série. Uhtred! Eu amava essas séries fora de tempo, épicos, medievais, e apocalipse zumbi. Também olhei o Sam, amei o jeito dele, vivendo em Atypical.

Olhei o as redes sociais, 231 curtidas. 

"Ficou noivo." Porque ele quis postar. Não dá pra viver só para nós dois? O Roberto este ano foi bonzinho, o papai noel lhe trouxe uma noiva.

Comecei a rir sozinha com este pensamento. Ele foi! Muito bom! Eu deveria ser a menlhor namorada, amiga, noiva...

Eu não estava sendo. E eu sabia disso. Estava em meu mundinho, pensando em mim. Espere aí, do que eu estou falando agora? Quero ver minha psicóloga. Eu preciso pensar. Ei, calma! Está tudo certo. Estou sendo uma ótima namorada, agora noiva. Nós vamos nos manter por perto.

Sr. Gusmão. 18h32

Sra. Machado" 18h55

Estou assistindo the last kingdom e estou melhor. 18h56

Que bom sra. Machado, não sabe o quanto me deixa contente. Eu poderia estar aí contigo, mas a sra. é tiro na queda. Olha só, não me dá oportunidade. 18h58

Desculpa sr. Gusmão!" 18h59

Não precisa pedir desculpa sra. Machado de Gusmão" 19h02

(Emoji tímido)

A sra. é muito especial." 19h03

Obrigada sr.Gusmão 19h04

E ficamos online por longos minutos, sem trocar uma se quer palavra.

Ele quebrou o silêncio que nos dominava, através das telas...

Sra. Machado? Está tudo bem?" 19h13

Tudo! 19h13h

Nos veremos?" 19h13

Quando sr. Gusmão? 19h13

Na quarta feira. Se a sra. estiver disponível.

Vamos ver o escritório, e o lugar do bambu!" 19h14

Está certo, sr. Gusmão! 19h22

Na quarta feira nós nos vimos e aproveitamos, eu não estava pensando muito mas estávamos quase nos mudando. Já tinha guardado a minha mobília e objetos. Era um dos últimos dias com o Roberto. Mas eu procurava não me importar muito. Não sou dessas que se apega muito. Porque temos que estar preparados haverá momentos que poderemos ser deixados.

Mas eu já estava com um frio na barriga cada vez que pensava sobre.

- Oi, meu bem! Como está? Disse o Roberto.

- Está tudo bem! Respondi

- Melhorou?

- Sim.

Nós havíamos aproveitado o máximo aquele dia, tiramos fotos, bebemos suco, comemos; pão de queijo com coca na padaria, eu né, o Roberto comeu outras coisas. 

O dia terminando, sol estava indo embora, deixando já saudades.

Logo agora né..." eu olhei pra ele como não: ouse falar nisso, então resolvemos não tocar no assunto. Ele me deu um beijo, e ficamos encostados um no outro, nos olhando por um tempo.

- Como você consegue fazer isso?

Mas eu não estou fazendo-lhe nada.

- Causa tudo isso em mim! Sinto tantas coisas! Causa esse efeito em mim, só por ser você assim, desse jeito.

- Talvez a gente se completa, eu me preencho com um tanto de você, e você com um tanto de mim.

A medida que as horas iam passando, eu sentia necessidade de ser com ele e para ele a pessoa incrível que ele merecia. Naquele dia eu fui mais do que eu poderia. Fazê-lo sentir-se o homem mais feliz, desejado, não era uma tarefa difícil, mas eu queria retornar a ele tudo o que o mesmo estava me dando. Isso eram com palavras, com gestos, com tudo. Naquele momento era somente eu e ele. E de alguma forma o universo me exigia isso. Amar para ser amado! Se ama o outro primeiro. Eu não sei quem começou com isso, mas provavelmente está havendo troca.

Roberto me deixou em casa. Nos despedimos afetuosamente, ele cabia em meu pequeno abraço, e aquilo era tão confortante. Eu não sabia bem o que ele sentia, mas eu? Gostava do que estava sentido. Abraçá-lo me acalmava, mantinha-me viva, viva de alma e de espírito. Nos despedimos com um beijo forte e demorado, no rosto.

- Se cuida!

- Está bem.

A Flávia me mandou uma mensagem,

iríamos para o Sul sexta feira. A intenção era passar no Sul, o ano novo.

Eu já estava com tudo em ordem. E alguns projetos.

Conhecia algumas empresas, confirmei os contatos.

Ok, fique no aguardo, que entraremos em contato."

Mas no início que eu queria um tempo comigo, aproveitar o espaço que estava se formando e dar continuidade nos meus objetivos.

Comecei a quinta feira, fazendo as malas. Já tinha falado com o Roberto, deixaria minhas chaves, a mudança faria o possível do que eu havia pedido. Afinal, não era muita coisa. O principal iria comigo.

Passei o dia, arrumando guardando coisas importantes. Talvez você pense como é uma mudança, dá aquela bagunça, eu me achava muito fácil, e é verdade, eram poucas coisas. Eu sempre mantinha tudo. E um apartamento pequeno para uma pessoa, não possuía quase nada.

Organizei, separei tudo, já estava acostumada com aquilo.

Me ver na situação de novo, não era nada difícil.

Estava realmente muito cansada.

Atirei- me por cima cama, e adormeci, profundamente. Acordei na sexta feira.

Com o Roberto ligando.

Posso ir tomar café contigo?"

