Eu havia acabado de sair do banho quando recebi uma mensagem dele. O relógio marcava 18:12 e eu deveria me encontrar no endereço designado às 19:30. Vesti um jeans casual, uma camiseta branca e coloquei uma jaqueta preta por cima. Quando comecei a arrumar o coque, recebi uma nova mensagem dele:
"Não se disfarce de nerd esquisita. Não vai precisar!"
"Ok!" — enviei minha primeira resposta.
Soltei o coque que estava fazendo, penteei meus longos cabelos pretos e fiz uma maquiagem bem básica. Ignorei os óculos que estavam sobre a mesa e desci para a cozinha, onde me deparei com minha avó e minha tia preparando o jantar.
— Estou de saída. — falei-lhes. Minha tia foi a primeira a se virar e fazer comentários.
— É você mesmo, Eliza? Roupas que se ajustam ao corpo, cabelos soltos e arrumados, e maquiagem? Vai sair com algum garoto?
— Vou encontrar um colega — admiti. — Mas não é nada do que está pensando.
— Coma algo antes de ir — disse minha avó.
— Obrigada, mas prefiro comer quando voltar. Não pretendo me demorar. Tia, me empresta o seu mapa?
Pois é... infelizmente Siram é tão atrasado que não há mapeamento online. Após constatar que o endereço em questão não ficava tão longe daqui, decidi que faria uma caminhada pela noite. Havia algum tempo sobrando. Coloquei um cachecol grande para tampar levemente a parte inferior do meu rosto, um par de luvas de lã preta que ganhara da minha avó no ano passado e saí. O vento estava gelado, mas a sensação do frio me ajudava a relaxar.
Algumas pessoas me cumprimentaram na rua enquanto eu passava. Era uma noite calma e agradável. Enquanto aguardava na faixa de pedestres um momento para atravessar, um carro preto modelo esportivo parou. Embora eu não conseguisse ver o motorista, assenti em agradecimento e atravessei. Tive a sensação de estar sendo seguida com o olhar, mas a impressão passou quando vi o carro acelerar com tudo após a minha passagem. Comecei a sentir que não seria reconhecida tão facilmente quanto imaginava.
Quando estava prestes a tirar o mapa do bolso para verificar novamente a localização, ouvi uma música conhecida ecoando suavemente não muito longe dali. Guardei o mapa e segui o som, que me conduziu até uma charmosa casa de dois andares. Tentei espiar pelas cortinas da janela de onde o som emanava mais alto. Parecia ser um estúdio, onde a banda inteira estava ensaiando.
Nicolas estava no centro, tocando violão e cantando. Liam estava ao lado dele tocando guitarra e cantando como segunda voz. Por trás, Jonathan na bateria e Maxsuel no baixo, enquanto Annie estava ao lado de Liam tocando teclado. E eu pensando que a banda era do Liam...
Fiquei em dúvida se deveria tocar a campainha da frente ou esperar o ensaio acabar. Em meio aos meus devaneios, a música parou e percebi Nicolas olhando na minha direção. Eu tinha sido flagrada!
Os colegas não entenderam quando ele deixou o violão no suporte e disparou dali. Pouco tempo depois, a porta da frente da casa se abriu e ele me chamou entusiasmado:
— Vem! Chegou cedo.
— Desculpe atrapalhar o ensaio. — disse enquanto passava por ele. O interior da casa era elegante, mas ao mesmo tempo aconchegante.
— Bem-vinda à minha casa! Sinta-se à vontade!
— Obrigada! — respondi, mas sem segui-lo. Estava relutante em aparecer com meu estilo normal na frente dos outros. Como se estivesse lendo meus pensamentos, ele tentou me acalmar.
— Não se preocupe, ninguém vai te reconhecer. Não precisa mais usar o disfarce de nerd esquisita.
— Você me reconheceu — rebati, olhando-o diretamente nos olhos. Ele respirou fundo ao se aproximar e tirou meu cachecol, colocando-o no cabide próximo à porta de entrada.
— Provavelmente fui o único no clã que já te viu pessoalmente, e o que finalmente me fez perceber não foi apenas seu perfil, mas também o seu cheiro. — explicou.
