Desde que me entendo por gente, meus pais buscavam me colocar em diversos cursos para crianças, talvez para me distrair, já que não tinham muito tempo para mim. Desde cedo, apresentei muita afinidade para música. Aos seis anos, eu tocava piano e cantava tão bonitinho que me tiraram do curso de idiomas para que eu me focasse somente na música.
Pouco antes disso, aos cinco anos, eles me contaram sobre os clãs e minha origem mágica. Algo que no início era fascinante para mim se tornou um baque na minha vida à medida que eu descobria mais sobre o que é ser um lobo. Por volta dos oito anos, coloquei na minha cabeça que não deixaria essa coisa de lobos ditar a minha história. Eu sabia que minha loba seria mais forte que eu e poderia ter mais controle das minhas decisões, então jurei a mim mesma ficar mais forte do que ela para que pudesse dominá-la completamente quando ela surgisse.
Lembro de ter implorado tanto aos meus pais que me colocassem em aulas de luta e defesa pessoal que acabaram por ceder, mesmo eu sendo só uma criança. No entanto, impuseram uma importante condição: que eu permanecesse estudando música e mantivesse a mesma dedicação nos estudos que eu vinha tendo. Desde cedo, tive que aprender a gerenciar meus horários para caber em um dia tudo o que eu queria fazer.
Ainda não tinha treze anos quando minha loba apareceu. Senti muita raiva por perder o controle naquele dia e direcionei essa raiva intensificando meu treinamento. No ano seguinte, acabei competindo no campeonato nacional de jiu-jitsu e me tornei campeã. No entanto, a vitória não acalmou o turbilhão dentro de mim. Após a competição, deixei o prédio e, sob o céu aberto, comecei a cantar uma canção que compus aos dez anos, chamada "Noite de Luar".
— Isso foi maravilhoso! Já considerou seguir carreira como cantora profissional? — indagou-me um homem de meia-idade, com uma expressão amigável, após se aproximar sorrateiramente de mim. Ele tinha vindo ver o campeonato com um amigo e, coincidentemente, viu-me cantar do lado de fora. O nome dele era Marcos e, naquele momento, tornou-se o meu empresário.
Após uma breve conversa com ele, aceitei fazer um teste e gravar um videoclipe com minha composição, com uma condição: ele deveria manter minha identidade no anonimato. Em poucas semanas após o lançamento, já havia milhares de visualizações e curtidas e muitos pedidos por mais. Continuei fazendo mais e mais videoclipes das minhas composições, e meu nome chegou ao auge quando eu tinha quinze anos.
Foi então que comecei a receber centenas de cartas e presentes por dia, enviados pelos fãs para o endereço da empresa. Em cada lugar que eu ia, era cercada por multidões de admiradores. Isso nunca me importunou até o dia em que começaram a invadir minha privacidade e tentar, de todas as formas, descobrir minha identidade. Por vezes, achei que não conseguiria escapar da perseguição. Os locais em que eu me preparava para os trabalhos mudaram diversas vezes, e evitei fazer shows ao vivo para não ser seguida e importunada.
Eram dias ensolarados. Eu estava prestes a completar dezesseis anos, e meu empresário me convenceu a embarcar em uma turnê maior durante o período de férias escolares. Tudo parecia estar sob controle até o último show da turnê. Naquele dia, o palco foi invadido por uma imensa multidão de fãs enlouquecidos.
Os seguranças tentaram contê-los, mas não estavam dando conta. Enquanto eu tentava escapar, um membro da equipe abriu uma porta sob o palco para que eu pudesse me esconder. Era um beco estreito e escuro. O que eu não esperava era que aquele homem fosse o mais obcecado de todos os fãs. Agarrando-me com violência, ele tentou me forçar a ser dele. Ele era forte e não me deu tempo nem oportunidade para reagir. Desesperada, acabei deixando Lisa escapar e me transformei em lobo. A grande quantidade de energia mágica liberada com a transformação lançou o homem para longe de mim. Aproximei-me trêmula do corpo do homem, que desfalecera após colidir com uma pilastra de madeira.