Claro! Estou te esperando.

Passei um café, para nós dois, ajeitei a mesa. Quando ele chegou mandou uma mensagem "estou aqui em baixo."

"Sobe, estou me arrumando". Disse para ele.

Fomos na padaria, juntos. Montamos nosso caffè. Estava perfeito! A nossa mesa estava mesmo muito bonita.

- Isso te faz sorrir? Perguntou ele!

- Muito! Respondi então.

O fato de eu estar indo embora, serão coisas que eu jamais esqueceria.

Coisas que eu sei que vivi e tenho oportunidade de viver só com ele.

- Arrumou tudo?

Sim! Ficaram algumas roupas, mas são poucas, eu estava muito cansada ontem, então acabei pegando no sono.

- Você leva jeito!

Sorri.

Então me diz, o que você vai fazer com isso, apontou ele para minha coleção de conchas. De todos os tamanhos.

Eu sorri, e disse fica. Ele sorriu:

- Estará bem cuidado!

- Imagino. 

Tomamos café, após, ele me ajudou com a louça, terminei de guardar o pouco que ainda ficará, sobre a pia.

Você vai almoçar comigo?

Perguntei porque não tinha nada, e do jeito que as coisas iam, tínhamos que nos organizar cedo.

Almoçar aqui? E desorganizar tudo?

A poucos dias eu já havia organizado tudo. Teríamos que revirar uma ou duas peças de louças que estavam guardadas.

- Não, vamos sair. Sugeriu ele.

Eu prefiro ficar em casa e estava gostando da visita dele.

Eu tenho alguns creme ao madeira e ainda alguns cogumelos, posso inventar um almoço. E assim sucedeu.

Ele amou, e disse que estava tudo muito saboroso. 

- Horas longas de viagem, nos esperam, se você não se importa...

- Ah, não, fica a vontade.

Me retirei, tomei banho, deixei o Roberto na sala esperando. Depois que finalizei tudo, retornei Pra Flávia, que já estava tudo pronto!

- Tô por tí." Me disse ela.

- Ok, estou quase.

- Ta bom.

Logo ela chegou, eu e o Roberto aproveitamos aqueles minutos que faltavam, conversamos algumas coisas que precisavam serem ditas, e ouvi cada palavra dele, atentamente.

- Eu te ajudo! Disse-me. Me ajudou a descer as malas. Me despedi temporariamente da casa e fechei a porta, lentamente.

A Flávia estava muito feliz. Como sempre. A Sofia só sabia que ia passear. Enquanto isso ela guardava minhas malas.

O Roberto ficou me olhando e eu fiquei toda sem jeito, porque foi diferente. Daquelas maneiras que você sai de si, e se perde toda.

O que eu falo, o que eu falo??? Eu precisava falar algo, para terminar com aquilo.

- Vamos?

(Ah, obrigada Flávia.) Me tirou daquela situação embaraçosa.

A Flávia se despediu, e falou: te espero no carro.

-Ok, já vou!

- Dani, se cuida, não esquece das coisas que a gente conversou.

- Não!

Foram coisas que me deixaram de fato intrigada, mas ele estava em seu direito. Muita coisa tinha a ver com a gente. Outras nem tanto. 

O beijo foi... enfim, e terminaram em sorrisos. (Sorrisos)

- Tomem cuidado. Disse ele.

- Está bem.

Fizemos nossas paradas como de costume!

Já estávamos quase chegando.

- Sentindo falta?

- Do quê?

- Roberto!

- Sabe que até não, mas eu estou pensando ainda em tudo isso, eu não faço a mínima ideia de como esse negócio vai dar certo á distância.

- Vocês se gostam. Tem que dar certo. Uma hora ele vem ou você volta.

- Quem sabe.

Gosto dela, porque ela encontra a razão em tudo, nisso éramos parecidas.

Fique por um breve momento olhando o anel que ganhei do "Betinho". Ele estava se tornado tudo, se tornando um homem e tudo aquilo que eu queria na minha vida e ter por perto. Faz sentido agora estar tão longe? 

Talvez eu não faço parte dessas que lutam para estar perto, o tempo inteiro, mas eu quero ser daquelas da vida toda. 

- E aí, quem vai para a cozinha, quando estivermos morando juntas? Interrompeu Flávia, meus pensamentos.

- É vamos ter que dividir as tarefas. Falei.

- Um dia pra cada?

- Pode ser. Disse ela.

- Ou eu cozinho e você organiza. E vice versa.

- Também. Concordou!

A Flávia concorda com tudo. Não ia ser difícil conviver com ela.

- Preciso ver uma creche pra Sofia. Falou-me preocupada.

Eu permaneci em silêncio.

Estava mais quieta do que de costume. Passar uns dias na casa dos pais da Flávia, depois ter que começar do zero, estava me embrulhando. Mas vamos lá, eu já estava á poucos minutos.

- Qualquer coisa a gente monta uma casa lá na mãe, se você acabar gostando, tem espaço. Eu não me interessava muito pelo interior. Achava um tédio, mas não me importava.

Já avistávamos a casa dos pais da Flávia. Passamos a "porteira".

- Guria, isso aqui é maravilhoso. Miga olha lá a vaca, olha filha. 

(Risos).

Cumprimentamos todos, estávamos cansados, dona Neire e sr. Rômulo sabendo disso, procuraram não nos cansar muito, nos deram as boas vindas.

Eles ficaram felizes com a nossa chegada.

