Karen
Eu não tinha a menor ideia de há quanto tempo eu estava largada no sofá, ainda vestindo a mesma roupa que usei para sair do hospital e ir ao apartamento de Max, algo que parecia ter ocorrido há séculos. A dor da traição doeu mais fundo do que eu poderia imaginar. O choro já havia secado, mas eu ainda não tinha conseguido assimilar completamente a cena na sala do apartamento daquele maldito traidor.
Naquele momento, o som irritante da campainha começou a ecoar pelo apartamento. Inicialmente, eu ignorei, esperando que a pessoa do outro lado entendesse que eu não estava disposta a receber visitas. No entanto, a insistência só aumentou, e a campainha continuou a tocar, incansável. Olhei para o relógio na parede, esperando que o tempo tivesse passado mais rápido do que eu percebia, mas cada segundo parecia uma eternidade.
Sem aviso da portaria sobre visitantes, eu finalmente me dei conta de que só podia ser uma pessoa: Camila, minha melhor amiga e vizinha de apartamento. O pensamento de encarar alguém naquele estado lastimável em que me encontro agora me aterrorizava, mas a persistência de Camila superava qualquer resistência que eu pudesse ter.
Reuni toda a força de vontade que restava em mim, levantei do sofá com um suspiro profundo e arrastei meus pés até a porta.. Ao abrir a porta, não me surpreendi ao ver Camila de pé, pronta para tocar a campainha mais uma vez.
Ela me olhou com preocupação nos olhos, percebendo instantaneamente a bagunça emocional que eu estava enfrentando. Seu rosto expressava compaixão, e eu sabia que não precisava dizer uma palavra.
— Eu já sei o que aconteceu — ela disse suavemente, oferecendo um abraço que aceitei de bom grado — Não precisamos falar se você não quiser, mas eu não poderia te deixar sozinha.
Enquanto ela entrava no meu apartamento, percebi que eu realmente precisava de alguém com quem desabafar. Manter aquilo só para mim só poderia causar um mal ainda maior.
Enquanto Camila preparava algo na cozinha para o que seria nosso jantar tardio, eu desabafava com ela sobre toda a desventura que havia acontecido naquele dia. As palavras saíam sem filtro, carregadas de dor e raiva. Camila ouvia atentamente, oferecendo palavras de consolo quando necessário e mantendo um olhar solidário.
A cozinha exalava o cheiro reconfortante da comida que estava sendo preparada, mas meu estômago estava apertado demais para sequer considerar a ideia de comer. Ainda assim, Camila insistiu, demonstrando cuidado de uma forma que só ela sabia fazer. Aceitei a refeição mais por não querer contrariá-la do que por real apetite.
Enquanto nos sentávamos à mesa, agradeci o carinho dela. Foi nesse momento que algo que Camila disse ao chegar ao meu apartamento começou a ecoar na minha mente. Levantei o olhar para ela e questionei, quase que despretensiosamente, como ela ficou sabendo do que aconteceu.
Camila hesitou por um instante antes de admitir:
— Foi o Max. Ele ligou para mim, pedindo ajuda.
Aquelas palavras caíram como uma bomba no meu peito. Max, o traidor, ousou se intrometer na minha dor, buscando a ajuda da minha melhor amiga. A raiva cresceu dentro de mim, misturada com a dor e a traição.
— Ele... ele ligou para você? — minha voz saiu num sussurro cheio de incredulidade.
Camila assentiu, preocupação estampada em seu rosto.
— Ele estava tão aflito, Karen. Temia que você fizesse algo consigo mesma. Disse que jamais se perdoaria se algo acontecesse.
Aquelas palavras eram como facas sendo cravadas em meu coração ferido. Em nenhum momento passou pela minha cabeça a ideia de fazer algo tão drástico, e o fato de Max ter considerado isso me fez odiá-lo ainda mais.
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Eu não tinha dúvida de que a noite que tinha pela frente seria longa, repleta de pensamentos tumultuados. Camila, apesar de toda sua preocupação, já havia ido embora, deixando-me sozinha para pensar nas palavras de Max.
Deitada em minha cama, não conseguia parar de pensar em como Max era egocêntrico. Toda a situação era sobre ele e suas justificativas mesquinhas, sem se importar com o impacto que suas ações tinham sobre mim. Eu me sentia como se tivesse sido roubada de anos da minha vida, anos que dediquei a construir um futuro ao lado de alguém que não merecia meu tempo.
Rolei na cama até o amanhecer, refletindo sobre minha vida e tudo o que me privei nos últimos anos em nome de um relacionamento que agora se desfazia diante dos meus olhos. A esperança de um futuro ao lado de Max se transformou em cinzas, e eu me via perdida.
Quando o dia já clareava, consegui dormir um pouco, mas ao acordar, me senti ainda mais cansada do que antes. Agradeci silenciosamente por não precisar trabalhar nos próximos dias, pois o médico havia me dado um atestado e a recomendação de descanso.