Recuei alguns passos, voltando à forma humana, e procurei entre os pedaços de roupa que se rasgaram durante a transformação, algo que eu pudesse usar para me cobrir. Fiquei alguns minutos encarando o cadáver em choque e acabei tendo uma crise nervosa. Eu nunca tinha matado ninguém antes! Não quis fazer aquilo, não foi intencional.
Não demorou muito para a equipe de produção me encontrar. Rapidamente, minha assistente me cobriu com uma manta e me tirou dali. Em meus depoimentos, contei à polícia tudo o que aconteceu, exceto minha transformação em lobo. Em vez disso, disse-lhes que empurrei o homem num ato de desespero. O inquérito concluiu que o homem morreu de fratura no pescoço, após meu ato de legítima defesa.
Quanto mais investigavam o suspeito, mais pistas surgiam contra ele. Foi quando descobriram que ele coagiu a multidão de fãs a invadir o palco e que vinha me perseguindo há vários meses, apenas esperando o momento certo para me emboscar. Encontraram cartas de ameaças, presentes suspeitos que haviam sido enviados por ele e centenas de fotos e filmagens minhas no computador de sua casa. Tratava-se de um maníaco!
Meu nome estava, de certa forma, limpo, e meu empresário foi eficiente em manter os acontecimentos por baixo dos panos, mas eu não poderia esquecer o que aconteceu e o que eu fiz. Meus fãs incessantemente mandaram pedidos de desculpas e imploraram pelo meu retorno nos meses seguintes, mas eu não pretendia mais dar as caras.
Foi nesse meio tempo que ocorreu a grande conferência dos clãs e a decisão de que todos os lobos e seus descendentes retornassem para seus respectivos clãs até segunda ordem. Quem não cumprisse com o ordenado poderia ser destituído de seu clã e preso. Caso alguém tentasse fugir, um pedido de recompensa seria emitido e os mercenários entrariam em cena. Pior do que ser perseguido por fãs loucos seria ser caçado por mercenários lobos, que além de serem farejadores bem treinados, eram cruéis.
— Me deixa aqui, por favor! — implorei ao Nicolas. Em vez de me ouvir imediatamente, ele entrou na rua e parou em frente à casa da minha avó. Era uma casa térrea, não muito grande, mas com uma fachada charmosa e um canteiro de flores em frente a cada janela.
— Como sabe que moro aqui? — perguntei ingenuamente.
— Como não saber, se sua avó espalhou para a cidade inteira que sua querida netinha viria para cá e tinha conseguido entrar no colégio Siram? Você é a única novata da cidade para quem o colégio abriu vaga.
Parando para pensar, Siram é relativamente pequeno. É bem óbvio que as notícias se espalhariam rapidamente. Abri a porta e sussurrei um "obrigado". Ele sorriu para mim e saiu do veículo com um olhar mais sereno.
— Parece que a senhorita não é tão arrogante quanto eu imaginava. — Desviei meu olhar e suspirei fundo enquanto encarava a casa da minha avó. Eu não podia simplesmente entrar sem saber o que ele faria em relação ao meu segredo.
— Precisamos conversar. — disse a ele de forma calma e firme.
— Me passa o seu número. — pediu. Ele tirou o celular do bolso e ficou aguardando. Imediatamente fiz o que ele me pediu.
— Vou te mandar o endereço do lugar e o horário. Até lá, não direi nada a ninguém sobre você.
— E se eu não for? — questionei.
— Arrisque e amanhã você descobrirá. — Embora o semblante dele estivesse sério e suas palavras soassem mais como uma ameaça, os olhos e a voz demonstravam uma gentileza que talvez jamais mostrasse se eu não fosse seu ídolo. Assenti. Ele se deu por satisfeito e foi embora.