Eu avisei o Roberto com um

Oi, cheguemos! 11h28

Que bom, estava preocupado. 11h33

Eu vou descarregar a bagagem, depois conversamos com paciência. 11h34

Tudo certo!11h34

Conseguimos realizar tudo do jeito que havíamos planejado.

Almoçamos.

Eu fomos descansar um pouco. E acabei pegando no sono, acordei muito depois com a Flávia chamando, ela tinha acordado primeiro que eu. Estava animada. Queria ir á cidade, preferi ficar descansando.

Depois fui caminhar um pouco.

Águas Claras. Me dava boas vindas.

Eu queria sentir o ar, olhar o campo, ouvi um mugido, ao longe, parecia um bom lugar. Pensei no inverno ao relento, bem distante.

Sentei na grama, fotografei para o Beto.

Foto enviada 16h47

Que lindo Dani! Lindo mesmo!17h15

Gostou! Quem sabe a gente não compra uma vacas e vive no campo? 17h17

Você é mesmo engraçada!17h18

Eu aprendo.17h19h

Esse é o plano mesmo?17h20

Se tiveres interesse.17h20

Vamos fazer todos os planos tornarem-se realidade.

E aí, dormiu bem?17h21

Falar com o Roberto de certa forma me confortava. Trazia segurança.

Tecnologia é uma coisa louca, um tipo de telepatia do século xxi, você transmite tudo o que pensa em questão de segundos, expressa sentimento, passa emoção, fala o que precisa e ainda entende. Mesmo longe eu estava sentindo o Roberto ali, bem perto.

- Dormi, eu dormi foi a tarde toda, a Flávia saiu, queria que eu fosse junto com ela, eu preferi ficar por casa mesmo.17h22

Eu estava lendo uns processos.17h23

Lhe atrapalho?17h23

Em hipótese alguma!17h23

Ontem eu estava contigo, hoje me conformo que amanhã não lhe terei.17h24

Dani, você me tem sempre.17h24

(Emoji coração)

Nos temos!17h25

(Emoji coração)"17h26

Conversamos mais um pouco, logo estava escurecendo e eu fui para dentro.

A Bisa para uns, nona para outros estava sentada na sala, olhando televisão. Sr. Rômulo no galpão, e a Neire estava com a Sofia no quarto.

A Bisa começou a chamar precisava de alguma coisa, me motivei a ajudá-la ela fez um gesto com as mãos para que eu não me aproximasse.

Então revidei para trás, e a dona Neire esteve mais próxima, e me disse ela é assim mesmo.

Eu sei, sei bem como são os italianos, principalmente as italianas.

Intenso!

Nas outras vezes que vim a passeio, eles falavam italiano com ela. Até a Flávia, e eu ficava de fora da corversa, tentando entender. Trabalhei um tempo com uma descendente de italiano, ela me explicou um pouco sobre eles. Então eu entendi perfeitamente a nona. Na verdade eu trabalhei com duas descendentes. São amigas pra vida toda.

vivi l'amicizia.

A nona estava gesticulando com a dona Neire em uma forte teimosia. A dona Neire fazendo o possível para que ela permanecesse sentada.

"nessun nonna ora non è il momento".

Então ela foi se acalmando, e ficou parada olhando, seria para a dona Neire.

Os Spiazzi são genere(gentil) mas eles são muito sérios. Exceto a Flávia, puxou o pai, brasileiro. Quando junta os tios da Flávio, é aquele griteiro, já tive uma oportunidade de ver a roda, eles falam e dão muitas gargalhadas, o tempo inteiro. A família deles é grande, eles não moram aqui na região, tem uns em Soledade, não lembro ao certo.

Seria atrevimento eu aprender italiano só para entender as conversas? As mulheres ficam quietas são mais reservadas, principalmente quando os homens estão falando. As mais velhas ainda tem alguns costumes. Já a Flávia, pensem, ela entra no meio da roda e ainda bebe "vino".

Fui para o quarto. Queria aprender italiano. Pesquisei na internet. Queria entender a nona. Afinal, eu só queria ajudar um pouco.

Domingo pela manhã todos levantaram cedo. Eu fui a última. Tinha ficado até tarde acordada

Fiquei lendo e meu foco era italiano. Eu sabia um pouco de espanhol, fiz um cursinho básico de inglês também, do qual eu me viraria pra comer e beber, nada de mais, porém ajudaria.

Mas eu não pretendia sair do país.

Dei bom dia para o Roberto, recebi um texto bonito e carinhoso, onde ele demonstra todo respeito e sentimentos que tem por mim.

Nos conversamos algumas coisas como o que estávamos fazendo, e encerramos quando eu disse que ia tomar café. Ele adorou quando eu disse á ele sobre o italiano. Me mandou um áudio dizendo que isso seria ótimo. É, e eu sei.

A dona Neire me deu bom dia com um sorriso, ela tinha sorriso leve, olhos cansados, um pouco tímidos. Mas sorria ao nos ver.

- Tem queijo e leite. Te serve tá, fica a vontade.

- Obrigada! A Flávia onde está?

- Foi com o pai buscar as coisas pra janta.

Véspera de ano novo.

- Ah, saíram cedo?

- Aham, era passado das 8h30.

- Você não quis ir?

- Eu não posso, por causa da nona!

- Me chamassem, eu ficava com ela numa boa!

- Capaz, eu já estou acostumada. E ela ia se rebelar se ficasse só contigo, ela é difícil, igual criança mimada.

