Capítulo 0005

Evitei o refeitório por alguns dias e, para meu contentamento, as garotas que vinham me perseguindo pararam de me importunar. Para fechar o pacote com chave de ouro, não voltei a ver meu suposto companheiro, o que obrigou Lisa a se retrair, e voltei a prestar mais atenção às aulas.

Era aula de educação física e, após me aquecer, suspirei fundo olhando para o céu nublado e sentei-me no banco. Mais uma vez fiquei só na reserva, sem entrar para jogar. Depois disso, dirigi-me ao clube de arco e flecha pela primeira vez em três semanas, preparando-me mentalmente para enfrentar meus colegas.

Fiquei desapontada ao perceber que havia mais pessoas no clube do que eu imaginava. Em Heington, era um dos clubes menos frequentados, mas aqui havia pelo menos uma dúzia de pessoas se equipando e se preparando para treinar. Equipei-me lentamente, deixando os outros tomarem a dianteira. Ninguém me recepcionou ou desejou boas-vindas. Bem, talvez fosse melhor assim...

— Ah, que pena! Acabaram os arcos! — provocou-me uma jovem magra e loira chamada Lorraine, amiga de Morgan. Ela fez parte do grupo de garotas que tentou me pregar a peça da tinta.

— Não tem problema, eu empresto o meu — entoou uma voz grave por trás de mim. Não precisei me virar para saber quem era. Eu já havia gravado seu cheiro no intuito de evitá-lo, então logo o senti enquanto ainda se aproximava. Nicolas se posicionou ao meu lado e esticou o arco dele para mim. Fiquei relutante em pegá-lo.

— Vai emprestar o seu arco pessoal para essa aí? É muito valioso, e essa humana tosca pode acabar estragando-o. — zombou Lorraine, com um tom de deboche.

— Nesse caso, vou ensiná-la pessoalmente a usá-lo. — A suposta cortesia dele não me enganava, já que ele pareceu aceitar completamente o insulto dirigido a mim. Peguei o arco e flecha da mão dele, posicionei-me na pista livre, o mais distante do alvo, e agucei os meus sentidos. Ele me passou uma flecha da aljava dele e, antes que se aproximasse para me dar instruções, posicionei a flecha no arco, ajustei a mira e atirei.

— Nossa! — ele entoou surpreso ao ver a flecha marcar o meio do alvo.

— Sorte pura! — Lorraine cruzou os braços, incrédula. Isso chamou a atenção dos demais para o espetáculo. Peguei outra flecha da aljava dele e atirei antes de me posicionar meticulosamente. A flecha cortou a primeira, acertando o centro. Rapidamente, peguei outra flecha e repeti o feito. Três alvos perfeitos consecutivos.

Os rostos atônitos dos outros membros fizeram minha loba reclamar novamente sobre mantermos a discrição, mas não pude evitar. Ser chamada de "humana tosca" dessa forma fez-me perceber que eles não sabiam nada sobre mim. Não era apenas por eu ter crescido no meio dos humanos, mas também porque eles achavam que eu era humana.

Devolvi o arco para Nicolas sem dizer nada e saí correndo. Esse não foi apenas o primeiro, mas também o meu último dia nesse clube.

— Eliza, espere! — gritou Nicolas, correndo atrás de mim. Parei onde estava e me virei para ele.

— O que você quer? — perguntei, atenta. Jurei a mim mesma que rasgaria a cara dele toda se ele ousasse tentar me humilhar novamente.

— Já pensou em se inscrever no campeonato de arco e flecha? As inscrições estarão abertas em breve. Aquilo que você fez foi incrível!

— Não! — respondi secamente. — Estou saindo do clube. Com licença!

— Por que você é tão arrogante? — Ele agarrou meu braço para me enfrentar, mas o que se seguiu foi ainda pior. Puxando-me para ele, abraçou-me e caímos rolando na grama.

O grampo que prendia meu cabelo se soltou e me vi presa por baixo dele. Seus olhos castanhos me encaravam com um misto de preocupação e irritação. Seu queixo levemente quadrado se abria e fechava como se quisesse perguntar algo, mas, ao invés disso, ele xingou em alto e bom tom.

— QUEM FOI O IDIOTA QUE ERROU ESSA FLECHA? — Ele levantou-se encarando o grupo que se aproximava, pegou uma flecha no chão que caiu exatamente onde estávamos e a quebrou em pedacinhos. Vendo o olhar furioso de Nicolas, aquele grupo recuou imediatamente e sumiu de vista em segundos.

— MAS QUE MERDA! O PRÓXIMO QUE PASSAR UMA FLECHA POR CIMA DOS LIMITES DO CLUBE ESTÁ EXPULSO! — gritou a plenos pulmões, ignorando-me completamente no chão.

Sentei-me e tirei meus óculos para verificar o estado deles. A armação estava quebrada e uma das lentes trincou no impacto da queda. Senti uma pontada na cabeça e passei a mão atrás, onde acontecera a pancada, prevendo o galo que ia se formar ali. Nem acredito que estava tão irritada que nem vi a flecha se aproximando.

— Vou embora! — falei baixo, terminando de desfazer o coque e ajeitando meus cabelos soltos, ainda um pouco atordoada com o que aconteceu. Antes que eu me levantasse, Nicolas estendeu a mão para mim e me olhou com atenção.

— Acho melhor passar na enfermaria antes — sugeriu ele.

— Não preciso, obrigada! — Rejeitei a mão dele e levantei-me, ficando frente a frente com ele. Por alguns segundos, ficamos nos encarando e vi os olhos dele se transformando. A irritação se tornou confusão e, logo após, admiração. Um dos meus medos acabara de se concretizar, e era apenas a terceira semana.

— Lisa? Lisa! — Fiz que não com a cabeça, desviando meu olhar, mas então ele tocou gentilmente no meu rosto, forçando-me a olhar novamente para ele. — É você mesma, tenho certeza! Sou seu maior fã!

Não consegui permanecer ali. Incapaz de responder, virei e comecei a correr em direção à saída do colégio, torcendo para não ser reconhecida por mais ninguém. Meu coração estava a mil, pensando no que seria de mim nos próximos meses. De fãs loucos, eu entendia melhor do que ninguém, e eu não queria ser perseguida novamente. Achei que pudesse recomeçar do zero, como uma pessoa comum ou mesmo uma ninguém.

— Eliza, espera! — Nicolas me alcançou, agarrando meu braço e me puxou em direção ao estacionamento do colégio. Fiquei de mãos atadas, uma vez que criar uma cena só me exporia ainda mais. Após Nicolas sacar as chaves do bolso da calça, ouvi o alarme de abertura de uma picape vermelha estacionada a poucos metros de nós. — Entre!

Relutantemente, obedeci às ordens dele e entrei no carro. Assim que ele também entrou, ligou o carro e deu ré sem dizer uma palavra. O silêncio apenas aumentava meu nervosismo. Encarei-o por alguns instantes e o percebi olhando de lado para mim algumas vezes, como se quisesse dizer algo.

— Eu estava naquele show. — disse ele por fim. Lembranças dolorosas invadiram minha mente sobre o dia em que desisti da minha carreira.
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