Foi então que, em meio a essas reflexões, a ideia de uma viagem surgium. Sair de Curitiba, deixar para trás as lembranças dolorosas e a certeza de que não encontraria Max, Lilian ou qualquer outra pessoa desagradável pela frente seria algo muito apropriado ao momento.
Lembrei-me da proposta de Camila: as férias planejadas em Fernando de Noronha com um grupo de amigas. Na época em que mergulhava nos planos com Max, recusei o convite. No entanto, agora tudo era diferente. A viagem não apenas se revelava uma ótima opção, mas uma necessidade urgente para me reconectar comigo mesma.
Lifo imediatamente para Camila.
— Claro que você é muito bem-vinda, amiga! — Camila diz, expressando animação — Temos exatos dois dias, mas eu te ajudo a organizar tudo.
— Obrigada, amiga. Você não sabe o quanto eu preciso dessa viagem.
— Mas claro que eu sei! Está sendo muito sensata ao decidir dar um tempo de tudo. Confesso que estou surpresa, mas muito feliz também.
Mesmo enquanto enfrento a dor e o cansaço, uma centelha de animação se acende diante da perspectiva de mudar de ares. A ideia de iniciar a cura emocional longe dos lugares familiares me traz um alívio reconfortante.
Os dois dias passaram diante de mim em um piscar de olhos, com Camila e eu imersas nos preparativos de última hora para a viagem. Entre organizar as malas, garantir documentos e fazer uma lista do que precisamos levar, consigo manter a mente ocupada, aliviando um pouco do peso que carrego.
Ao embarcarmos no avião com destino a Fernando de Noronha, uma mistura de nervosismo e expectativa percorre meu corpo. Camila, com um sorriso enorme, comenta sobre o custo da viagem.
— Não acredito que gastamos tanto dinheiro em uma viagem de cinco dias! — ela reclama, mas o sorriso denuncia a empolgação.
— Eu também! — Rimos juntas de maneira cúmplice — Mas eu garanto que vou fazer valer a pena. Acredite!
OthonA noite avançava e o quanto já bebi é um mistério para mim. Estou em um estado de descontração que só as férias são capazes de proporcionar. Ainda mantenho a sobriedade o suficiente para admirar as belezas naturais diante de mim. E quando falo em belezas naturais, não estou exatamente pensando na natureza em si. Faço essa observação para meus amigos, que riem em resposta. — O problema é que você só faz olhar, Othon — Colin reclama.— E eu não entendo porquê. Está se guardando para o grande amor da sua vida? — A pergunta é feita por Noah, que faz uma careta terrivel apenas ao falar a palavra “amor”.— Talvez… — Eu dou a mesma resposta de sempre.O clima está bastante animado em mais um dia de férias em Fernando de Noronha. Colin, Noah e eu estamos aproveitando ao máximo esse paraíso de sol e mar. Somos completamente diferentes, mas desde o primeiro momento em que nos conhecemos, tornamo-nos amigos inseparáveis, sempre escolhendo o mesmo destino para nossas férias.Continuo beber
KarenAo abrir os olhos em um ambiente desconhecido, a confusão se instalou imediatamente em minha mente. Tentei me mover, mas percebi a presença de um braço estranho ao meu redor. Um arrepio percorreu meu corpo, afinal, a lembrança nítida é que não tenho mais um noivo. Então, de quem seria aquele braço?Movendo-me com cuidado, a presença evidente de alguém atrás de mim se revelou, uma respiração soprando quente no meu pescoço que só percebi naquele momento. Com precaução, consegui me virar e me deparei com o rosto do homem que me abraçava. Toda a memória dos momentos no bar retornou de uma só vez. O homem que compartilhava a cama comigo era Othon, um homem lindo e gentil que conheci quando ele me ajudou em uma situação desconfortável com um bêbado no bar.Ao suspirar, sinto a frustração tomando conta de mim ao perceber que passei a noite na cama com um completo desconhecido. O fato de que agora sei seu nome não muda a realidade de que o conheci ontem e já estou dividindo a cama com e
KarenEu olhei para Camila com uma mistura de emoções. O horror e a felicidade se misturavam dentro de mim enquanto absorvia a notícia e logo fui recompensada com um abraço forte e apertado.— Você será mamãe, Karen! — A minha amiga falou baixinho, a emoção transparecendo em suas palavras.— Sim… — Foi tudo o que consegui dizer — Eu vou ser mãe.Aquela palavra tem um som tão belo, mas naquele momento me deixou assustada. A magnitude daquela palavra, "mãe", ressoou profundamente dentro de mim. É um papel que traz consigo uma responsabilidade imensa, o dom de dar vida e cuidar de outro ser humano. O assombro da nova realidade começou a se misturar com a alegria.Eu não conseguia entender como isso pode ter acontecido. Othon e eu usamos proteção em todas as vezes que fizemos sexo naquela noite, mas quando o meu ciclo atrasou por semanas, não tive dúvida em fazer um exame de gravidez. Aparentemente, tudo estava acontecendo na minha vida naquele momento e uma gravidez só iria coroar todas