- Eu preciso aprender a conviver com ela e ela comigo.

- Ela passou por situações difíceis. Cremos que seja por isso que ela ficou assim, um pouco difícil.

Mas não te preocupa, ela fica bem sempre.

- É da idade! Falei.

A dona Neire trabalha muito. Ela é quem ordenha as vacas, ajuda muito o sr. Rômulo no sítio. Limpeza, alimentação, as rotinas corriqueiras de quem vive pra fora.

Tomei meu cafe, limpei a minha louça, tirei a mesa e varri o chão.

- Deixa isso menina.

A minha mãe e a minha avó tinham um costume, elas faziam tudo de novo após o que a gente limpasse, mesmo que estivesse limpo, eu observarei a dona Neire, mas a minha vó e a mãe era mania. A minha vó só não repetia quando eu e a minha tia fazíamos, ela havia me ensinado. Mas já a minha mãe, ela refazia, sempre.

Fui para área, varri a calçada e sentei-me em uma cadeira.

A dona Neire segui-me de atrás e perguntou-me 

- Toma chimarrão?

- Sim!

- Vou fazer antes do almoço, queria saber, pra colocar mais água".

- Está bem, hoje eu tomo.

Fui no quarto, peguei meu telefone, e comecei a digitar, estava vendo se saia alguma coisa, escrevi um pedaço de texto, sobre aquela pequena manhã. Eu estava me sentindo bem. Estão tudo cooperava. O queijo combinava com o saboroso café, e a prosa, com as palavras miúdas, que aos poucos iam formando interessantes assuntos.

- Você é de Viamão? Perguntei

- De Soledade!

Ah, eu sabia...

- E a Flávia? 

- Viemos para Viamão a Flávia tinha 4 anos, eu conheci meu marido numa festa, que nós ia com pai. Eles tinham um armazém. Mas ele é de Bento Gonçalves. Eu já tinha a Marina também e a Giane, veio por último. Mas todas de Soledade. Explicou ela.

Diferença entre elas, a Marina e a Flávia, dois anos, e a Flávia com a Giane, um ano. A Marina eu conheço, ela tem um sotaque bonito. Ela não usa o erre, como nós usamos e sim ere. Acho muito lindo! E não tem a voz fina! O qual combina mais com o timbre.

A dona Neire era um tipo, clara, não era magra, muito menos gorda, mas era saudável, cabelos compridos, a única clara, segundo ela, as irmãs eram brancas, porém com os cabelos pretos. A família da nona, veio para o Brasil, em tempos difíceis em Veneto.

Escolheram Soledade para viverem seu longos anos. Aos poucos a família foi se estabilizando, mas claro com muito trabalho.

"Figlia"...chamava baixinho, com a voz rouca. 

"Di cosa stai parlando?"

Quase entendia, através do som. Entendi o "falando".

- Perguntou o que estou falando.

Disse a dona Neire.

Eu entendi alguma coisa, sabia que era falando.

Fala que eu sou amiga dela. Pedi para dona Neire, que assim repetiu

"Danie e la sua amica."

Ela ficou me olhando por um breve momento, sorriu rapidamente e olhou para os próprios pés. Estes gestos eu não entendo.

A Flávia havia chegado.

- Me ensina italiano?

- O que tú quer com italiano, amica?"

Achei lindo.

- Tú aprende, tú é esforçada. Né pai? O senhor aprendeu um pouco pra conquistar a mãe! Brincou ela.

Verdade?

- Tô brincando, a mãe que aprendeu mais o português por causa do pai. 

Rimos 

- Eu não sei muita coisa, sei pouco por causa da mãe. Agora a minha irmã mais velha, fala muito. Falou a dona Neire, em um tom suave. 

Ela era bem calma pra falar. A gente dava certo, porque ambas falávamos devagar.

A noite estava me arrumando, nada em especial, olhava pro anel, lembrava do que deixei no Rio. Eu pensava nele, e me olhava no espelho acompanhando a roupa que eu tentava combinar.

Me lembrava das palavras que o Roberto me falara nos últimos dias, a nossas conversa, as confições que ele tinha feito. 

Eu não fiquei chateada, esse era seu medo, aliás nem um pouco. Eu disse que independente de tudo eu estava disposta para o apoiar nas suas decisões e ficaria ao seu lado.

Estavam todos na cozinha, esperando a passagem daquele ano! Estavam alguns vizinhos, casais de amigos e filhos.

Para aquele ano teria desejo de realizações novas, era assim todo ano, para mim estava sendo diferente. Estava sendo muito especial e diferente. Estava enfim namorando, o cara mais bacana, terminei a faculdade, não era o que eu queria, estava morando com uma amiga, sem trabalho, com alguns planos, mas sem muitas expectativas. Mas no fundo eu só agradeceria.

Dona Neire interrompeu meus pensamentos, oferecendo-me um prato de tira gosto, eu aceitei e me inteirei da conversa.

Estavam falando em religião...

Eu não tenho nenhuma, mas acredito na força do universo. Essa coisa de energia mexe comigo. Inclusive gostava de estar perto de gente simples, pura, que sentia necessidade de afeto e respeito. Gente sincera!

Eles falavam nos cristãos e nas passagens bíblicas. Relembrando de mestres do passado. O sr. Rômulo entendia muito, e o jeito que ele conta, é muito bonito.