— Meu cheiro? — perguntei, confusa.
— Eu estava na segunda fileira do show naquele dia. Quando a multidão invadiu o palco, fui empurrado para frente e pude notar de perto seus traços faciais e sentir seu cheiro. Quando me sentei ao seu lado no seu primeiro dia de aula, notei o cheiro estranhamente familiar, — ele deu um riso fofo — o que, admito, me deixou irritado naquele momento, e eu não entendia o porquê. Todas as peças se encaixaram naquele incidente. Sem os óculos e com o cabelo solto, seus traços ficaram mais evidentes. Você estava tão perto de mim que não pude deixar de sentir seu cheiro com mais intensidade, e foi graças à soma dos dois que finalmente percebi quem você é. Mesmo agora, mesmo tendo visto a Lisa pessoalmente, eu não te reconheceria se não fosse pelo seu cheiro, então não precisa se disfarçar.
Ele se abriu completamente para mim, expondo tudo sem rodeios e com sinceridade. Ponderei por alguns segundos, ainda indecisa. De fato, criei um perfil completamente diferente para a Lisa. Eu usava uma peruca loira comprida com pontas cacheadas, em contraste com o meu cabelo natural longo, preto e liso. Também usava maquiagem pesada para alterar alguns traços faciais e parecer mais velha, além de lentes de contato castanhas para disfarçar meus olhos esverdeados.
— Ok. — Respondi sucintamente. Sempre adotava um tom sério e monótono como Eliza, enquanto deixava florescer na Lisa a personalidade alegre e espontânea da minha loba. Talvez ele tivesse razão.
— Eliza, eu... — Ele interrompeu o que estava dizendo ao ouvir passos se aproximando.
— Nicolas, onde você foi? O pessoal está esperando. O que... — Maxsuel parou o que estava dizendo e me encarou por completo, desnorteado. Meu coração saltou em meu peito enquanto eu acreditava ter sido reconhecida. — Eliza? Nossa, você tá muito gata!
— É melhor não constranger a nossa visita. — Nicolas lançou um olhar fulminante para ele. Em seguida, gesticulou para que eu o seguisse.
Respirei profundamente antes de acompanhar Nicolas. Notei quando ele esbarrou de propósito em Maxsuel, que apenas riu e começou a implicar com Nicolas como se fosse algo comum entre eles.
— Eliza, que surpresa! — Annie correu até mim e me abraçou toda animada. — Quase não te reconheci.
— Oi. — disse Liam, igualmente surpreso.
— Olá, Eliza! — disse Jonathan, apoiando-se em sua bateria e sorrindo abobalhado para mim. — Vai participar com a gente?
— Só vim olhar. — Desviei meu olhar para Nicolas e aguardei uma resposta dele. Ele sorriu de forma serena, assentiu levemente com a cabeça enquanto retornava ao seu lugar e pegava o violão. Sentei-me no banco lateral e observei a performance mediana da banda até que Annie começou a demonstrar cansaço e Liam resolveu levá-la para casa.
— Bom ensaio hoje. Boa noite, galera! — entoou Liam. Annie bocejou profundamente antes de nos desejar boa noite também.
— Vocês dois, fora! — Nicolas dirigiu-se a Maxsuel e Jonathan, que permaneceram parados como se estivessem aguardando um grande espetáculo.
— Qual é, cara? O que deu em você? — Maxsuel recebeu novamente um olhar fulminante de Nicolas e calou-se, levantando as mãos em sinal de rendição. Jonathan imitou o gesto e seguiu-o porta afora, rindo entre eles a respeito de algo que eu não compreendia.
— Idiotas! — murmurou Nicolas, balançando a cabeça em sinal de reprovação.
Permaneci sentada, esperando que ele se pronunciasse. Como não o fez, tomei coragem para tentar esclarecer algo que estava me incomodando na confissão dele.
— Por que você ficou irritado com o meu cheiro? Eu te fiz algo? — Culpa e arrependimento, era tudo o que vi em seus olhos quando ele se agachou perto de mim.