Cinco Anos DepoisOthon ArraisOlho pela janela da minha nova casa, perdido em pensamentos. Reflito sobre as reviravoltas, ou melhor, a ausência delas nos últimos seis anos da minha vida. Uma sensação de estagnação parece ter se instalado, como se o tempo tivesse decidido congelar justamente no momento em que Karen, aquele nome que ecoa em minha mente, desapareceu sem deixar rastros.Aceitar a posição de diretor no maior hospital de Curitiba foi, de certa forma, uma tentativa desesperada de introduzir alguma mudança significativa em minha existência. Sinto-me cansado, não apenas fisicamente, mas também dessa busca incessante pela mulher misteriosa que se tornou a protagonista de minhas lembranças mais vívidas.Aquela noite em Fernando de Noronha foi um divisor de águas. A sensação de não ter mais do que um nome para buscar é sufocante. Cada esquina de Curitiba parece carregar a expectativa de encontrá-la. Mas como procurar alguém quando tudo que tenho é uma lembrança intensa e um nome
KarenAo chegar em frente a minha casa após um plantão extenuante de vinte e quatro horas, a exaustão se instala em cada fibra do meu ser. O que mais desejo, na verdade, é simplesmente descansar. Mas, como é habitual quando retorno para casa, a consciência se faz presente: tenho um filho de seis anos que anseia pela minha atenção após tantas horas longe.Com uma força que beira o sobre-humano, após tomar um banho para despertar e um prato de sopa quente, consigo forças sufientes para desabar no tapete da sala, um convite silencioso para as brincadeiras de Otávio. Seus olhinhos brilham com a expectativa, e, mesmo diante da minha própria exaustão, busco, dentro de mim, a energia necessária para compartilhar aquele momento com ele.Os contornos de um quebra-cabeça se espalham diante de nós, e eu, que mal consigo manter os olhos abertos, tento focar na tarefa em mãos. O pequeno Otávio, com sua energia inesgotável, parece não entender a extensão da minha exaustão. Ele me mostra peça por pe
OthonO dia de trabalho no hospital foi exaustivo, e quando finalmente cheguei em casa, a última coisa que passava pela minha mente era passear com o meu cachorro. A razão era simples: eu estava prestes a receber visitas. Meus amigos viriam conhecer a minha nova casa, e achei que o mínimo que eu poderia fazer era preparar um jantar para todos nós. Por esse motivo, eu precisei resistir aos apelos insistentes de Bart naquele início de noite.Colin e Noah, no entanto, me surpreenderam ao chegar mais cedo do que eu esperava. Diante dessa inesperada antecipação e dos ganidos incessantes de Bart, tomei uma decisão rápida: alguém teria que ceder e levar o cão para passear. Não seria eu, não naquela noite.— Noah, meu amigo, acho que você ganhou a "honra" de passear com o Bart hoje. Ele está praticamente implorando.Noah riu, aceitando o desafio, e eu pude ver Bart saltitar de alegria ao ouvir que finalmente iria dar uma volta lá fora. Enquanto os dois se afastaram, mergulho na tarefa de prep
KarenQuando cheguei em casa à noite, deparei-me com a cena hilária de Camila ainda em frente à minha casa, entretida com Otávio. Uma risada espontânea escapou de mim, incapaz de acreditar que Camila realmente veio até a minha casa com o único intuito de conhecer o novo vizinho. Nossas risadas ecoaram no tranquilo bairro enquanto adentrávamos a casa.Minha mãe, sempre solícita, assumiu a responsabilidade pelos cuidados com Otávio, permitindo que Camila e eu seguíssemos para o meu quarto. Disfarcei minha curiosidade, mas secretamente ansiava por saber como foi o encontro de Camila com o novo vizinho.Enquanto eu tomava banho, Camila se acomodou na borda da banheira, mas se manteve em silêncio, apenas me observando de maneira atenta e com um sorriso brincalhão em seu rosto.— Conta logo, Camila! Estou morrendo de curiosidade para saber como foi o encontro com o novo vizinho — implorei, tentando me concentrar em lavar o cabelo enquanto aguardava ansiosamente pela resposta.Camila riu da
OthonA rotina de um hospital do porte do Hospital Central sempre reserva surpresas indesejadas, mas hoje está particularmente agitado. Não me surpreenderia se mais um desafio se apresentasse a qualquer momento. Enquanto eu tento apaziguar as situações caóticas ao meu redor, minha secretária interrompe meus pensamentos com uma informação que, inicialmente, me desconcerta. A senhorita Buarque está aguardando a entrevista que, por algum motivo, eu concordei em realizar esta manhã. Uma rápida onda de autocrítica me atinge, questionando por que diabos concordei em entrevistar a filha dos meus vizinhos gentis em um dia tão caótico.Os Buarque, o senhor Átila e a senhora Margareth, são daquelas pessoas que irradiam simpatia. Desde que eu me mudei para a casa ao lado do casal, encontrá-los no final do dia tornou-se uma espécie de rotina em meu cotidiano. Além disso, não posso ignorar o sentimento doce que a presença do pequeno Otávio cativa em meu coração. Suas lamentações sobre o quanto a