- Meu pai lia a bíblia in casa pra nóis. Fazia nois ler o pedaço inteirin. Depois o que qui a gente sabia. Qui pruveitu nois tirava daquilu qui tava lendu. A genti lia divagarinhu, se precisá lia di novu. E era uma veiz pra cada fio. A nona lá tá chamandu Neire. Disse ele

"Figlia.Figlia."

Eu vou dar a janta pra ela se não fica tarde.

Era um bom momento para eu aproveitar e ajudar a bisa.

- Posso ajudar? Eu dou comida pra ela se permitir.

- Não sei se ela come contigo, mas tenta.

Peguei o prato dela, a comida estava servida. Tudo processado.

Sentei de frente, botei um pano em seu pescoço, e comecei a intercalar as colheradas. Ela comeu a primeira, a segunda, dava umas olhadas para a cozinha, onde todos estavam. Mastigava de vagar. Na quarta elevada, ela já me encarava fixamente olhando em meus olhos, era um bom sinal.

- Está bom nona?

Perguntei sem pensar se ela entendia alguma coisa, ela me ouvia, mas não sei se estava entendendo.

Amica? Falei pra ela.

Amica, saiu bem baixinho dos lábios rosados da nona e pele pálida, olhos minguados no fundo, cabelos branquinhos iguais a neve.

Eu fiquei feliz e um tanto motivada ao receber o retorno dela.

Ela já havia jantando, estava super tranquila. A dona Neire levou para fazer a higiene. E logo após pô-la na cama.

Estava pensando em alguma coisa que eu queria fazer por ela, afinal a bisa, ainda estava em vida.

Pesquisei uns textos em italiano. Não achei muita coisa, então eu os criaria. 

Montei um texto enquanto todos estavam conversando, e leria para ela. Eu traduziria o soneto de Shakespeare para o italiano, e oração de São Francisco. Acho que era mais cabível. Perguntei qual era a religião dela, católica. A oração de São Francisco cairia bem naquele momento.

- Ela me ouve?

- Ouve e entende um pouco. Mais em italiano.

- Posso ler uma oração de São Francisco?

- Pode! Ela vai ficar contente.

Pedi licença e entrei no quarto e comecei...

"Sig,

Rendimi uno strumento della tua Pace.

Dove c'è odio, posso prendere amore,

Dove ci sono parole offensive, devo portare il perdono.

Dove c'è Discord, posso prendere l'Unione.

Dove c'è dubbio, posso prendere la fede.

Dove c'è un errore, lasciami prendere la verità.

Dove c'è disperazione, posso portare speranza.

Dove c'è tristezza, posso portare gioia.

Dove c'è l'oscurità, lasciami portare la luce!

Il capo,

fammi cercare di più:

consolare, che essere consolato;

capire, essere capito;

amare, essere amato.

È nel dare che riceviamo.

Perdonando, quello è perdonato e

è morire, quello che si vive per la vita eterna!

Amen".

- Muito bem!" Estava a dona Neire atrás da porta me ouvindo.

- Flávia ela leu direitinho.

- A Dani?

- É.

Quando cheguei mais perto pra minha surpresa, a Bisa me estendeu a mãozinha.

- Flávia, como que diz boa noite?

Boa noite? Ah não sei. Mããe, como diz boa noite?

- Buonasera

- Buonasera Nonna!

- Buonasera saiu, bem fraquinho.

Fechei a porta.

A festa em família estava boa, mas eu já estava louca de sono. Eu não sou muito boa nessas coisas de ficar até mais tarde mas ano novo é daqueles dias que você abre uma brecha.

Fizemos uma roda na área, todos com uma taça e o sr. Rômulo segurava o champanhe. Pronto! Era meia noite, oficialmente um novo ano. Todos sorriam, esbanjavam muita alegria, e aos poucos a gente ia se abraçando ou cumprimentando com a mão o articulada gesto com pescoço para felicitar o novo ano. A Flávia me agarrou no colo e disse "Não só o ano que chega mas você também, seja bem vinda!"

Todos acabaram entrando, eu fiquei na área olhando pro céu, sintonizando o universo, ainda ouvia barulhos dos fogos nos interrompendo mas mesmo assim não deixei de falar as minhas palavras naquele primeiro do ano, o primeiro momento.

Nas minhas palavras incluíam tudo, trabalhos, família, amigos, saúde e o Roberto. Pedia a divindade também que me protegesse nesse novo ano e guiasse-me em cada passo.

Lembrei-me daquele primeiro dia como importante e especial, até além de conta e mandei uma mensagem pro Roberto. Muito linda, expressei em cada palavra todo meu sentimento mais profundo, fui calorosa e confesso, até um pouco ousada. Ele sorriu com um emoji e em seguida fez chamada de vídeo.

Ficamos por longos dez minutos conversando mostrei todo mundo e a casa pra ele, para se familiarizar um pouco. Depois ficamos batendo um papo bem descontraído. Eu e o Roberto sempre tínhamos assunto.

A família do Roberto eram todos da igreja, então ele estava sozinho, pois eles passaram em vigília como eles chamam o encontro que dura uma noite inteira. Claro, que fica quem estiver disponível. Ele não se importava muito, mas ele disse que foi ótimo estar comigo, mesmo que em chamada de vídeo.

Jantamos, comemos um churrasco "mas loco de especial" como diz o sr. Rômulo, em tom bem gaúcho.