— Se lembra que eu disse que estava no show? — Assenti. — Era o meu sonho conhecer você, então consegui uma permissão especial para sair naquela vez. Mas eu estraguei tudo... — Sua voz saiu meio rouca, não sei se por tanto ensaiar ou se por segurar o choro.
— Você não fez nada.
— Fiz sim! Não só não fiz nada para impedir os fãs de invadirem o palco, como me aproveitei dos empurrões para te ver mais de perto. E depois daquele dia a Lisa desapareceu e eu sentia que a culpa era minha, minha e de todos os que estavam lá naquele dia. — Ele desceu o olhar até o chão, incapaz de me encarar. — Quando senti seu cheiro na primeira vez e não me lembrei de onde, um gatilho na minha mente me fez ficar triste na hora e o fato de eu não entender o porquê é que me irritava. Eu achei que estava ficando louco, me afundando num sentimento ruim por uma pessoa que eu sequer conhecia. Achei que se eu quebrasse esse sentimento ruim começando a tratar você melhor, minha tristeza iria passar e então...
— Você me tirou da mira de uma flecha e acabou me reconhecendo. — Eu ri sem graça com o quão estranha essa história estava ficando. Ele ergueu a cabeça e tornou a sorrir ante a minha declaração. — Não se preocupe, não guardo ressentimentos de você.
— Eliza... — Ele segurou minhas mãos, deixando-me envergonhada, mas não as retirei, paralisada frente ao olhar intenso dele. — O motivo pelo qual convenci a banda a fazer covers das músicas de Lisa foi para me redimir, assim como os outros fãs estão fazendo. Queremos homenageá-la de todas as formas possíveis para que você volte. Queremos ver você cantar novamente!
Depois de vir para Siram, parei de atender meu empresário. Por fim, ele enviou uma mensagem dizendo que centenas de vídeos estavam sendo postados na internet pelos meus fãs, pedindo desculpas e cantando minhas canções. O trauma ainda permanecia escondido dentro de mim, mas não era o que me impedia de voltar nesse momento, e sim o fato de estar presa nesse fim de mundo por tempo indeterminado.
— Olha, não foram vocês, não foi aquilo! É outra coisa que vocês não sabem. — Retirei minhas mãos das dele e as apertei uma contra a outra com um pouco de ansiedade. — Só que eu realmente prefiro não falar sobre isso. Além disso, não posso voltar nem que eu quisesse. Estou presa nesse lugar por causa da convocação.
— Posso te ajudar com isso. — Ele se levantou e se sentou ao meu lado. — Meu pai é o beta do clã, o braço direito do alfa. Posso conseguir as permissões que você precisar para sair.
Olhei para ele surpresa com essa afirmação. Nicolas tinha mais influência dentro do clã do que eu imaginava.
— No momento, ele está com meu irmão mais velho na casa do alfa. Quando voltarem, posso interceder por você.
— Não tenha pressa. — Levantei-me, tirando o celular do meu bolso e olhando as horas. — Tudo tem seu tempo. Se quer fazer algo por mim, então, por favor, mantenha tudo a meu respeito em segredo. Preciso ir agora.
— Você veio a pé? — Assenti. — Vou te levar para casa. Está muito tarde!
Não estava tão tarde, mas não disse nada para contrariá-lo. Permaneci em silêncio durante todo o percurso de volta, olhando para o céu e admirando a lua que estava quase cheia. A picape parou em frente à casa da minha avó e, quando eu ia descer, Nicolas abriu o porta-luvas do carro e pegou um CD da Lisa.
— Antes de ir, pode me dar o seu autógrafo? — pediu ele.
Sorri para ele, peguei uma caneta que sempre carregava em algum bolso devido ao hábito que desenvolvi de dar autógrafos, e escrevi:
“Ao meu grande fã, Nicolas. Por favor, não se culpe mais. Beijos, Lisa.”
— Boa noite! — disse-lhe, devolvendo o CD e saindo do carro.
— Boa noite e obrigado! — consegui ouvi-lo responder antes de fechar a porta.
Entrei em casa satisfeita e, enquanto requentava o prato de jantar que minha avó deixou para mim, senti minha loba uivando alegre dentro de mim, dizendo:
“Mais um problema resolvido. Eliza, você é demais!”