Maria das Dores passou pela Igreja da Candelária mais uma vez. Olhou para a grande construção e repetiu as palavras que ouvira em uma mensagem no rádio:
– Deus meu, por que me abandonaste?
Chorando, seguiu seu trajeto até chegar em casa. Entrou pelo apartamento, desesperada. A tia Marta, ao ver a sobrinha naquele estado, se assustou:
– O que aconteceu com você?
– Ah, tia! – As lágrimas insistiam em cair e ela não conseguia controlar. – Eu contei para ele do bebê. Acredita que ele queria que eu tirasse? Disse que tinha um médico que faria o aborto sem problemas.
– Mas que filho da puta! – ela respondeu, revoltada em ouvir aquela fala da sobrinha. – Ele deveria assumir você e o bebê. Com certeza gostou de fazer, agora não quer cuidar?
– Eu pedi demissão, tia – Maria das Dores balbuciou. &ndas
2020Noelle ajeitou os óculos escuros no rosto. Olhava pela janela fechada do ônibus a paisagem daquela cidade conhecida com Rio de Janeiro. Devido à pandemia, poucos eram os passageiros do ônibus e todos usavam máscaras de tecido. Ela, como sempre, mantinha uma máscara preta, que combinava com seu vestido curto e sua sapatilha macia. Sempre de roupas negras, com aqueles cabelos soltos. Os óculos escondiam os olhos claros, que não iriam ficar sofrendo com o intenso sol da capital.Havia algo especial naquela viagem. Era o momento de finalizar tudo que começara alguns anos antes. Faltava pouco para seu plano, mas aquele era o momento crucial e o mais difícil de realizar. Tinha diversas ideias na mente, mas não sabia se conseguiria fazer com que alguma delas funcionasse naquele lugar.Recostou no banco. Fechou os olhos por um instante. Lembranças percorreram sua ment
O velho senhor abriu a porta do antigo apartamento. Era pequeno. Uma sala, um banheiro e uma cozinha. Poucos móveis que estavam cobertos por panos. Bastante poeira estava no lugar. Isso confirmava a teoria de Noelle:– Quando foi a última vez que entraram aqui? O senhor sabe?– Ah, minha jovem – ele respondeu. – Depois que sua tia Marta faleceu, poucas foram as vezes que vi pessoas entrando aqui. Parece que alguns parentes, mas nada muito frequente. A última vez deve ter pelo menos uns cinco anos ou mais.– Por isso que está tudo nesse estado! Já vi que terei bastante trabalho em colocar o apartamento do meu jeito! Ah, que belo modo de começar a minha vida aqui na cidade grande!O velho senhor sorriu, um pouco acanhado:– Não sabia da sua vinda, senão teria contratado alguém para fazer a limpeza. Mas, se quiser, posso lhe indicar uma pessoa que daria
Após preencher toda a ficha, Noelle pegou seu currículo e anexou. Chegou para a jovem no balcão e disse:– Eu realmente estou precisando de um emprego. Será que consigo uma vaga aqui? Não me importa o setor, eu só quero realmente é trabalhar, pois preciso disso para me sustentar na cidade.A atendente pensou um pouco. Disse, com um certo ar de desprezo para ela:– Eu ouvi falar que algumas pessoas da equipe de limpeza foram mandadas embora. Não é um setor muito procurado, até porque não é o melhor salário, mas, se realmente quiser uma vaga mais rápido, posso falar com a pessoa que contrata e entro em contato com você.Uma vaga de faxineira. Aquilo parecia um tanto irônico, mas era algo que fazia parte do seu destino. Sempre foi assim. Era como havia começado com sua mãe e como ela também teria que começ