Conversamos em volta da mesa, ríamos um pouco, sempre com muitas histórias, as conversas eram sempre agradáveis, mesmo quando falavam em política, esta na cidade deveriam de ser caótica. Mas eles, defendiam muito alguns nomes. E era nessas horas que eles se confortavam entre sí e com muita euforia para falar com coração sobre essas pessoas que os representavam, os candidatos!

Mulheres na mesa, como era de costume, não falavam nada ficavam simplesmente ouvindo, por vezes até saiam de perto, iriam fazer alguma outra coisa, lavar uma louça, tirar a mesa, menos dar palpite.

Menos a Flávia. Mas ela por vezes também ficava quieta, sobre assuntos que ela era contrária.

Eu queria muito falar, expor minhas opiniões, participar mais da conversa, mas não sabia ao certo quando mulheres naquela casa poderiam falar, sem parecer inconveniente. O povo gaúcho era mesmo ainda um pouco autoritários.

Estava na hora de fazer uma revolução gaúcha dentro daquela casa, mas sem causar guerra.

Aos poucos a visitas estavam se retirando, o que dava mais espaço na casa, a conversa estava mais lenta, e me dando sono. Resolvi ir para o quarto desejando a todos uma boa noite.

No outro dia, levantei cedo, dei "bongiorno" pra nona.

Esta sabia que era dia primeiro do ano; falou-me em tom italiano e bem baixinho:

"felice anno nuovo"

Tive que me aproximar bem próximo dela. Fiquei com vontade de lhe dar um beijo, mas achei melhor ainda não forçar amizade. Então, apenas sorri e ela retornou-me com um sorriso afetuoso.

Aos poucos o meu fluente em italiano ia aparecendo. Não era dia de ficar no quarto, afinal, era primeiro do ano, um dia qualquer, mas marcante. Olhei o relógio, ainda era muito cedo, apesar de o povo daquela casa, levantar mais cedo ainda. Oito e meia, tomei meu café, tirei a mesa, eu sempre era a última da casa.

- Que marca você usa?

Perguntei para a dona Neire com a xícara de café ainda na mão.

- Melitta! Respondeu ela. Me familiarizei com o gosto do café que eu tomava. O café era alemão, com um jeito italiano de passar. Então o gosto era melhor ainda.

Ela disse que na região todos usavam muito o melitta, eu sabia um pouco da história sobre eventual café, a sua jornada com o filtro, inventado por uma mulher, Amalie Auguste Melitta Bentz, por isso que a marca ganhou este nome . Eu amo café, principalmente os cappuccino instantâneo, feito assim na mão mesmo, batidos com canela ou só canela pulverizada por cima. Sério, é uma delícia!

Estava procurando um lugar para escrever um pouco, a Flávia notou minha inquietude.

- Que que cê tem?

- Estou procurando um lugar para escrever!

- Vai pro quarto lá é mais calmo.

Aí é que está, o quarto era calmo, mas não saia nenhuma ideia. Eu queria ver cores, coisas, gente, falar algo daquele momento, e o ritmo era perfeito.

Inclusive a Flávia também estava inquieta ultimamente, ela estava louca para abrir o negócio dela. Estava esperando a venda da casa dela.

Bem, nessa altura eu sentei na área, fiquei um tempo observando todos, que passavam, e sorriam, mas ainda nada de interessante.

Olhei ao longe, na estrada, um senhorinha que ia passando, ousei perguntar pra dona Neire

Onde será que ela está indo?

-Ah, deve estar indo na Budega.

Bodega?

Era um bar, que teinha logo adiante, que vendia de tudo. Secos e molhados, bebidas e etc. 

Na verdade é um nome dado a um local de pasto, mas ficou bem interessante o nome do tal armazém e o único aberto do local até meio dia. Parabéns pro dono.

Decidi começar a escrever pro blog.

Precisava ficar sozinha pra editar. Então, fui pra o quarto.

- Preciso conhecer a Bodega. Falei pra dona Neire ao sair do quarto.

- Deve, o pai (assim que ela chamava o sr. Rômulo), não sai de lá.

- Ele parecia-me tão caseiro.

- Não, ele vai pra lá quase todo dia, mas não bebe. Só de vez em quando em casa, e uns golinho.

- Hum entendi. Respondi pra ela.

- Ele nem pode né, tem pressão alta. Vai que dá um "troço" nele?

- Sim, verdade, a pressão devemos cuidar muito.

- Teu rosto está vermelho. Aqui bem no queixo.

Disse a dona Neire levando a mão em meu rosto.

Fui ao banheiro e tinha uma pequena mancha...

- Verdade, eu não havia notado!

- Por que será? Algum bicho, aqui tem muita aranha, no calor elas vem, tem muito mato.

- Nada de mais. Respondi.

Mas no fundo eu já sabia, essas coisas estranhas aconteciam toda vez que eu comia "carne", mas eu não ia falar que era da comida, para ela não confundir e levar pro pessoal.

- Você tem medo de algum bicho? Perguntou-me.

- Ah, não, de nada!

- Geralmente as mulheres tem medo de baratas.

- Não, eu não possuo medo de nada doméstico. Só selvagens.

Os seres humanos são domesticados, porém muitos deles nos causam danos. Os bichanos não fazem, absolutamente nada.

Ela ficou me olhando e disse "é"!

- Queres ajuda para o almoço?

- Não, vou fazer só um arroz e salada! "Os guri" ficaram de trazer um fígado de bode pra assar e mais uma costela.

- Os guris? Perguntei.

- Sim, os sobrinhos do "pai"."

- Ah, entendi.

Sabia que não deveria comer carne, ainda mais quando ouvi falar sobre o fígado de um bichano. É, os gaúchos tem isso. Comem até fígado!

Aquilo mexeu comigo, de certa forma.

- E não dá para comer só a carne do gado? 

- Não, a gente come ovelha, e até cabrito. E aproveitamos tudo.

- Hum, legal. Buom appetito! Falei, mas eu não estava achando legal nada.

- Essas comidas são realmente muito forte, inclusive para quem tem pressão alta. Não deviam consumi-las. Falei.

- Iii, não, o "pai velho" está acostumado. Por isso tá forte.

Falou em tom engraçado. Eu então concordei.

- A bisa come essas coisas?

- Não, a nona não! Ela tem outra alimentação, que eu mesma cuido

Verdade, ela come uma comida pastosa, não ousei perguntar o que era.

Os guri chegaram, aos poucos fomos sendo apresentados, aos poucos que iam entrando na cozinha para pedir alguma coisa, eram tímidos, todos bonitos, mas o Júnior era o mais engraçado e o mais velho. Todos casados ou acompanhados, o qual levavam a sério a tal relação que seria o "namoro". Tinha muitos beijos e abraços em público.

- Oh tia, o tio pediu o coador!"

- Pra quê ele quer coador?

- Tá coando o queijo.

- Ainda bem que perguntei porque tem tamanho.

Esse aqui é o Lucas, o mais moço. Lucas dá oi pra Daniela."

- Oi." Falou meio tímido. E "aí, tudo bem? Falei!

- Tudo! Respondeu-me curto. Agradeceu o coador e saiu correndo.

- Namora? Ousei.

- Não, esse aí não quer compromisso! Tá muito cedo.

Perguntei porque fiquei curiosa e todos estavam com alguém.

Compromisso é coisa séria pra eles. Eles quando tomam alguma decisão, precisam estar bem certos, ou deve ser coisa de família, mas eu estava achando muito bacana conhecer cada um deles.

O galpão estava cheio, as mulheres bebiam chimarrão, os homens caipira ou cerveja que eles traziam de casa, dessas coloniais. Alguém ousava em latinha. A Flávia estava no meio deles, ela era muito animada, mas ela tinha um jeito que eles paravam pra ouvir ela, e todos esperavam ela falar, ficam parece que admirando ela. 

Mas eles as vezes batiam de frente uns com os outros sobre algum assunto, e quando algum deles discordava, era estranho ver aqueles homens sérios, eles "engrossavam a veia do pescoço", faziam gesto de não com o dedo, saia um "não é desse jeito", ou "não é bem assim" e era difícil entrarem em um acordo, então ficavam um pouco em silêncio, mas voltavam no mesmo assunto, se alguém não entrevia-os, ficariam o dia inteiro.

O diálogo entre as mulheres eram mais equilibrados, falavam de suas rotinas de suas atividades, suas receitas, sobre os filhos, em um todo, mostravam seus trabalhos uma para as outras, tinha sempre uma que fazia a trança nos cabelos. Era sempre uma menininha mais jovem com os olhos cheio de esperança e um sorriso inteiro.

E o chimarrão sempre na roda, qualquer coisa aquecia-se mais água.

- O teu cabelo não dá pra fazer trança. Disse-me a mocinha Laura.

- Verdade! Ele é bem curtinho. Falei.

- Quando crescer eu faço. Retrucou.

Eu concordei com tamanha inocência.

Sorrimos uma para a outra.

Convidei-a 

- Vamos na bodega comprar doce?

-Mas deve estar fechado. Falou-me.

- Vão dar uma olhada! Disse a dona Neire.

E fomos. Realmente o dono era muito pontual. Estava fechada, que pena!

- Laura não foi dessa vez, deixamos pra próxima. Balanceando a cabeça, ela concordou.

- Tia, você tem namorado?" Perguntou ela.

- Tenho!

- Cadê ele?

- Está na casa dele.

- No ano novo? Mas vocês tinham que estar juntos!

É, tínhamos! Eles tem um formação de pensamento, forte! É, padrão eu diria.

Eu e esse meu olhar amplo.

Voltei para a roda de mulheres, senti a falta de uma presença, que ficava muito sozinha, menos participativa, a nona.

- A nona não participa? Perguntei para dona Neire.

- Não, ela cansa muito até aqui.

- Podemos tentar? Perguntei. Ela concordou. Fomos até a sala em direção a poltrona da nona.

Nonna, vuoi venire con noi?

(Vó, quer vir com nós?)

Dove? 

(Onde?)

Capanonne!

(Galpão!)

Qui è meglio.

(Aqui está melhor.)

Andiamo?

(Vamos?)

Procurei dizer algo que pudesse trazer confiança a ela então falei:

noi ti aiuteremo!

(Nós te ajudaremos!)

Ela pegou nas nossas mãos e fomos tentando levar ela.

Mi fanno male le gambe.

(Minhas pernas doem!)

Exclamou ela.

- Desse jeito chegaremos amanhã.

Disse a dona Neire em tom zombeteiro. A demora variou, intercalando com pequenas paradas, entre a sala e o galpão.

- Precisamos pedir pra alguém ver uma cadeira pra ela. Falei.

- Oh Júnior, pega uma cadeira pra nona sentar!" Gritou dona Neire.