Patrick entrou em seu escritório. Aquele lugar se tornara sua moradia os últimos anos. Passava mais tempo ali do que realmente na sua casa. E isso, por vezes, o incomodava. Mas era o preço que pagava para fazer com que a empresa crescesse tanto.Desde que assumira a Barrier, com a morte do pai, ele tinha super valorizado todas as ações. Estava em constante crescimento e, quando se mudaram para aquele prédio, a sede criada em 1995, tudo entrou em expansão. Era o seu orgulho, o lugar de onde saíram todas as filiais pelo país. Ainda que outros lugares tivessem prédios maiores, a sede era o lugar que ele preferia ficar devido ao fato de que lembrava da trajetória desde o início da construção e o patamar que atingiram naquele lugar. Além disso, havia a questão de ter, ali, um andar só para ele. O lugar onde ele ficava bem, feliz, com tudo reservado. Se quisesse, p
Noelle organizou seus poucos pertences. Pegou o celular que comprara no dia anterior. Tinha sido um dia bem intenso. Com isso, nem mesmo aproveitara os benefícios daquele aparelho. Apesar de não ser o que ela esperava, já era um começo. Com ele, poderia pelo menos acessar tudo que precisava: e-mails, redes sociais e as notícias atualizadas. Sempre entrava com um perfil fake, feito para isso. Não queria que as pessoas a encontrassem. Nem que tivessem informações reais sobre ela. Queria apenas acessar com tranquilidade aquelas redes.Enquanto pesquisava, descobriu diversas informações diferentes sobre a empresa e sobre aqueles que lá trabalhavam. Inclusive sobre Paulo, o motivo de sua pesquisa. Ela sabia que aquele homem seria uma porta de entrada para tudo que ela desejava.– Vejamos. Paulo. Solteiro. Gosta de futebol. Tem licença como segurança. Tem porte de armas. Reservad
Noelle pegou sua bolsa preta. Colocou dentro o celular, alguns documentos, pegou também os cartões de crédito que usava e um pouco de dinheiro que tinha em mãos. Desceu pelo elevador, saindo na portaria, onde seu Zé já estava arrumando seus papéis.– Bom dia, seu Zé. – Ela sempre cumprimentava o velho senhor desde o dia em que chegara ali no prédio e fora bem recebida por ele.– Bom dia, senhorita Noelle – ele respondeu, educadamente. – A senhorita está muito bem arrumada hoje, onde vai tão bela?Ela sorriu para aquele simpático senhor que seria muito importante em todas as suas ações futuras:– Eu tenho uma entrevista de emprego. Na verdade, pelo que entendi, eles vão me dar o emprego. Mas preciso ir hoje na empresa para fazer uma entrevista pessoal e conversar com eles.– Muito bem, menina – ele
Noelle se levantou calmamente. Seguiu para a sala indicada. Era uma porta branca com o número 1 em preto, uma placa de metal presa. Ela passara na frente da sala antes de chegar onde estava esperando. Parou na frente da sala, bateu na porta e ouviu uma voz feminina:– Pode entrar.Ela entrou, devagar, com o cartão com o número nas mãos e seus pertences:– Com licença – disse Noelle, mostrando toda educação e delicadeza.– Entre e sente aqui. Seu nome é...– Noelle. Eu deixei um currículo aqui na semana passada.A entrevistadora pegou os papéis, em ordem alfabética, e separou o dela:– Ah, sim. Que bom. Aqui está. Vejamos. Você está sendo chamada para uma vaga na área de serviços gerais, pois essa equipe está precisando de uma pessoa para ajudar em toda a manutenção do p
Com toda a documentação em mãos, descansada e preparada para encarar seu dia, Noelle saiu de casa cedo. Andou em direção à saída, se deparando com seu Zé na porta, como quase todos os dias:– Bom dia, seu Zé!– Bom dia, senhorita Noelle. E como foi na entrevista de emprego?Noelle sorriu para aquele velho homem, mostrando a pasta com todos os documentos e exames que realizara no dia anterior:– Fui contratada. Estou levando a documentação para começar logo.– Que bom, minha jovem! Fico muito feliz! Que seja um trabalho que renda frutos para você! Estou torcendo para que veja o resultado logo e que isso traga bons frutos.– Amém, seu Zé. Espero também que consiga realizar o que esperam de mim. E farei o possível para que tudo esteja melhor para todos. Tenho uns assuntos a resolver. Então, q