- Tadinha da nona, vai ficar surda. Arrisquei.

Rimos

Acomodamos a nona e colocamos seu lenço sobre a perna.

- Muito barulho pra ela!

Então falei: É bom ela participar.

Duas horas da tarde, estávamos almoçando.

Ajudei com a louça, depois levamos a nona de volta. A mesma mudou a direção do caminho e quis sentar- se na área. Dona Neire me agradeceu pelo cuidado com ela.

Capaz! Eu disse. Já estava acostumada.

É bom que ela tome sol também, principalmente pelas manhãs. Ela concordou comigo.

As visitas passaram a tarde, sentaram -se na rua, uns sobre a grama. Aproveitando a deliciosa tarde de verão.

-Tio, dá pra tomar banho no açude?

-Para guri, vai matá meus peixi. Respondeu o sr. Rômulo e todos riram.

Quando eles foram embora, senti uma certa saudade, pois era bom manter gente assim por perto, que alegra, sorri, conversa, brinca.

-Quando eles voltam? Perguntei.

- Isso aí amanhã depois tão de novo. Respondeu a Flávia.

- Final de semana eles vem de novo. Disse a mãe dela.

Aqueles dias estavam sendo de muito aprendizado, para mim. Eu ajudava na casa, a dona Neire me deixava a vontade, recebia minha ajuda de bom grado, me ensinava e aprendia comigo. Não era dessas que botava o dedo em tudo, mas observava e se gostasse de algo falava "vou fazer desse jeito", ou se não ela dizia "vou fazer do meu jeito, já estou acostumada," e nos respeitávamos muito.

A medida que o tempo ia passando mais eu ficava admirada com o jeito deles, a boa educação em um jeito tão simples, a boa comunicação e cordialidade entre eles. No dia de trabalho vinham os capatazes ou "caseiros" como eles diziam, que era quem ficava na casa quando eles saiam. Entrei no galpão tinha mais três homens com o sr. Rômulo, "bom dia", disseram eu disse oi pra todos.

- A dona Neire pediu para o sr. "apanhar" aipim.

- Tá bãum, já tô lá.

É o jeito que eles usam pra dizer já vou. E se disse que está lá é porque já está feito. Que é bom bem feito por sinal. 

Recado dado, voltei para a cozinha, eu gostava de ficar com a dona Neire ela contava coisas de sua vida, da época em que era jovem.

Seu vocábulo me deixava curiosa, além de ser interessante; as vezes saia um verbo em italiano, quando ela se queimava no fogão por exemplo ou dava algo errado na rotina, ela dizia uma palavra e outra, em tom sério e brando, eu não ousava perguntar o quê aquela palavra seria, mas pelo tom, sabia que estava brava e xingando.

"Diabos" por exemplo era inferno.

As vezes ela me pedia para alcançar algo da "via", eu ficava a fitando-a e dizia "como?" Na "rua" ela corrigia. E era assim que eu ia aprendendo.

- O que teremos para o almoço? 

- Pasta...

- Oi? 

- Massa! Ela riu.

Macarrão.

Estava uma tarde bonita, além de enfrentar o dia quente, havia vários mosquitos, que não me mordiam mas ficavam em volta do meu rosto, principalmente á noite, fazendo barulho.

Estávamos sentados no galpão conversando, o trabalho do dia foi pouco, o qual permitiu uma pequena parada para uma "prosa".

Falavam da infância das gurias, suas artes, e as sacanagen que parentes próximos aprontavam.

- Lembra pai que uma vez o sr. chegou da roça e colocou um pano ou uma manta, não sei o que era aquilo, mas era um baita pano, e saiu assustando a Flávia, ela saiu gritando disparada em roda da casa, fazendo o maior fiasco.

Todos riram ao lembrar-se.

- Ou a vez que faltou luz e o sr. subiu no telhando querendo assustar as primas que brincavam comigo?

- Também a vez do choque na porteira?

O pai aprontava com as guria.

- Era pra deixa alerta. Disse sr. Rômulo com os olhos cheio de lágrima. As artes que ficam guardadas com o tempo.

E o dia da pescaria...

Falou das artes de seu sobrinho mais velho, o Junior, e o que ele aprontava.

"O bixu era medonho." Falou.

Nós rimos bastante, eu não imaginava quantas coisas pudessem serem contadas. Após os sustos, vieram as mais engraçadas.

E aos poucos foi caindo a noite. Barulho de sapos,

- o tempo tá pra chuva, disse o sr. Rômulo.

Aos poucos fomos nos levantando e desfazendo a roda que havia se formado no final de tarde.

Fiquei um pouco sentada admirando a noite caindo. O silêncio que aquele lugar trazia consigo.

Também trouxe pra perto pequenos vagalumes. Os quais enfeitavam a escura imagem ao redor.

Dei a janta da nona. Ela estava mais tranquila. 

Grazie di tutto, ao finalizar.

Fiz a higiene dela e a levei para o quarto. Li o soneto de Shakespeare.

Esta me deu buonasera.

O dia amanheceu chuvoso.

Acordei com uma linda mensagem de bom dia.

Agradeci com um áudio, ao qual em seguida tive retorno:

Voz rouca, jeito preguiçosa!8h00 disse o Roberto.

Sim. Acabei de acordar.8h01

Conversamos, falamos o que havíamos feito, e o que iríamos fazer naquele novo dia e terminamos a conversa com um até daqui a pouco.

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